São Paulo, domingo, 5 de julho de 1998

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CELSO PINTO
O pacote fiscal de 99

A discussão sobre se o governo terá ou não de tomar medidas fiscais depois das eleições é, em boa medida, ociosa. O governo terá de apertar a política fiscal em 99 porque, se não fizer nada, não conseguirá sequer repetir o mau resultado deste ano.
A primeira medida, aliás, já está andando. Está tramitando o projeto que prorroga por um ano o malfadado imposto do cheque, a CPMF. O que apenas confirma a suspeita de que os impostos, mesmo os provisórios, assim como os diamantes, são eternos.
Se não conseguir prorrogar a CPMF, o governo vai perder algo como 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em receita no próximo ano. A partir de fevereiro, cada mês de atraso na aprovação da continuidade da CPMF significará uma perda de R$ 700 milhões para os cofres do governo.
A conta, contudo, não pára aí. A Receita Federal calcula em R$ 4 bilhões a arrecadação obtida com o imposto cobrado sobre o estoque das aplicações financeiras. É aquele imposto criado pelo pacote de outubro, em substituição ao aumento do Imposto de Renda previsto no projeto original.
Dos R$ 4 bilhões, só entraram no cofre, até agora, cerca da metade. O restante está pendente: os fundos de pensão e alguns investidores institucionais recorreram contra o imposto na Justiça. O governo imagina, contudo, que pode ganhar na Justiça.
O imposto sobre o estoque só gera receita uma vez. Se conseguir embolsar os R$ 4 bilhões neste ano, o governo ficará com 0,5% de receita a menos em 99.
Outra receita que não se repetirá em 99 é a das concessões, especialmente de telecomunicações. O cálculo é que entrem R$ 4,2 bilhões este ano, ou mais 0,5% do PIB.
A favor do governo, contam alguns fatores. Uma parcela de R$ 1,1 bilhão de concessões deverá ser paga em 99, se as empresas não resolverem antecipar o pagamento, como já aconteceu em um caso.
O grande trunfo, contudo, pode ser a venda de concessões para as chamadas "empresas-espelho" da telefonia. No mercado, alguns calculam em até R$ 10 bilhões o potencial de arrecadação com as empresas-espelho. Se as condições de pagamento acompanharem as da privatização da Telebrás, 40% do total seriam pagos à vista; o restante em três anos.
Portanto, se essa avaliação se mostrar realista, pode ser que mais R$ 4 bilhões entrem em concessões em 99. O dinheiro gerado por concessão é renovável (ainda que apenas em 20 anos). Por essa razão, o FMI aceita que os recursos engordem a receita corrente, reduzindo o déficit fiscal.
A dúvida é saber quando o governo vai vender as empresas-espelho. A previsão é que isso aconteça ainda em dezembro. Se for assim, pode reduzir o déficit deste ano e trazê-lo mais perto de 6% do PIB. Em compensação, ampliará o buraco de receita que não se repetirá em 99.
Supondo que a CPMF seja prorrogada e que as concessões das empresas-espelho gerem caixa só em 99, ainda assim, o governo precisaria encontrar até 0,5% do PIB em receitas adicionais apenas para manter o mesmo nível deste ano. Como o próprio governo calcula que seria preciso reduzir o déficit público em pelo menos 2% do PIB para torná-lo palatável, fica claro o perigo de não fazer nada na área fiscal.
O governo sabe disso. Uma das alternativas em exame é usar um recurso criado pela reforma administrativa: colocar funcionários públicos em disponibilidade. Depois da reforma, funcionários em disponibilidade passam a ganhar apenas um terço de seu salário, gerando, portanto, uma economia para o governo.
Seria uma alternativa, obviamente, para depois das eleições. Alguns casos pontuais de funcionários colocados em disponibilidade estão servindo como teste da eficácia da medida, do ponto de vista jurídico.
A hipótese menos provável e mais preocupante seria o governo ficar parado em relação a 99. Não seria prudente contar apenas com uma nova rodada de boa vontade dos mercados em relação às três novas reformas: a mudança na Previdência, a reforma fiscal e a trabalhista. A reforma com maior impacto fiscal imediato, a previdenciária, deve ter uma tramitação longa e turbulenta.




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