São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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CELSO PINTO
A ajuda espúria da inflação

A afirmação soa cínica, mas é realista: a inflação foi uma grande aliada do governo no ajuste da economia no ano passado. Bem entendido, ela ajudou porque foi alta, mas não explosiva, e não gerou uma reindexação.
A ironia é que os adversários de qualquer mudança no câmbio, entre eles o ministro da Fazenda, Pedro Malan, argumentavam que qualquer desvalorização levaria a uma explosão de preços seguida pela reindexação. Para sorte de Malan, sua profecia estava equivocada.
A inflação mais alta fez dois trabalhos sujos para o governo. Corroeu as despesas, a começar pelos salários pagos ao funcionalismo público, ao mesmo tempo em que elevava a arrecadação. E corroeu o poder aquisitivo da população.
Os rendimentos reais caíram 5% no ano passado. Como o desemprego médio em 99 não foi maior do que em 98, o que achatou, de fato, os rendimentos foi a inflação, não plenamente compensada pelos aumentos salariais.
A corrosão das despesas ajudou muito o resultado fiscal. A estimativa é que o setor público tenha fechado 99 com um superávit primário (receitas menos despesas, exceto juros) equivalente a 3,2% do PIB (a meta era 3,1%).
O estoque da dívida pública, que o próprio Banco Central imaginava que ficaria em 52% do PIB, pode ter fechado em algo entre 46% e 47% do PIB, muito próximo da meta fixada apenas para 2001.
É verdade que, nesses dois casos, é preciso uma nota de cautela. A estimativa para o PIB de 99 usa um índice de inflação, o IGP, como algo aproximado ao deflator implícito do PIB. Isso funcionou bem, no passado, mas em 99 o IGP disparou para 20%, pressionado pela desvalorização.
Fábio Giambiagi, do BNDES, calcula que, enquanto o IGP médio ficou em 11% em 99, o deflator deve ter ficado em torno de 8%. O deflator só será calculado em outubro, quando estarão disponíveis os resultados detalhados do PIB.
Se Giambiagi estiver correto, o PIB nominal será menor do que o estimado. Vai melhorar o resultado primário para 3,3% do PIB ou um pouco mais. Quer dizer, o Brasil terá feito um esforço fiscal ainda maior do que o exigido pelo FMI (graças aos impostos extras, mas, também, à inflação maior).
Em compensação, a relação entre a dívida líquida e o PIB ficará pior. Em vez de ficar entre 46% e 47% do PIB, pode ficar entre 47,5% e 49% do PIB. Nenhuma tragédia, mas menos confortável.
A inflação mais alta em 99 tende a ajudar, também, as contas deste ano. Desde que o Congresso aprove a proposta orçamentária do governo.
A inflação fez com que a arrecadação de 99 ficasse acima do previsto, elevando o ponto de partida para este ano. Giambiagi estima que possa haver um ganho de até 1% do PIB, se algumas despesas cruciais, como as com a Previdência, não subirem além do previsto no Orçamento.
Parte desse ganho potencial, a rigor, serviria para cobrir frustrações certas. A maior é a conta-petróleo, que deveria arrecadar R$ 3,5 bilhões este ano, mas que talvez não chegue a um terço disso.
Outra pressão vem dos gastos de custeio e de investimento que fecharam 99 acima do previsto. Se eles se mantiverem no mesmo nível em relação ao PIB de 99, o banco CSFB-Garantia calcula que eles ficarão R$ 4 bilhões acima do previsto no Orçamento. Ainda assim, o Orçamento ficaria de pé.
A outra forma de ajuda da inflação mais alta em 99 foi corroer os rendimentos. Além de ajudar a reduzir os custos dos bens exportáveis, manteve o crescimento da demanda sob controle, aliviando a pressão por reajustes de salários e preços.
Antes que algum adversário da desvalorização diga que isso prova que tudo o que ela fez foi achatar o poder aquisitivo e gerar ajuste fiscal espúrio, é bom lembrar a alternativa. O colapso externo tornava o ajuste indispensável. Sem a desvalorização e a inflação, um ajuste equivalente exigiria uma recessão cavalar e um desemprego explosivo.
No final das contas, 99 pode ter fechado com um crescimento de 0,8% do PIB, na estimativa do Ipea, e um desemprego médio igual ao de 98. E sem que as expectativas inflacionárias tenham disparado: o consenso de mercado é que o IPCA feche em 7% este ano, abaixo dos 8,9% de 99.




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