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CELSO PINTO
A heterodoxia brasileira
Em meio à confusão internacional que se seguiu à crise
russa, no segundo semestre do
ano passado, três países usaram meios heterodoxos para
tentar se livrar de ataques especulativos contra suas moedas: Brasil, Hong Kong e Malásia. Dos três, só o Brasil falhou.
Na análise feita pelo "International Capital Markets", recém-publicado pelo FMI, a heterodoxia brasileira foi entrar
no mercado internacional
comprando títulos da dívida
externa, os bradies. O governo
de Hong Kong entrou comprando US$ 15 bilhões em
ações na sua Bolsa de Valores.
A Malásia impôs controles sobre capitais externos.
Tradicionalmente, países
sob ataque especulativo se defendem vendendo dólares, ou
ativos dolarizados, e elevando
os juros. A sofisticação do mercado financeiro e a proliferação de canais, contudo, têm
feito com que, cada vez mais,
investidores apostem contra a
moeda de países comprando
diferentes ativos, em diferentes
mercados.
No caso do Brasil, uma linha
de defesa heterodoxa se fez no
mercado de bradies. O estudo
do FMI não fala em números,
mas estimativas confiáveis indicam que o governo brasileiro
comprou cerca de US$ 6 bilhões em bradies tentando evitar uma desvalorização dos
papéis e, em consequência, um
aumento dos juros e do prêmio
de risco do país. O governo
nunca comentou o assunto.
O prêmio de risco dos bradies, como nota o estudo, passou a ser visto como um bom
indicador do risco do país. São
títulos negociados no exterior
e sua variação não afeta diretamente as reservas. No entanto, quando seu preço cai muito, bancos brasileiros que tomaram empréstimos para
montar posições alavancadas
em bradies são chamados pelos credores para cobrir margens adicionais de garantia.
Acabam vendendo ativos no
Brasil para fazer caixa, comprar dólares e remetê-los. Indiretamente, a queda nos bradies provoca queda nas reservas e nos preços dos mercados
internos. Foi exatamente o
que aconteceu em 97.
Para evitar esta pressão,
"fontes de mercado identificaram significativas compras em
nome do governo em certos
momentos em 1998", afirma o
estudo. O objetivo era colocar
os especuladores contra a parede. Quem havia vendido
bradies para entrega futura,
sem ter os papéis, apostando
na queda dos preços, acabou
tendo prejuízo. Graças às compras do governo, o valor dos
bradies se sustentou durante
algum tempo, apesar da deterioração de outros mercados
brasileiros e da perda de reservas.
Foi um bom negócio? Alguns
comentários do estudo sugerem que não. Em primeiro lugar, porque os bradies acabaram despencando, mais à
frente, com perdas para o governo. Além disso, o BC gastou
reservas nesta operação que
poderiam ter ajudado a defender diretamente a moeda. No
fim, nenhuma defesa adiantou, veio a crise cambial, o
Brasil perdeu US$ 45 bilhões
de reservas em poucos meses,
além de comprometer outro
tanto investido em bradies.
Outro risco de operações deste tipo, apontado pelo estudo,
é desvirtuar o preço e a noção
de risco dos papéis. Quando o
mercado percebe que há sustentação artificial dos bradies,
por compras do governo, acaba tomando posições mais ousadas e arriscadas.
Quando, no futuro, essas expectativas de sustentação artificial de preços eventualmente
não se confirmam, "a rápida
reavaliação das características
de risco-recompensa dos instrumentos e as posições resultantes podem levar a uma correção de mercado, saídas
maiores de recursos para cobrir margens e pressões maiores sobre as autoridades que
enfrentam um ataque especulativo do que teria sido o caso".
A avaliação é muito mais
positiva no caso de Hong
Kong. Ao contrário do Brasil, o
governo agiu de forma transparente em reação ao que chamou de "jugo duplo" especulativo, contra a moeda e a Bolsa.
Era uma manobra em que especuladores, apostando na
baixa da moeda e da Bolsa, espalhavam rumores e faziam
fortes compras nos dois mercados. Sabiam que o sistema
cambial de "currency board"
(idêntico ao argentino) obrigaria o governo a subir juros
para defender a moeda e, com
isso, a Bolsa cairia, gerando
lucro nas duas pontas.
É um jogo arriscado, lembra
o estudo, já que, se outros investidores o percebessem, poderiam forçar os especuladores
na posição contrária. Só funcionaria no ambiente de pressão da época, quando os fundamentos da economia de
Hong Kong haviam se deteriorado.
Ao perceber a manobra, o
governo comprou US$ 15 bilhões na Bolsa, entre 14 e 28 de
agosto, equivalente de 20% a
35% do movimento do índice.
A Bolsa se sustentou e, de setembro de 98 a junho de 99, o
índice subiu 85%, gerando um
bom lucro para o governo. A
transparência ajudou a minimizar os impactos negativos
sobre a percepção de risco. O
governo planeja vender dois
terços das ações que comprou
na forma de um fundo que seguirá o índice da Bolsa. Até lá,
a administração das ações segue regras estritas e públicas.
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