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PRIVATIZAÇÃO
Empréstimos e vantagens a novos donos somam US$ 45 bi; valor é maior que o do patrimônio vendido
Benefício a comprador de estatal
supera ganho obtido pelo governo
ROBERTO COSSO
da Reportagem Local
Os benefícios concedidos pelo
governo federal às empresas compradoras de estatais privatizadas
somam US$ 45 bilhões. O valor é
maior do que o patrimônio vendido e mais que o dobro do ganho
obtido com as desestatizações.
As privatizações realizadas nesta década renderam aos governos
US$ 56,2 bilhões, com a venda de
um patrimônio público avaliado
em US$ 38,3 bilhões. O ganho
com a desestatização foi, então, de
US$ 17,9 bilhões -menos da metade do valor dos benefícios dados aos compradores.
O levantamento da Folha leva
em conta o dinheiro que saiu das
empresas que compraram as ex-estatais em direção ao governo e o
dinheiro que saiu do governo em
direção aos vencedores dos leilões
de privatização (ou que deixará
de entrar nos cofres públicos).
Portanto, não se refere necessariamente a lucro para as empresas
ou prejuízos para o governo.
A reportagem considera benefícios o pagamento do preço das estatais com "moedas podres", a
concessão de financiamento subsidiado (que um dia voltará ao
caixa do governo) durante e depois das privatizações e o abatimento de impostos por conta do
pagamento de ágio ou de dívidas
acumuladas pelas empresas (veja
quadro ao lado).
Os US$ 20,3 bilhões emprestados aos compradores de estatais
voltam aos cofres do BNDES em
até dez anos, com taxas de juros
de cerca de 15% ao ano. Não existe nos bancos privados financiamentos a prazos tão longos, e a taxa de juros supera 35% ao ano.
Os outros benefícios (""moedas
podres" e isenções) representam
renúncia de US$ 24,7 bilhões. As
isenções tributárias dependem da
lucratividade das ex-estatais para
serem aproveitadas e são benefícios futuros.
As contas feitas pela Folha referem-se às privatizações do PND
(Programa Nacional de Desestatização), do sistema Telebrás e às
realizadas pelos Estados. Não
considera as concessões.
Leia, a seguir, o que representou
cada um dos benefícios no processo de privatização e as justificativas governamentais para eles.
Financiamentos na venda
O BNDES utilizou US$ 4,5 bilhões no financiamento da venda
das ações de dez estatais pelos Estados e de parte do pagamento
das teles.
Há nove casos de privatizações
e um -da Cemig- de venda de
participação minoritária. O banco financiou 50% da entrada do
pagamento das teles compradas
por grupos nacionais.
Os empréstimos têm prazo médio de cinco anos e taxas de juros
a partir de 15% ao ano .
A justificativa do banco para a
concessão dos empréstimos é
provocar o aumento da competição pelas estatais e, assim, elevar o
valor do ágio pago por elas.
No caso das teles, o governo
parcelou os pagamentos. Na prática, isso significa um financiamento do Tesouro.
Os compradores das teles pagaram 40% à vista -com metade
do valor financiado para os grupos nacionais- e deveriam pagar
o restante em duas parcelas de
30% após um e dois anos. O financiamento do Tesouro foi, então, de US$ 11,3 bilhões.
Ocorre porém que quatro empresas -entre elas as compradoras da Telesp e da Telesp Celular- anteciparam os pagamentos e quitaram os débitos em janeiro de 99, quando o dólar teve
cotação recorde.
Esse procedimento representou
um desconto de até 40% no valor
em dólar das companhias.
Empréstimos pós-venda
Um dos principais argumentos
apresentados pelo governo para
privatizar as estatais é a maior capacidade de investimento da iniciativa privada.
Realizadas as privatizações, porém, o BNDES passou a financiar
os investimentos das empresas
privatizadas -o banco não financia estatais. O banco público
empregou pelo menos US$ 4,3 bilhões nesses empréstimos.
O BNDES argumenta que não
há nada de especial nos financiamentos a estatais privatizadas e
afirma que trata essas empresas
como quaisquer outras.
"Moedas podres"
O governo federal aceitou títulos públicos como forma de pagamento da grande maioria das estatais privatizadas. Esses títulos
são negociados no mercado com
deságios que chegam a 50% e, por
isso, receberam a alcunha de
"moedas podres".
O governo aceitou US$ 9 bilhões em ""moedas podres", de
um total de US$ 16,5 bilhões obtidos com as privatizações realizadas no PND (Programa Nacional
de Desestatização) -sem considerar as concessões.
De acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), o
BNDES financiou a compra de
parte dos títulos públicos que podiam ser utilizados como pagamento das estatais privatizadas.
O banco justifica o recebimento
de "moedas podres" como forma
de reduzir a dívida federal, que seria o objetivo principal do programa de privatizações.
Benefícios fiscais
Os compradores das estatais
privatizadas podem fazer uso de
dois benefícios da legislação tributária brasileira para recuperar
no pagamento de impostos parte
do que pagaram pelas estatais.
O governo não criou nenhuma
lei especial para beneficiar essas
empresas. Elas só estão usando a
legislação vigente que, aplicada às
privatizações, gera distorções.
É comum na negociação de empresas que o valor pago seja maior
que o valor patrimonial da empresa vendida. Essa diferença
chama-se ágio e normalmente é
paga em virtude da expectativa de
lucros futuros do comprador.
Quando a negociação envolve
empresas privadas, o ágio recebido pelo vendedor é tributado pelo
Fisco. Assim, quando o comprador obtém aquele lucro esperado,
pelo qual pagou o ágio, ele não
paga impostos. Ou seja, ocorre o
abatimento do ágio pago na apuração dos tributos sobre os lucros,
para que o lucro não seja tributado duas vezes.
A mesma lei aplica-se às estatais: o valor do ágio pago ao governo pela compra de estatais vira
compensação fiscal. Assim, as
empresas recuperam entre 34% e
37% -segundo a alíquota aplicável- do que pagaram de ágio.
A diferença é que, no caso das
estatais, não ocorre a tributação
do ágio em relação ao vendedor
porque quem vende é o governo.
Para a Receita Federal, o governo não perde se for considerado
que ele pagaria imposto sobre o
ágio recebido.
Outra forma de obter benefícios
fiscais é comprar uma empresa
que tenha prejuízos acumulados
-fato comum entre as estatais.
A legislação tributária considera os lucros obtidos após períodos
de prejuízos como recuperação
desses prejuízos. Assim, esses lucros não sofrem tributação.
Ocorre, porém, que os prejuízos
obtidos pelas estatais foram suportados pelo governo, mas
quem vai se beneficiar do abatimento do Imposto de Renda e da
CSLL (Contribuição Social sobre
o Lucro Líquido) em virtude da
compensação desses prejuízos
são os compradores das estatais.
A Receita Federal argumenta
que o governo não perde com essa sistemática porque o fato de as
estatais passarem a ser lucrativas
aumenta o recolhimento de impostos indiretos.
Além disso, depois de descontados os prejuízos, os lucros passam
a ser tributados e, se as estatais
permanecessem sob o controle do
governo, a possibilidade de elas
virem a dar lucro seria baixa.
O Fisco modificou a legislação
para estabelecer limites anuais ao
total a ser deduzido.
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