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São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2003

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JANIO DE FREITAS

Nada extraordinário

O continuísmo não está na Presidência e nos ministérios econômicos. A eleição de um presidente petista para a presidência da Câmara permitiria esperar-se uma parte, ao menos isso, das inovações tão necessárias na condução e na moralização das atividades legislativas da Casa. João Paulo Cunha, deputado petista, nada trouxe de novo em relação aos seus antecessores do PMDB e do PFL, a não ser as evidências maiores de deslumbramento.
A decisão de pagar três vencimentos aos deputados em julho, sendo dois a propósito de compensar a convocação extraordinária no mês, é a continuação de uma imoralidade que nenhum dirigente da Câmara ou partido, da mudança da capital até hoje, teve a coragem de combater. A rigor, é uma de imoralidades.
Alega João Paulo que há numerosas matérias acumuladas na pauta de votação. Obstruções, por iniciativa de governistas ou de oposicionistas, podem retardar a pauta. Mas o fator fundamental do constante atraso, impeditivo, inclusive, da recuperação do tempo talvez perdido com obstruções, não está nas normas estabelecidas para o funcionamento do Legislativo. Muito ao contrário.
As atividades da Câmara só contam com presenças suficientes para funcionar -quando contam- a partir da tarde de terça-feira. Na quinta, a presença já se torna rarefeita e estará extinta antes do fim do dia. Sexta-feira, como a segunda, é feriado, para inflar o fim de semana que vai até terça. O resultado desse calendário exclusivo é que só a quarta-feira é considerada dia de votação, mesmo. Ou melhor, talvez de votação.
Assim será, também, durante o mês em que os deputados vão receber mais dois vencimentos, perfazendo R$ 38.160, dos quais R$ 25.440 como extra por serem esperados para votar em quatro quartas-feiras. As críticas a esse ataque aos cofres públicos são sempre contestadas com a referência às atividades das comissões técnicas. Mas nem aí há, normalmente, diferença compensatória do desregramento, nem as comissões deixam de ser atingidas pela mentalidade de "férias de julho", apesar da convocação extraordinária.
Além do conceito tão original de dia útil, o regime de "trabalho" do Congresso, e portanto da Câmara, concede aos parlamentares o privilégio, que é melhor não qualificar, de só terem, no ano integralmente pago, nove meses de "trabalho". São três meses de férias, um em julho e dois no verão. E mais todos os feriados e as semanas enforcadas quando um feriado cai em segunda, quinta ou sexta-feira. Nessas condições, a convocação extraordinária para tirar um pouco do atraso, e por isso pagarem-se dois vencimentos adicionais, não cabe nem no mais dilatado conceito de decência.
O deputado Chico Alencar, que já se distingue pelo bom desempenho em seu primeiro mandato federal, e seus colegas petistas Fernando Gabeira e Antonio Carlos Biscaia requerem a reconsideração do pagamento adicional. Orlando Desconsi propôs ao plenário que os dois vencimentos extras sejam doados ao Fome Zero. A resposta de João Paulo é de que recebam o triplo pagamento e dêem-lhe o destino que quiserem, nada havendo a modificar no já decidido.
Como esses fatos não chegam ao povo, a continuidade do Congresso fica assegurada.


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