São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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ELIO GASPARI
John McCain, o inimigo do dinheiro nas eleições

Desde a noite de terça-feira passada, surgiu uma boa novidade política. Chama-se John McCain. Quem quiser tirar proveito da qualidade do debate da sucessão presidencial americana, pode jogar algum tempo fora, acompanhando-o. Ele é pré-candidato pelo Partido Republicano e surrou o favorito, George W. Bush, na eleição primária de New Hampshire.
No início da campanha, McCain dizia que tinha 3% das preferências numa pesquisa em que a margem de erro era de 5%. Com o sucesso em New Hampshire, tem até abril para mostrar que sua candidatura fica de pé. Mesmo que naufrague, é um tipo que vale um desperdício de curiosidade. (Vale mais do que esbanjá-la com as tolices de Leonel Brizola e as namoradas de Itamar Franco.)
Acompanhar McCain tem uma vantagem adicional. Um dos principais pontos de sua plataforma é a moralização das doações políticas durante as campanhas. Em 1996 a eleição americana custou US$ 650 milhões e nela os democratas alugaram até a cama da Casa Branca em que o presidente Abraham Lincoln dormia. McCain só conseguiu juntar US$ 6,5 milhões, contra US$ 36 milhões de Bush.
Pode parecer um tema longínquo, mas é atual em Pindorama. Por cá há dois tipos de dinheiro: com recibo e sem recibo. Tomando-se a indiscutível amostra do dinheiro com recibo, cinco bancos brasileiros deram à última campanha de FFHH algo em torno de US$ 5 milhões do patrimônio dos acionistas. As contribuições pessoais dos diretores desses mesmos bancos foram praticamente nulas. A maior contribuição pessoal de banqueiro foi de Walther Moreira Salles, com cerca de US$ 125 mil. Sua casa, o Unibanco, deu cerca de US$ 300 mil, contra US$ 2,1 milhões do Itaú, cujos diretores não compareceram na doação pessoal.
Nos Estados Unidos, onde o regime capitalista funciona, um só banqueiro (Robert Rubin, que mais tarde foi secretário do Tesouro) tirou US$ 275 mil de seu patrimônio pessoal. Esse valor, doado em 1992, equivale a um terço do total das doações pessoais feitas a FFHH para sua reeleição.
Em Pindorama, já começaram os jantares ao fim dos quais passa-se o pires das caixinhas. Num deles, realizado no final do ano, o título de $ócio-proprietário esteve em R$ 500 mil, sem recibo, nada a ver com as doações dos bancos, todas legais e transparentes. São jantares especiais. Neles, nomes ilustres chegam para comer e saem mordidos. Admitindo-se que todos os convidados desse jantar tenham pingado o seu caraminguá, ele teria arrecadado perto de R$ 6 milhões (US$ 3,3 milhões), três vezes mais do que as doações feitas pela AT&T na atual campanha presidencial americana.
Além dessa relativa atualidade, McCain é um tipo interessante. Em 1967 pilotava um avião da Marinha sobre o Vietnã do Norte e foi derrubado. Passou cinco anos e meio numa solitária, quebraram-lhe diversos ossos e por conta disso não consegue erguer os cotovelos acima dos ombros. Nada disse além do nome. Mais tarde, contou que passava o tempo relembrando velhos filmes, cenas de família e trechos da Bíblia. Como seu pai era o almirante que comandava a frota dos mares da Ásia, os carcereiros ofereceram-lhe a liberdade em troca de pequenas concessões. Não aceitou.
Atualmente McCain minimiza seu papel na jornada vietnamita:
"Afinal de contas, você não precisa ser um sujeito brilhante para ser derrubado por uma bateria antiaérea."



Tudo em dólar
O governo argentino pode negar seu interesse na dolarização de sua economia quantas vezes quiser. A verdade é que as conversações de sua ekipekonômica com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos já ultrapassaram a fase conceitual. Discute-se quanto e como o governo americano pagará pela providência. Havendo a dolarização, os Estados Unidos ficarão com a franquia da emissão de moeda para os argentinos. Estimando-se que isso valha o equivalente aos juros que rendem as reservas do peso, a conversa começa em US$ 700 milhões por ano.
O fato de estar havendo essa conversa não significa que a dolarização vá acontecer. Mostra apenas que é coisa séria.
O receio de um piripaco financeiro na Argentina é de bom tamanho. Nestes dias, o banco central americano deve estar mandando a Buenos Aires um carregamento de US$ 200 milhões (em dinheiro) para a eventualidade de uma crise de caixa. O ervanário não ficará no cofre do banco central, mas no de uma transportadora de valores.



