São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

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JANIO DE FREITAS

A derrota silenciada

Sem sutileza a política não é política. A visão no atacado, que concluiu com ligeireza, entre outras conclusões não menos velozes e leves, por uma grande vitória do PT, é questionável sob variados ângulos de apreciação do resultado e da geografia eleitoral.
Para começar, a referência muito ampla embaralha partido e governo. Faça-o intencionalmente, como parece, ou não, a indistinção é absurda e imperdoável no exercício de análises. O interesse eleitoral do governo petista não esteve só em candidatos do PT e, como no caso mais notório de Fortaleza, até esteve contra a candidatura oficial do PT.
Mais importante ainda, se é possível admitir que o PT, como instituição partidária, sob certos aspectos esteja vitorioso, para o PT/governo as coisas saíram de outro modo.
A vitória de José Serra, por exemplo, foi muito expressiva, já na diferença em torno de 20%, e sobretudo por certas circunstâncias próprias da eleição em São Paulo, capital e Estado. São Paulo é a casa do PT. Pelo menos dez dos integrantes do primeiro nível de governo votam em São Paulo e quase todos aí fazem sua vida política. Vários deles tiveram participação direta na campanha de Marta, o próprio Lula cometeu esse despropósito nada venial, e muitos deles fizeram campanha por candidatos petistas pelo Estado afora.
E daí? Daí saíram derrotas a granel, para todos os gostos e, mais ainda, desgostos. Inclusive em territórios de histórico domínio petista. Onde, portanto, o PT/ governo mais tem presença tradicional e mais se empenhou, dispensando-se até de escrúpulos legais, a apreciação dos resultados só permite uma conclusão, de clareza espantosa: o eleitorado impôs ao governo Lula uma derrota no primeiro turno. Que o diga Antonio Palocci, ex-prefeito de Ribeirão Preto, que nela foi fazer campanha com o peso de ministro e colheu, com o seu candidato, uma rejeição humilhante.
Sob o ângulo oposto, o da recusa de colaboração ao candidato, o governo reforçou seu mau resultado particular, não confundível com o do seu partido como instituição. Dois casos ilustrativos são Fortaleza e Salvador.
No jantar de Lula com o senador Antonio Carlos Magalhães, e uns outros pefelistas que apenas faziam o cenário tapeador, foi servida e devorada a cabeça do candidato petista à prefeitura de Salvador. Nelson Pellegrino, que deixara a liderança do PT na Câmara para candidatar-se, nem mereceu uma resposta de Lula quando, em conversa pessoal com testemunhas, pediu-lhe um apoio explícito, mesmo que não fosse igual ao dado pouco antes a Marta. Orientada pela Presidência, a cúpula petista manteve Pellegrino ao relento. Pois bem, os petistas de Salvador reagiram à união Lula-ACM e só por centímetros Nelson Pellegrino não entrou no segundo turno, em que estará o candidato carlista com a ajuda de Lula.
José Dirceu e outras eminências do governo foram a Fortaleza fazer campanha contra a candidata do PT, Luizianne Lins, que é crítica da política econômica. José Genoino chegou a lançar suspeitas perversas sobre a candidata do seu partido. O apoio do governo Lula (e do próprio, inclusive com vídeos que o TRE até proibiu) a Inácio Arruda, do PC do B, nem o segundo turno lhe obteve e, pode-se admitir, tirou-o. Luizianne Lins lá está.
Considerados os resultados de trás para a frente, o PMDB está visto como grande derrotado. Pode ser mesmo, mas depende dos critérios usados. O PMDB conquistou, em números redondos, cadeiras de vereador em total mais de duas vezes maior que o do PT. Quantidade de vereadores eleitos não é critério para aferição de desempenho, derrotas e vitórias? Afinal, é consenso que a presença municipal influi nas demais eleições.
Para finalizar, que é tempo: vencedores e vencidos só estarão conhecidos, em termos definitivos, depois de apurado o segundo turno e feitas análises menos ligeirinhas e, como se deu muito até agora, menos intoxicadas de governismo.


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