São Paulo, Domingo, 05 de Dezembro de 1999


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PRIVATIZAÇÃO

Empréstimos e vantagens a novos donos somam US$ 45 bi; valor é maior que o do patrimônio vendido

Benefício a comprador de estatal supera ganho obtido pelo governo

ROBERTO COSSO
da Reportagem Local

Os benefícios concedidos pelo governo federal às empresas compradoras de estatais privatizadas somam US$ 45 bilhões. O valor é maior do que o patrimônio vendido e mais que o dobro do ganho obtido com as desestatizações.
As privatizações realizadas nesta década renderam aos governos US$ 56,2 bilhões, com a venda de um patrimônio público avaliado em US$ 38,3 bilhões. O ganho com a desestatização foi, então, de US$ 17,9 bilhões -menos da metade do valor dos benefícios dados aos compradores.
O levantamento da Folha leva em conta o dinheiro que saiu das empresas que compraram as ex-estatais em direção ao governo e o dinheiro que saiu do governo em direção aos vencedores dos leilões de privatização (ou que deixará de entrar nos cofres públicos). Portanto, não se refere necessariamente a lucro para as empresas ou prejuízos para o governo.
A reportagem considera benefícios o pagamento do preço das estatais com "moedas podres", a concessão de financiamento subsidiado (que um dia voltará ao caixa do governo) durante e depois das privatizações e o abatimento de impostos por conta do pagamento de ágio ou de dívidas acumuladas pelas empresas (veja quadro ao lado).
Os US$ 20,3 bilhões emprestados aos compradores de estatais voltam aos cofres do BNDES em até dez anos, com taxas de juros de cerca de 15% ao ano. Não existe nos bancos privados financiamentos a prazos tão longos, e a taxa de juros supera 35% ao ano.
Os outros benefícios (""moedas podres" e isenções) representam renúncia de US$ 24,7 bilhões. As isenções tributárias dependem da lucratividade das ex-estatais para serem aproveitadas e são benefícios futuros.
As contas feitas pela Folha referem-se às privatizações do PND (Programa Nacional de Desestatização), do sistema Telebrás e às realizadas pelos Estados. Não considera as concessões.
Leia, a seguir, o que representou cada um dos benefícios no processo de privatização e as justificativas governamentais para eles.

Financiamentos na venda
O BNDES utilizou US$ 4,5 bilhões no financiamento da venda das ações de dez estatais pelos Estados e de parte do pagamento das teles.
Há nove casos de privatizações e um -da Cemig- de venda de participação minoritária. O banco financiou 50% da entrada do pagamento das teles compradas por grupos nacionais.
Os empréstimos têm prazo médio de cinco anos e taxas de juros a partir de 15% ao ano .
A justificativa do banco para a concessão dos empréstimos é provocar o aumento da competição pelas estatais e, assim, elevar o valor do ágio pago por elas.
No caso das teles, o governo parcelou os pagamentos. Na prática, isso significa um financiamento do Tesouro.
Os compradores das teles pagaram 40% à vista -com metade do valor financiado para os grupos nacionais- e deveriam pagar o restante em duas parcelas de 30% após um e dois anos. O financiamento do Tesouro foi, então, de US$ 11,3 bilhões.
Ocorre porém que quatro empresas -entre elas as compradoras da Telesp e da Telesp Celular- anteciparam os pagamentos e quitaram os débitos em janeiro de 99, quando o dólar teve cotação recorde.
Esse procedimento representou um desconto de até 40% no valor em dólar das companhias.

Empréstimos pós-venda
Um dos principais argumentos apresentados pelo governo para privatizar as estatais é a maior capacidade de investimento da iniciativa privada.
Realizadas as privatizações, porém, o BNDES passou a financiar os investimentos das empresas privatizadas -o banco não financia estatais. O banco público empregou pelo menos US$ 4,3 bilhões nesses empréstimos.
O BNDES argumenta que não há nada de especial nos financiamentos a estatais privatizadas e afirma que trata essas empresas como quaisquer outras.

"Moedas podres"
O governo federal aceitou títulos públicos como forma de pagamento da grande maioria das estatais privatizadas. Esses títulos são negociados no mercado com deságios que chegam a 50% e, por isso, receberam a alcunha de "moedas podres".
O governo aceitou US$ 9 bilhões em ""moedas podres", de um total de US$ 16,5 bilhões obtidos com as privatizações realizadas no PND (Programa Nacional de Desestatização) -sem considerar as concessões.
De acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), o BNDES financiou a compra de parte dos títulos públicos que podiam ser utilizados como pagamento das estatais privatizadas.
O banco justifica o recebimento de "moedas podres" como forma de reduzir a dívida federal, que seria o objetivo principal do programa de privatizações.

Benefícios fiscais
Os compradores das estatais privatizadas podem fazer uso de dois benefícios da legislação tributária brasileira para recuperar no pagamento de impostos parte do que pagaram pelas estatais.
O governo não criou nenhuma lei especial para beneficiar essas empresas. Elas só estão usando a legislação vigente que, aplicada às privatizações, gera distorções.
É comum na negociação de empresas que o valor pago seja maior que o valor patrimonial da empresa vendida. Essa diferença chama-se ágio e normalmente é paga em virtude da expectativa de lucros futuros do comprador.
Quando a negociação envolve empresas privadas, o ágio recebido pelo vendedor é tributado pelo Fisco. Assim, quando o comprador obtém aquele lucro esperado, pelo qual pagou o ágio, ele não paga impostos. Ou seja, ocorre o abatimento do ágio pago na apuração dos tributos sobre os lucros, para que o lucro não seja tributado duas vezes.
A mesma lei aplica-se às estatais: o valor do ágio pago ao governo pela compra de estatais vira compensação fiscal. Assim, as empresas recuperam entre 34% e 37% -segundo a alíquota aplicável- do que pagaram de ágio.
A diferença é que, no caso das estatais, não ocorre a tributação do ágio em relação ao vendedor porque quem vende é o governo.
Para a Receita Federal, o governo não perde se for considerado que ele pagaria imposto sobre o ágio recebido.
Outra forma de obter benefícios fiscais é comprar uma empresa que tenha prejuízos acumulados -fato comum entre as estatais.
A legislação tributária considera os lucros obtidos após períodos de prejuízos como recuperação desses prejuízos. Assim, esses lucros não sofrem tributação.
Ocorre, porém, que os prejuízos obtidos pelas estatais foram suportados pelo governo, mas quem vai se beneficiar do abatimento do Imposto de Renda e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) em virtude da compensação desses prejuízos são os compradores das estatais.
A Receita Federal argumenta que o governo não perde com essa sistemática porque o fato de as estatais passarem a ser lucrativas aumenta o recolhimento de impostos indiretos.
Além disso, depois de descontados os prejuízos, os lucros passam a ser tributados e, se as estatais permanecessem sob o controle do governo, a possibilidade de elas virem a dar lucro seria baixa.
O Fisco modificou a legislação para estabelecer limites anuais ao total a ser deduzido.


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