Avança Brasil
Governo preocupado coma universidade é assim:
Abriu-se um concurso para professor de História Ibérica na Universidade de São Paulo.
O retirante que vencer a disputa deverá dar duas aulas por semana (uma à tarde e outra à noite) de quatro horas cada uma. Dará algum acompanhamento aos seus 120 alunos e lhes corrigirá as provas.
Salário, R$ 250 por mês, R$ 8 por hora.
Se alguém acha que o preço está bom, vale lembrar que uma bolsa de iniciação científica rende a um iniciante R$ 240.


Bala na agulha
O PFL vai expulsar o deputado José Aleksandro da Silva (AC) de suas ilustres fileiras.
É coisa decidida.


Um teatrinho para Orlando Villas Bôas
Crédito: Sisson + Folha Imagem + Alex Freitas
Legenda: Na montagem, Orlando Villas Bôas
Tremenda demagogia a que se fez em torno da demissão do sertanista Orlando Villas Bôas da Fundação Nacional do Índio. Ao demiti-lo do cargo de DAS-2 (R$ 1.136,90 mensais), o presidente da Funai, Carlos Frederico Marés, fez o que a lei manda, a norma administrativa exige e a moralidade recomenda. Se um homem como Orlando Villas Bôas caiu numa situação dessas, a culpa pode até não ser dele, mas fingir que a Funai fez algo de errado é iludir a boa fé do público.
Villas Bôas aposentou-se com proventos de índio na década de 70. Se tivesse passado mais tempo nos corredores de Brasília em vez de ter trabalhado no mato, teria saído com dinheiro de cacique. Para remediar esse absurdo (que não envolve apenas o sertanista, mas todos os índios da vida nacional) o governo da época praticou outro. Resolveu-se dar um DAS ao sertanista. Nas suas palavras, "houve uma recomendação em função de nossa baixa aposentadoria". A homenagem valeu-lhe, em dinheiro de hoje, pouco mais de R$ 1.000 mensais.
Durante 20 anos o sertanista acumulou a aposentadoria com o DAS. Em abril do ano passado, o Congresso Nacional aprovou e o governo concedeu-lhe uma pensão vitalícia de R$ 1.315. Esse foi o valor que a turma do andar de cima estipulou para remunerar extraordinariamente os serviços de um homem que passou a vida trabalhando pelos índios.
Tendo ganho a pensão, Villas Bôas perdeu o direito de receber qualquer dinheiro público (além da aposentadoria que já tinha). Pagar-lhe o DAS seria um ato de prevaricação. Era a lei que determinava a sua demissão. Ademais, DAS não é honraria, é função. Orlando Villas Bôas não prestava serviços regulares à Funai. Se há gente ganhando DAS sem trabalhar, ou dando consultorias mandrakes, isso faz parte do capítulo do assalto à bolsa da Viúva.
Feita a confusão, o governo reagiu com uma mistura de boa educação e mandrakaria. Na boa educação, FFHH telefonou ao sertanista pedindo-lhe desculpas. Maravilha. É um prazer viver num país onde o presidente pede desculpas a um servidor humilhado. Na mandrakaria, ofereceram-lhe novas formas de rendimentos. Era maracutaia. O governo só pode oferecer empregos dentro das leis que regem o funcionalismo público e, por conta disso, não há como empregar Orlando Villas Bôas. É óbvio que se pode inventar outras fórmulas. Um telefonema do Planalto emprega todos os Villas Bôas deste mundo em ONGs de empresários amigos. Basta um sinal com as sobrancelhas e se formará uma fila de assessorias financeiras, caçando assessores para assuntos indígenas.
O que aconteceu com Orlando Villas Bôas não foi produto de um erro ou de uma desatenção. É parte da política de um governo que tunga os funcionários públicos e os aposentados. Quando essa política causou danos a um homem como ele, o tucanato-pefelê fingiu-se assustado. É teatro. Eles sabem que todos os servidores que trabalharam como o sertanista e estão hoje com 86 anos passam por situação semelhante. A eles, nem desculpas pedem.



