São Paulo, segunda-feira, 05 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Dinheiro público não inibiria caixa 2"

MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

Noely Manfredini D'Almeida, 59, advogada especializada em direito internacional público, afirma que o projeto de lei que prevê que as campanhas no Brasil devem ser financiadas exclusivamente com recursos públicos não possui similar no mundo -no qual prevalece o sistema misto (financiamento privado e público). Nada garante que o novo sistema vá eliminar o caixa dois -problema crônico no mundo inteiro.
Manfredini foi coordenadora-geral do 1º Fórum Mundial Eleitoral e Partidário (1999) e coordenadora-geral do Foro Interamericano de Instituições Eleitorais e Políticas (2000). Escreveu, entre outros livros, "Crimes Eleitorais e Outras Infringências" e "Legislação Eleitoral para Iniciantes".

 

Folha - A participação crescente do financiamento público no mundo eliminou as denúncias de corrupção em eleições?
Noely Manfredini -
Não. O fato de crescer a quantidade de ajuda em dinheiro do Estado não resolveu nada. O que melhora é saber a origem das receitas e se há regras para coibir abusos. O subsídio permite a corrupção quando: candidatos e partidos ocupam outros recursos do Estado, não permitidos (funcionários, veículos, impressoras etc.); quando não existe uma distribuição eqüitativa dos valores; quando a lei não não prevê sanções; quando o controle da prestação de contas fica subordinado a alguns poucos funcionários eleitorais -dificilmente dão conta do volume de informações.

Folha - É possível dizer que a representação proporcional torna as campanhas mais caras?
Manfredini -
Eu diria que sim, torna-se mais cara, por culpa das distâncias que um candidato tem de percorrer, por culpa do amor à imagem na TV. E não, porque mesmo em países onde o horário gratuito não existe (EUA), a campanha também é cara. Nos Estados Unidos, os dois principais candidatos das eleições presidenciais de 2000 receberam do fundo público cerca de US$ 134 milhões. Grande parte desses recursos foi gasto na compra de tempo na TV. A modernização das técnicas encarece os custos de campanha. Em política, o tempo é fator escasso. Então busca-se dinheiro de todas as formas, preferencialmente burlando a lei.
A comparação de dados entre países é difícil por conta de uma série de fatores: o tipo de sistema eleitoral, o número de eleitores, o tipo de prestação de contas de campanha. Mas já se sabe: em todas as partes do mundo apenas metade do dinheiro arrecadado da iniciativa privada para as campanhas é declarado oficialmente. A outra metade corre por fora, no caixa dois.

Folha - O sistema de lista aberta adotado no Brasil encarece ainda mais as disputas?
Manfredini -
Os japoneses costumam dizer que, para disputar uma eleição, o candidato precisa ter "três ban": jiban (esfera de influência, uma boa base eleitoral); kanban (um bom nome junto ao eleitor); kaban (uma pasta, isto é, muito dinheiro). O sistema de representação proporcional com lista aberta oportuniza os "três ban". Se no passado o êxito eleitoral dependia da eficiência dos dirigentes dos partidos em nível local, da militância dos cabos eleitorais, agora as habilidades essenciais nas eleições modernas são conferidas às assessorias de imprensa, aos especialistas em pesquisas de opinião, aos encarregados da publicidade nas campanhas, ao marketing individual.
O sistema de representação proporcional de lista aberta, onde o eleitor pode escolher o candidato mais simpático, ocasiona que este eleitor não seja fiel aos estandartes dos partidos e sim às imagens dos candidatos, individualmente. Com certeza isso custa muito dinheiro -para colocar a campanha na rota do sucesso.

Folha - O financiamento público direto dos partidos já existe no Brasil pelo menos desde 1965, com a criação do fundo partidário, e o indireto desde a criação do horário eleitoral gratuito. Qual é a novidade da proposta no Congresso?
Manfredini -
Considero-a indecente, se implantar o financiamento exclusivo, ainda que somente para o período de campanha. Por que estamos indo na contramão, quando já utilizamos o sistema misto, que prevalece em mais de cem países? Se a novidade é dar um pulo de R$ 120 milhões para cerca de R$ 800 milhões, dispenso-a de bom grado e comigo estarão, com absoluta certeza, 122 milhões de eleitores brasileiros, a maioria dos quais nem tem casa para morar, direito à escola ou ao atendimento hospitalar. Aliás, diga-se de passagem, não existe em praticamente 116 países nenhum modelo de financiamento exclusivo, seja público ou privado. Nos moldes propostos no Brasil, leva-se em conta o histórico dos partidos, distribuindo recursos segundo o sucesso eleitoral do passado. O método tende a dar vantagem àqueles que ganharam as últimas eleições e, conseqüentemente, estão no poder. A oposição, os novos competidores recebem menos recursos e assim, têm menos chances na eleição. Defende-se no mundo todo a manutenção da combinação mista, porque as duas espécies se equivalem em legitimidade e importância. Por que aqui se tende para o contrário? Quantos países agüentariam a dependência exclusiva dos recursos estatais? E quem garante que contribuições não continuarão entrando por fora?

Folha - Embora as restrições ao financiamento privado sejam muito brandas, grande parte do dinheiro destinado ao financiamento de campanhas vai para o caixa dois dos partidos. Por que as empresas preferem as doações ocultas?
Manfredini -
Não vejo o porquê das empresas fazerem doações por baixo do pano, a não ser o medo de futuras retaliações, caso seu candidato ou partido não ganhe as eleições. É importante desmistificar a idéia de que política é uma grande sujeira e que não tem utilidade. No financiamento privado, as "espertezas" ficam melhor camufladas quando não há normas sobre o quanto se gastou, como e no quê. Quando não se limita, com teto máximo, doações privadas. Quando não se limita o valor das doações anônimas, ultimamente apontadas sempre como produto de lavagem de dinheiro. As denúncias de dinheiro sujo nas campanhas e dentro dos três Poderes de uma nação não respeitam mesmo fronteiras, estão em toda parte do mundo.


Texto Anterior: Escândalo do "mensalão"/Mudança de regras: Reforma eleitoral corre contra o tempo
Próximo Texto: Desejo de todos: Alencar é sondado por cinco partidos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.