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CELSO PINTO
A ajuda espúria da inflação
A afirmação soa cínica, mas é
realista: a inflação foi uma grande aliada do governo no ajuste da
economia no ano passado. Bem
entendido, ela ajudou porque foi
alta, mas não explosiva, e não gerou uma reindexação.
A ironia é que os adversários de
qualquer mudança no câmbio,
entre eles o ministro da Fazenda,
Pedro Malan, argumentavam
que qualquer desvalorização levaria a uma explosão de preços
seguida pela reindexação. Para
sorte de Malan, sua profecia estava equivocada.
A inflação mais alta fez dois
trabalhos sujos para o governo.
Corroeu as despesas, a começar
pelos salários pagos ao funcionalismo público, ao mesmo tempo
em que elevava a arrecadação. E
corroeu o poder aquisitivo da população.
Os rendimentos reais caíram
5% no ano passado. Como o desemprego médio em 99 não foi
maior do que em 98, o que achatou, de fato, os rendimentos foi a
inflação, não plenamente compensada pelos aumentos salariais.
A corrosão das despesas ajudou
muito o resultado fiscal. A estimativa é que o setor público tenha fechado 99 com um superávit
primário (receitas menos despesas, exceto juros) equivalente a
3,2% do PIB (a meta era 3,1%).
O estoque da dívida pública,
que o próprio Banco Central imaginava que ficaria em 52% do
PIB, pode ter fechado em algo entre 46% e 47% do PIB, muito próximo da meta fixada apenas para
2001.
É verdade que, nesses dois casos, é preciso uma nota de cautela. A estimativa para o PIB de 99
usa um índice de inflação, o IGP,
como algo aproximado ao deflator implícito do PIB. Isso funcionou bem, no passado, mas em 99
o IGP disparou para 20%, pressionado pela desvalorização.
Fábio Giambiagi, do BNDES,
calcula que, enquanto o IGP médio ficou em 11% em 99, o deflator
deve ter ficado em torno de 8%. O
deflator só será calculado em outubro, quando estarão disponíveis os resultados detalhados do
PIB.
Se Giambiagi estiver correto, o
PIB nominal será menor do que o
estimado. Vai melhorar o resultado primário para 3,3% do PIB ou
um pouco mais. Quer dizer, o
Brasil terá feito um esforço fiscal
ainda maior do que o exigido pelo FMI (graças aos impostos extras, mas, também, à inflação
maior).
Em compensação, a relação entre a dívida líquida e o PIB ficará
pior. Em vez de ficar entre 46% e
47% do PIB, pode ficar entre
47,5% e 49% do PIB. Nenhuma
tragédia, mas menos confortável.
A inflação mais alta em 99 tende a ajudar, também, as contas
deste ano. Desde que o Congresso
aprove a proposta orçamentária
do governo.
A inflação fez com que a arrecadação de 99 ficasse acima do previsto, elevando o ponto de partida
para este ano. Giambiagi estima
que possa haver um ganho de até
1% do PIB, se algumas despesas
cruciais, como as com a Previdência, não subirem além do previsto
no Orçamento.
Parte desse ganho potencial, a
rigor, serviria para cobrir frustrações certas. A maior é a conta-petróleo, que deveria arrecadar R$
3,5 bilhões este ano, mas que talvez não chegue a um terço disso.
Outra pressão vem dos gastos de
custeio e de investimento que fecharam 99 acima do previsto. Se
eles se mantiverem no mesmo nível em relação ao PIB de 99, o
banco CSFB-Garantia calcula
que eles ficarão R$ 4 bilhões acima do previsto no Orçamento.
Ainda assim, o Orçamento ficaria
de pé.
A outra forma de ajuda da inflação mais alta em 99 foi corroer
os rendimentos. Além de ajudar a
reduzir os custos dos bens exportáveis, manteve o crescimento da
demanda sob controle, aliviando
a pressão por reajustes de salários
e preços.
Antes que algum adversário da
desvalorização diga que isso prova que tudo o que ela fez foi achatar o poder aquisitivo e gerar
ajuste fiscal espúrio, é bom lembrar a alternativa. O colapso externo tornava o ajuste indispensável. Sem a desvalorização e a
inflação, um ajuste equivalente
exigiria uma recessão cavalar e
um desemprego explosivo.
No final das contas, 99 pode ter
fechado com um crescimento de
0,8% do PIB, na estimativa do
Ipea, e um desemprego médio
igual ao de 98. E sem que as expectativas inflacionárias tenham
disparado: o consenso de mercado é que o IPCA feche em 7% este
ano, abaixo dos 8,9% de 99.
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