Buena Vista é um grande filme
Crédito: Karl Haimes + Susan Titelman + Cristina Piza + Lucy Duram + Alex Freitas
Legenda: Havana, Ruben Gonzáles, ao piano, e Ibrahim Ferrer, à direita
A partir da próxima semana, começam as estréias do filme "Buena Vista Social Club" no Brasil. (dia 18, no Rio, e dia 3 de março, em São Paulo e Belo Horizonte). Trata-se de fina especiaria, boa música, alegria para a alma e, de quebra, magnífico cinema.
São três filmes ao preço de um. O primeiro, dominante, documenta a vida e a obra de um grupo de músicos cubanos da velha guarda. O segundo, discreto, passa a elegante generosidade de um guitarrista americano (Ry Cooder), que os redescobriu, levando-os das decadentes ruas de Havana para uma apoteose. O terceiro, brilhante, é a transformação de um documentário sobre velhos músicos numa tensa descrição da vida cubana. Mostra um país espremido por uma revolução que tem muitos propósitos e poucos resultados e um embargo comercial americano de muitos resultados e poucos propósitos. Essa é a parte do diretor alemão Wim Wenders. Ele fez essa camada sem uma só referência política. Se é necessário concluir algo sobre a vida cubana depois de ver "Buena Vista" (coisa que talvez seja irrelevante), cada um decide o que bem entender.
As emoções e a beleza do filme vêm dos velhos músicos. O maior deles é Ibrahim Ferrer. Nasceu no cabaré há 83 anos. Forçando um pouco a mão, parece-se com o sambista Cartola. A filmagem de seu apartamento é um dos melhores momentos do filme. Sobretudo quando serve rum para a imagem de Babalé-Ayé (São Lázaro) que tem em sua sala.
Quem entende de música assegura que os momentos do pianista Ruben Gonzáles, 77, são mais ricos que os de Ferrer. Glória da tradicional música cubana, Gonzáles tocava na legendária boate Tropicana. Hoje está sem piano porque o cupim comeu o de sua casa. Quem sair atrás da turma do Buena Vista procurando posições políticas, descobrirá que ele tocou no conjunto Los Hermanos Castro, mas esses hermanos só fizeram música.
Wenders filmou "Buena Vista" a partir das histórias que Ry Cooder lhe contou. Controlou suas emoções para soltar as da platéia. Não vale contar o fim do filme, mas quem o for ver, por favor, dê um pouco de atenção à naturalidade daqueles velhinhos cubanos num momento de grandiosidade.

ENTREVISTA
Nelson Marchezan
(61 anos, deputado federal pelo PSDB-RS e presidente da CPI dos Medicamentos.)
Quais são as chances de a sua CPI acabar em pizza?
Zero. Os próprios laboratórios entenderam que não podem continuar fazendo o que fazem. Dessa CPI resultará uma política nacional de medicamentos. Não será coisa destinada a controlar preços, mas vai acabar o descontrole. Hoje, um laboratório sobe o preço e, pela lei, está obrigado a comunicar o novo preço ao Ministério da Fazenda num prazo de até dez dias depois do aumento. Não houve caso de aumento revogado. Eles fazem o que querem. Há caso de remédio que, pelo preço formal, custa R$ 15, mas chega a ser vendido por R$ 3,50. É o Captopril. Nos últimos 12 anos o faturamento dos laboratórios aumentou seis vezes, enquanto a massa de medicamentos vendidos ficou estável. Isso acontece porque os laboratórios têm uma política de vender remédios cada vez mais caros para uma percentagem cada vez menor da população. Para eles, metade do povo brasileiro não faz parte do mercado. É como se não existisse. Essa festa vai acabar.
Como?
Estamos destruindo o cartel do boicote aos genéricos. Esses remédios baratos vão entrar nas farmácias, por bem ou por mal. Eu acho que isso acontecerá sem maiores traumas, porque a própria Abifarma (Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica) confessa que entrou de má vontade na campanha contra os genéricos. Eles cometeram erros monumentais. Foi excesso de cobiça. Estavam esfolando descaradamente a população. Perderam a opinião pública e sabem que essa desordem em que viveram vai acabar. Os genéricos provocarão uma perda de faturamento de uns US$ 2 bilhões nas marcas de fantasia. Os laboratórios terão que trabalhar para faturar esse dinheiro vendendo remédios baratos. Quais? Os genéricos, que eles queriam boicotar.
A CPI dos bancos prendeu, ainda que por poucas horas, um ex-presidente do Banco Central. O senhor acha que prende um presidente de laboratório?
Espero que não. O que eu quero é baixar o preço dos remédios. Se você prender um presidente de laboratório, vai gastar dinheiro alimentando-o. Acho que não chegaremos a isso, mas há uma investigação em torno do cartel. A maioria desses laboratórios é estrangeira. Eles têm que aprender a se comportar aqui como se comportam em suas matrizes.


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