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"Dinheiro público não inibiria caixa 2"
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
Noely Manfredini D'Almeida,
59, advogada especializada em direito internacional público, afirma que o projeto de lei que prevê
que as campanhas no Brasil devem ser financiadas exclusivamente com recursos públicos não
possui similar no mundo -no
qual prevalece o sistema misto (financiamento privado e público).
Nada garante que o novo sistema
vá eliminar o caixa dois -problema crônico no mundo inteiro.
Manfredini foi coordenadora-geral do 1º Fórum Mundial Eleitoral e Partidário (1999) e coordenadora-geral do Foro Interamericano de Instituições Eleitorais e Políticas (2000). Escreveu, entre outros livros, "Crimes Eleitorais e
Outras Infringências" e "Legislação Eleitoral para Iniciantes".
Folha - A participação crescente
do financiamento público no mundo eliminou as denúncias de corrupção em eleições?
Noely Manfredini - Não. O fato
de crescer a quantidade de ajuda
em dinheiro do Estado não resolveu nada. O que melhora é saber a
origem das receitas e se há regras
para coibir abusos. O subsídio
permite a corrupção quando:
candidatos e partidos ocupam
outros recursos do Estado, não
permitidos (funcionários, veículos, impressoras etc.); quando não
existe uma distribuição eqüitativa
dos valores; quando a lei não não
prevê sanções; quando o controle
da prestação de contas fica subordinado a alguns poucos funcionários eleitorais -dificilmente dão
conta do volume de informações.
Folha - É possível dizer que a representação proporcional torna as
campanhas mais caras?
Manfredini - Eu diria que sim,
torna-se mais cara, por culpa das
distâncias que um candidato tem
de percorrer, por culpa do amor à
imagem na TV. E não, porque
mesmo em países onde o horário
gratuito não existe (EUA), a campanha também é cara. Nos Estados Unidos, os dois principais
candidatos das eleições presidenciais de 2000 receberam do fundo
público cerca de US$ 134 milhões.
Grande parte desses recursos foi
gasto na compra de tempo na TV.
A modernização das técnicas encarece os custos de campanha.
Em política, o tempo é fator escasso. Então busca-se dinheiro de todas as formas, preferencialmente
burlando a lei.
A comparação de dados entre
países é difícil por conta de uma
série de fatores: o tipo de sistema
eleitoral, o número de eleitores, o
tipo de prestação de contas de
campanha. Mas já se sabe: em todas as partes do mundo apenas
metade do dinheiro arrecadado
da iniciativa privada para as campanhas é declarado oficialmente.
A outra metade corre por fora, no
caixa dois.
Folha - O sistema de lista aberta
adotado no Brasil encarece ainda
mais as disputas?
Manfredini - Os japoneses costumam dizer que, para disputar
uma eleição, o candidato precisa
ter "três ban": jiban (esfera de influência, uma boa base eleitoral);
kanban (um bom nome junto ao
eleitor); kaban (uma pasta, isto é,
muito dinheiro). O sistema de representação proporcional com
lista aberta oportuniza os "três
ban". Se no passado o êxito eleitoral dependia da eficiência dos dirigentes dos partidos em nível local, da militância dos cabos eleitorais, agora as habilidades essenciais nas eleições modernas são
conferidas às assessorias de imprensa, aos especialistas em pesquisas de opinião, aos encarregados da publicidade nas campanhas, ao marketing individual.
O sistema de representação proporcional de lista aberta, onde o
eleitor pode escolher o candidato
mais simpático, ocasiona que este
eleitor não seja fiel aos estandartes dos partidos e sim às imagens
dos candidatos, individualmente.
Com certeza isso custa muito dinheiro -para colocar a campanha na rota do sucesso.
Folha - O financiamento público
direto dos partidos já existe no Brasil pelo menos desde 1965, com a
criação do fundo partidário, e o indireto desde a criação do horário
eleitoral gratuito. Qual é a novidade da proposta no Congresso?
Manfredini - Considero-a indecente, se implantar o financiamento exclusivo, ainda que somente para o período de campanha. Por que estamos indo na
contramão, quando já utilizamos
o sistema misto, que prevalece em
mais de cem países? Se a novidade
é dar um pulo de R$ 120 milhões
para cerca de R$ 800 milhões, dispenso-a de bom grado e comigo
estarão, com absoluta certeza, 122
milhões de eleitores brasileiros, a
maioria dos quais nem tem casa
para morar, direito à escola ou ao
atendimento hospitalar. Aliás, diga-se de passagem, não existe em
praticamente 116 países nenhum
modelo de financiamento exclusivo, seja público ou privado. Nos
moldes propostos no Brasil, leva-se em conta o histórico dos partidos, distribuindo recursos segundo o sucesso eleitoral do passado.
O método tende a dar vantagem
àqueles que ganharam as últimas
eleições e, conseqüentemente, estão no poder. A oposição, os novos competidores recebem menos recursos e assim, têm menos
chances na eleição. Defende-se no
mundo todo a manutenção da
combinação mista, porque as
duas espécies se equivalem em legitimidade e importância. Por
que aqui se tende para o contrário? Quantos países agüentariam
a dependência exclusiva dos recursos estatais? E quem garante
que contribuições não continuarão entrando por fora?
Folha - Embora as restrições ao financiamento privado sejam muito
brandas, grande parte do dinheiro
destinado ao financiamento de
campanhas vai para o caixa dois
dos partidos. Por que as empresas
preferem as doações ocultas?
Manfredini - Não vejo o porquê
das empresas fazerem doações
por baixo do pano, a não ser o
medo de futuras retaliações, caso
seu candidato ou partido não ganhe as eleições. É importante desmistificar a idéia de que política é
uma grande sujeira e que não tem
utilidade. No financiamento privado, as "espertezas" ficam melhor camufladas quando não há
normas sobre o quanto se gastou,
como e no quê. Quando não se limita, com teto máximo, doações
privadas. Quando não se limita o
valor das doações anônimas, ultimamente apontadas sempre como produto de lavagem de dinheiro. As denúncias de dinheiro
sujo nas campanhas e dentro dos
três Poderes de uma nação não
respeitam mesmo fronteiras, estão em toda parte do mundo.
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