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ELIO GASPARI
Uma nova demagogia: quem não é carente é rico
Bateu uma praga na parolagem nacional. Primeiro apareceu a noção de "carente". A isso somou-se uma neurastenia
politicamente correta, e brotaram programas destinados a
cuidar de todos os excluídos.
Tem o Peti, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, já
houve o Cão Legal, do prefeito
Celso Pitta, há ainda o Morar
Melhor e o Luz no Campo (como se a houvesse nas cidades).
Todos juntos não somam metade do que a Viúva gastou no
Proer (R$ 21,6 bilhões) para
atender banqueiros carentes.
Começa-se agora a construir
uma nova lorota. Nela, quem
não é carente é rico. Um estudo
da Secretaria da Receita Federal
informa que uma elevação do
teto de isenção do Imposto de
Renda da Pessoa Física significará um "aumento da carga tributária sobre o consumo", provocando a "transferência de
ônus tributário de uma parcela
pequena e mais rica da sociedade para os consumidores em geral".
É o que o professor Paul Singer
chama de "gestão por ultimato". Ameaça-se a choldra com a
arrogância dos centuriões romanos nas colônias asiáticas.
Segundo os cálculos do Unafisco, seis anos de congelamento
das faixas de rendimentos trouxeram para dentro da malha de
contribuintes algo como 2 milhões de pessoas. Esse foi um dos
fatores que permitiram um aumento de 47% acima da inflação na arrecadação do Imposto
de Renda da Pessoa Física entre
1994 e 2000. Entre 1996 e 2000, o
número de declarantes aumentou em 13,2%.
Uma simulação mostra que,
em 1995, um cidadão que ganhava R$ 1.300 por mês, com
um dependente e R$ 200 mensais de plano de saúde, não pagava Imposto de Renda. Com o
salário corrigido de acordo com
os índices de aumento do salário mínimo, hoje ele paga R$
1.128 anuais. Isso equivale a
4,8% de sua renda. Se a tabela
tivesse sido corrigida de acordo
com os mesmos índices que aumentaram seu salário, pagaria
R$ 622, ou 2,64% da renda.
Foram seis anos de tunga sistemática contra quem ganha
menos. Pode-se admitir que fosse necessária, mas o governo deve reconhecer que a praticou
com a mão leve dos batedores de
carteira. FFHH dava-se ao luxo
de dizer que jamais permitiria
um aumento da carga tributária contra a classe média. Em
suas palavras: "Deus me livre de
tirar alguma coisa da classe média, até porque eu pertenço a ela
e não quero sofrer mais, não".
O grande momento do estudo
da Receita está no ponto em que
se refere à "parcela pequena e
mais rica da sociedade". Segundo o projeto de revisão das faixas, ficariam isentos do Imposto
de Renda os cidadãos que ganham até R$ 1.250. (Hoje a isenção vai até R$ 900.)
Uma tributoteca capaz de
achar que um trabalhador com
R$ 1.251 de salário faz parte da
"parcela pequena e mais rica da
sociedade", de três, uma:
1) Pensa que os outros são
idiotas;
2) Não sabe português;
3) Nunca viu um rico.
Uma pessoa que ganha R$
1.250 não pode ter o seu nome
associado à palavra rico. É um
raciocínio tão inteligente quanto dizer que dois mendigos sem
um níquel andam pela rua e um
deles, depois de achar uma moeda de 50 centavos, fica "mais rico" que o outro. A parolagem da
Receita é intelectualmente desonesta, pois seus computadores
sabem muito bem que essa
"parcela pequena e mais rica da
sociedade" está em outro andar.
Aceitando-se que uma pessoa
com R$ 6.000 de renda mensal
seja rica, o número de contribuintes nessa condição é de 221
mil.
Examinando-se esse andar,
verifica-se que o número de brasileiros que declararam rendimentos superiores a R$ 276 mil
num ano está em apenas 8.000.
Ou seja, no mundo da fantasia
de Brasília, só há no Brasil 8.000
pessoas com salários superiores
a R$ 23 mil. No mundo real, esse
deve ser o número de pessoas
que ganham esse dinheiro e têm
menos de cinco gravatas Ferragamo.
Pode-se entender que a Receita não consiga arrecadar mais
no andar de cima. Pode-se também admitir que ela prefira tungar o de baixo, onde pode beber
nas fontes salariais. Não é educado, contudo, que, depois de
meter a mão no bolso da patuléia, ela pretenda tratá-la como
néscia.
Do jeito que vão as coisas, o
governo acabará criando o PróBobo. Nele, cada família que ganha em torno de R$ 1.250 mensais, mantém os filhos na escola,
não usa a rede oficial de saúde e
não confia no sistema de segurança pública ganhará uma
carteirinha de plástico. Terá estampados o logotipo do programa Avança Brasil, os cinco dedos de FFHH e a inscrição "Governo Federal". Não servirá para rigorosamente nada.
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