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Lula se beneficia na situação de vítima, diz marqueteiro
Para João Santana, população pobre se solidariza com presidente quando ele é atacado
Ausência do petista em debate na TV Globo foi decisiva para a realização
do segundo turno, avalia sucessor de Duda Mendonça
FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve sua reeleição ao
fato de ter virado, no imaginário do eleitorado mais pobre,
uma figura dupla: um "fortão"
igualmente humilde que virou
poderoso e ao mesmo tempo
uma vítima, um "fraquinho"
sob ataque das elites.
Essa é uma das explicações
usadas pelo publicitário João
Cerqueira de Santana Filho para o sucesso da empreitada que
acompanhou de perto nos últimos meses. O marqueteiro de
Lula desenvolveu uma análise
própria sobre o caso de amor do
eleitorado com o presidente: a
teoria do "fortão" e do "fraquinho" -ele usa termos mais eloqüentes, mas criou esses enquanto falava à Folha "para ficar mais publicável".
Lula alternaria esses dois papéis no imaginário do brasileiro das classes mais pobres. Depois que se elegeu presidente
em 2002, o petista passou a ser
uma projeção de sucesso para
as camadas C e D da população.
"É um deles. Chegou lá", diz
Santana. Nesse momento, a
personagem é o "fortão", que
"rompeu todas as barreiras sociais e conseguiu o impossível,
tornando-se um poderoso". Já
quando Lula é atacado, "o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo que está lá".
Santana não criou essa teoria
do nada. Durante 77 dias, foi
alimentado por pesquisas. A
cada 24 horas, o instituto Vox
Populi entrevistava 700 eleitores em todo o país. Também
diariamente, oito grupos de 12
pessoas eram entrevistados
por cerca de uma hora e meia
por especialistas -as chamadas pesquisas qualitativas.
Baiano de 53 anos, Santana
assessora Lula desde 24 de
agosto de 2005. Sua tarefa foi
substituir outro marqueteiro
da Bahia, Duda Mendonça,
afastado depois de revelar ter
recebido cerca de R$ 10 milhões do "valerioduto".
Santana, que considerou o
maior erro da campanha a fuga
de Lula do debate no primeiro
turno, diz ter cobrado R$
13,750 milhões do PT pelo trabalho publicitário, nos dois
turnos. No meio da semana
passada, deu sua primeira entrevista desde o início da campanha eleitoral. Falou à Folha em duas sessões, em um total
de seis horas de conversa.
FOLHA - Qual foi o momento mais
tenso da campanha?
JOÃO SANTANA - O da eclosão do
dossiê. Era uma sexta-feira, 15
de setembro. Presenciei a hora
em que Gilberto Carvalho, de
manhã, recebeu um telefonema. Ele ficou lívido. Posso assegurar a você que foi algo que pegou a todos de surpresa.
FOLHA - Como Lula reagiu?
SANTANA - Ele só soube na parte da tarde. Eu não vi. No dia seguinte, ele me ligou logo cedo e
disse: "João, estão falando de
uma maluquice de um dossiê
contra o Serra. Queria recomendar fortemente que não
use de maneira nenhuma nada
contra ele no programa".
FOLHA - E o que aconteceu depois?
SANTANA - Na segunda-feira, o
presidente precisava ir para a
ONU, em Nova York. Não tínhamos como colocar o presidente no programa. A saída foi
ler uma mensagem dele, condenando o ocorrido. Foi o que fizemos e deu resultado.
FOLHA - Nesse período houve a
propaganda com cenas de aplausos
inseridas para dar a impressão que
eram para Lula na ONU.
SANTANA - Uma editora fez a
inserção dos aplausos de maneira errada. Podem achar que
estou mentindo, mas foi o que
aconteceu. Um erro. Aliás, o
único.
FOLHA - Quando ficou claro que
haveria segundo turno?
SANTANA - Só na antevéspera,
na sexta-feira, com o resultado
das pesquisas, depois que ele
não foi ao debate da TV Globo.
