São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lula se beneficia na situação de vítima, diz marqueteiro

Para João Santana, população pobre se solidariza com presidente quando ele é atacado

Ausência do petista em debate na TV Globo foi decisiva para a realização do segundo turno, avalia sucessor de Duda Mendonça

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve sua reeleição ao fato de ter virado, no imaginário do eleitorado mais pobre, uma figura dupla: um "fortão" igualmente humilde que virou poderoso e ao mesmo tempo uma vítima, um "fraquinho" sob ataque das elites.
Essa é uma das explicações usadas pelo publicitário João Cerqueira de Santana Filho para o sucesso da empreitada que acompanhou de perto nos últimos meses. O marqueteiro de Lula desenvolveu uma análise própria sobre o caso de amor do eleitorado com o presidente: a teoria do "fortão" e do "fraquinho" -ele usa termos mais eloqüentes, mas criou esses enquanto falava à Folha "para ficar mais publicável".
Lula alternaria esses dois papéis no imaginário do brasileiro das classes mais pobres. Depois que se elegeu presidente em 2002, o petista passou a ser uma projeção de sucesso para as camadas C e D da população.
"É um deles. Chegou lá", diz Santana. Nesse momento, a personagem é o "fortão", que "rompeu todas as barreiras sociais e conseguiu o impossível, tornando-se um poderoso". Já quando Lula é atacado, "o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo que está lá".
Santana não criou essa teoria do nada. Durante 77 dias, foi alimentado por pesquisas. A cada 24 horas, o instituto Vox Populi entrevistava 700 eleitores em todo o país. Também diariamente, oito grupos de 12 pessoas eram entrevistados por cerca de uma hora e meia por especialistas -as chamadas pesquisas qualitativas.
Baiano de 53 anos, Santana assessora Lula desde 24 de agosto de 2005. Sua tarefa foi substituir outro marqueteiro da Bahia, Duda Mendonça, afastado depois de revelar ter recebido cerca de R$ 10 milhões do "valerioduto".
Santana, que considerou o maior erro da campanha a fuga de Lula do debate no primeiro turno, diz ter cobrado R$ 13,750 milhões do PT pelo trabalho publicitário, nos dois turnos. No meio da semana passada, deu sua primeira entrevista desde o início da campanha eleitoral. Falou à Folha em duas sessões, em um total de seis horas de conversa.  

FOLHA - Qual foi o momento mais tenso da campanha?
JOÃO SANTANA
- O da eclosão do dossiê. Era uma sexta-feira, 15 de setembro. Presenciei a hora em que Gilberto Carvalho, de manhã, recebeu um telefonema. Ele ficou lívido. Posso assegurar a você que foi algo que pegou a todos de surpresa.

FOLHA - Como Lula reagiu?
SANTANA
- Ele só soube na parte da tarde. Eu não vi. No dia seguinte, ele me ligou logo cedo e disse: "João, estão falando de uma maluquice de um dossiê contra o Serra. Queria recomendar fortemente que não use de maneira nenhuma nada contra ele no programa".

FOLHA - E o que aconteceu depois?
SANTANA
- Na segunda-feira, o presidente precisava ir para a ONU, em Nova York. Não tínhamos como colocar o presidente no programa. A saída foi ler uma mensagem dele, condenando o ocorrido. Foi o que fizemos e deu resultado.

FOLHA - Nesse período houve a propaganda com cenas de aplausos inseridas para dar a impressão que eram para Lula na ONU.
SANTANA
- Uma editora fez a inserção dos aplausos de maneira errada. Podem achar que estou mentindo, mas foi o que aconteceu. Um erro. Aliás, o único.

FOLHA - Quando ficou claro que haveria segundo turno?
SANTANA
- Só na antevéspera, na sexta-feira, com o resultado das pesquisas, depois que ele não foi ao debate da TV Globo. Foi uma perda de seis a sete pontos. O fato é que foi só pós-debate. Quando surgiu o dossiê, o efeito nos primeiros dias foi mínimo.

FOLHA - Por que aconteceu a queda pós-debate?
SANTANA
- Uma parcela do nosso eleitorado ficava esperando uma explicação mais detalhada, vinda diretamente do presidente. Eram pessoas predispostas a compreender, mas queriam ouvir alguma coisa da boca dele. Quando o presidente não foi, veio o que chamamos do "voto bronca" nas classes C e D. E também teve um segmento da classe média baixa que viu um componente de soberba na ausência do presidente no debate. Essa percepção acabou aguçada. Foi o "voto-castigo".

FOLHA - Mas questão ética era sempre o pano de fundo?
SANTANA
- Até criei uma teoria sobre o problema da questão ética. Chamei de "teoria do tumor no cérebro". Muitas vezes, quando se detecta um tumor cerebral, a medicina ainda não tem como fazer uma intervenção cirúrgica direta. O risco não compensa. É o caso da questão ética na campanha. Vale ou não vale a pena tratar o assunto diretamente, nos perguntávamos. O grande escândalo era de agosto de 2005, com os vários depoimentos na CPI dos Correios. O presidente se manifestou na época. Ficou claro, para a maioria da população, que o presidente não teve nenhuma participação direta. Quando começou a campanha, houve uma dúvida sobre se deveríamos estourar ou não o tumor, no sentido de tratar extensivamente do assunto. Decidi tratar o problema de forma homeopática. O presidente falou dele logo no primeiro programa e fez abordagens esporádicas durante a campanha. Tudo se acomodou. Mas o episódio do dossiê reviveu uma situação de inquietude do eleitor de Lula.

FOLHA - O presidente errou ao não ir ao debate?
SANTANA
- Errou. Eu disse isso a ele antes. Depois, ele até reconheceu. Num debate, estando presente, raramente você perde. Estando ausente, é sempre maior o risco de ser derrotado.

FOLHA - E se ele tivesse ido, e a candidata Heloísa Helena se colocasse numa condição de vítima e desafiasse o presidente, deixando-o encurralado?
SANTANA
- Sempre havia esse risco. Mas Lula, depois de se tornar presidente, sempre que esteve em situação de vítima saiu lucrando. É outra teoria minha, a do "fortão" e a do "fraquinho". Duas características que convivem, paradoxalmente, no mesmo personagem.

FOLHA - Como isso ocorre?
SANTANA
- Passou a existir uma projeção das camadas C e D da população. Lula é um deles. Chegou lá. Os 60% da população que se identificam com Lula enxergam o presidente como o fortão, o igual que rompeu todas as barreiras sociais e tornou-se um poderoso. É algo que mexe profundamente com a auto-estima das pessoas. Lula, nesse caso, é o "fortão", o "libertador" da minha teoria. Por outro lado, quando Lula é atacado, o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo. "Só porque ele é pobre", pensam. Nesse caso, vira o bom e frágil "fraquinho" que precisa ser amparado e protegido. Jamais houve, no Brasil, tamanha identificação entre um presidente e os setores majoritários da população.

FOLHA - A população é indulgente com o presidente porque se identifica com ele?
SANTANA
- Não. O fato é que as pessoas não enxergaram culpa direta, e não há nenhuma prova contra o presidente. O grande absurdo de leitura nesse processo é dizer que o brasileiro tem um padrão ético baixo ou que esqueceu a ética na hora de votar. O eleitor brasileiro só votou no Lula porque tinha certeza de que ele era inocente.

NA INTERNET - Leia versão ampliada www.folha.com.br/063081

Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.