São Paulo, Domingo, 05 de Dezembro de 1999


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CELSO PINTO

A nuvem escura dos juros


A semana fechou com o câmbio despencando, os juros em baixa, a Bolsa em alta e otimismo geral. Sobrou, contudo, uma nuvem escura no ar: será que a inflação obrigará o Banco Central a elevar os juros, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), dia 15?
Existe, ainda, uma segunda dúvida. Até que ponto a queda do câmbio reflete uma melhora real, ou apenas a ação do BC?
A questão dos juros é, de longe, a mais complicada. Alguns economistas de peso acham que o BC não pode hesitar em subir os juros, se os índices de inflação que serão divulgados nesta semana continuarem preocupantes. Se o mercado achar que o BC está sendo leniente, por razões políticas ou não, ele perderá a credibilidade indispensável no sistema de metas inflacionárias.
Optar por uma alta dos juros, contudo, também implica em riscos. Se o aumento for forte, o BC criará dúvidas sobre o crescimento de 4% no próximo ano, vital para viabilizar as metas fiscais. Não há espaço para pacotes fiscais compensatórios. Além disso, seria politicamente desastroso.
Se o BC subir pouco os juros, como se faz nos países ricos, o mercado pode ficar cético e apostar em novas altas mais agressivas. O que pressionaria o BC para sancionar esta expectativa.
O diretor de Política Monetária do BC, Luiz Fernando Figueiredo, discorda de que haja esse dilema. Ele diz que o BC vai seguir dois princípios: "ser absolutamente ortodoxo, mas sem considerar o juro como seu único instrumento". O importante "é ter um diagnóstico muito firme em cada situação e usar o instrumento adequado".
Se há um problema sazonal e não estrutural no balanço de pagamentos, faz sentido o BC oferecer dólares. Havendo excesso de demanda, o BC poderia usar um compulsório não remunerado sobre os depósitos a prazo, elevando o custo dos empréstimos sem afetar os juros básicos. Ou apertar a política fiscal.
Os enormes saltos nos juros no regime de câmbio controlado, lembra, eram feitos para defender o câmbio, não para combater a inflação. Agora, saltos muito menores poderiam levar a resultados muito melhores. "Não faz sentido usar bala de canhão para matar formiga", compara.
De outro lado, ele diz que a inflação preocupa, "mas hoje a incerteza é muito menor, inclusive em relação à pressão das tarifas". Alguns preços que subiram muito (automóveis, carnes e álcool) podem até recuar um pouco. "A inflação não parece ser um processo generalizado", diz.
Quanto ao recuo do câmbio, existem algumas indicações positivas por trás. O fluxo de dezembro é pesado (US$ 1,4 bilhão em bônus vencendo), mas a percepção do mercado, confirmada por Figueiredo, é que houve muita antecipação. Quer dizer, muita gente já pagou em novembro, com medo de uma pressão continuada no câmbio, o que aliviará um pouco em dezembro.
Além disso, num momento em que se previa um mercado externo fechado, com medo do "bug do milênio", um grande banco prepara uma emissão de US$ 200 milhões para os próximos dias e outros bancos também estudam colocações. Alguns bancos já calculam o fluxo líquido de dezembro como equilibrado, ou apenas ligeiramente negativo (com a diferença sendo coberta pelas intervenções do BC).
Esperava-se um dezembro apertado e um janeiro tranquilo. Na medida em que dezembro continue a ser tranquilo, é possível que o mercado antecipe janeiro e alivie ainda mais o câmbio. É cedo, contudo, para comemorar. Figueiredo diz que "o BC não vai brincar: vamos agir de forma preventiva, supondo alguma turbulência no fim do ano".
Mesmo que o otimismo continue, a decisão do Copom não será simples.

Xerife atrasado
O xerife finalmente proibiu o uso de armas, mas só depois do tiroteio ter feito várias vítimas. Sexta-feira, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou uma instrução regulando como se apropriar do benefício fiscal do ágio da privatização (diferença entre o valor pago e o valor patrimonial da empresa).
Os controladores da CPFL, da Electro e da Telesp, entre outros, forçaram as empresas compradas a dar ações a eles, dando em troca o benefício fiscal, a um valor calculado por eles. Quer dizer, o controlador embolsa as ações, dilui os minoritários e há o risco de o benefício não ser integralmente usado, se, por exemplo, não houver lucro.
A Telesp prometeu ressarcir os minoritários, se isso acontecer, mas só ao fim de cinco anos. A instrução da CVM manda o controlador só trocar benefício por ações a cada ano, na medida em que ele, de fato, acontecer.
Não é preciso ser adivinho para prever uma confusão jurídica. A Telemar, Telesp Celular e Tele Centro Oeste já haviam anunciado incorporação do ágio nos moldes da Telesp. Vão aceitar as regras da CVM ou brigar na Justiça, alegando que a Lei das S.A. permite a outra fórmula? Os minoritários das empresas que já usaram a outra fórmula, por sua vez, se puderem vão reabrir a questão.
Tudo isso teria sido evitado se o xerife, que já sabia do tiroteio, tivesse chegado na hora certa.


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