Foi uma perda de seis a sete
pontos. O fato é que foi só pós-debate. Quando surgiu o dossiê,
o efeito nos primeiros dias foi
mínimo.
FOLHA - Por que aconteceu a queda pós-debate?
SANTANA - Uma parcela do nosso eleitorado ficava esperando
uma explicação mais detalhada, vinda diretamente do presidente. Eram pessoas predispostas a compreender, mas
queriam ouvir alguma coisa da
boca dele. Quando o presidente
não foi, veio o que chamamos
do "voto bronca" nas classes C e
D. E também teve um segmento da classe média baixa que viu
um componente de soberba na
ausência do presidente no debate. Essa percepção acabou
aguçada. Foi o "voto-castigo".
FOLHA - Mas questão ética era
sempre o pano de fundo?
SANTANA - Até criei uma teoria
sobre o problema da questão
ética. Chamei de "teoria do tumor no cérebro". Muitas vezes,
quando se detecta um tumor
cerebral, a medicina ainda não
tem como fazer uma intervenção cirúrgica direta. O risco não
compensa. É o caso da questão
ética na campanha. Vale ou não
vale a pena tratar o assunto diretamente, nos perguntávamos. O grande escândalo era de agosto de 2005, com os vários
depoimentos na CPI dos Correios. O presidente se manifestou na época. Ficou claro, para
a maioria da população, que o
presidente não teve nenhuma
participação direta. Quando
começou a campanha, houve
uma dúvida sobre se deveríamos estourar ou não o tumor,
no sentido de tratar extensivamente do assunto. Decidi tratar
o problema de forma homeopática. O presidente falou dele logo no primeiro programa e fez
abordagens esporádicas durante a campanha. Tudo se acomodou. Mas o episódio do dossiê
reviveu uma situação de inquietude do eleitor de Lula.
FOLHA - O presidente errou ao não
ir ao debate?
SANTANA - Errou. Eu disse isso
a ele antes. Depois, ele até reconheceu. Num debate, estando
presente, raramente você perde. Estando ausente, é sempre
maior o risco de ser derrotado.
FOLHA - E se ele tivesse ido, e a candidata Heloísa Helena se colocasse
numa condição de vítima e desafiasse o presidente, deixando-o encurralado?
SANTANA - Sempre havia esse
risco. Mas Lula, depois de se
tornar presidente, sempre que
esteve em situação de vítima
saiu lucrando. É outra teoria
minha, a do "fortão" e a do "fraquinho". Duas características
que convivem, paradoxalmente, no mesmo personagem.
FOLHA - Como isso ocorre?
SANTANA - Passou a existir uma
projeção das camadas C e D da
população. Lula é um deles.
Chegou lá. Os 60% da população que se identificam com Lula enxergam o presidente como o fortão, o igual que rompeu todas as barreiras sociais e tornou-se um poderoso. É algo
que mexe profundamente com
a auto-estima das pessoas. Lula, nesse caso, é o "fortão", o "libertador" da minha teoria.
Por outro lado, quando Lula é
atacado, o povão pensa que é
um ato das elites para derrubar
o homem do povo. "Só porque
ele é pobre", pensam. Nesse caso, vira o bom e frágil "fraquinho" que precisa ser amparado
e protegido. Jamais houve, no
Brasil, tamanha identificação
entre um presidente e os setores majoritários da população.
FOLHA - A população é indulgente
com o presidente porque se identifica com ele?
SANTANA - Não. O fato é que as
pessoas não enxergaram culpa
direta, e não há nenhuma prova
contra o presidente. O grande
absurdo de leitura nesse processo é dizer que o brasileiro
tem um padrão ético baixo ou
que esqueceu a ética na hora de
votar. O eleitor brasileiro só votou no Lula porque tinha certeza de que ele era inocente.
NA INTERNET - Leia versão ampliada
www.folha.com.br/063081
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