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QUESTÃO AGRÁRIA
Maioria era de SP
Sem-terra urbanos completam um ano
EDMILSON ZANETTI
da Agência Folha, em Iaras
Com o acampamento itinerante
de Nova Canudos, o MST completa amanhã um ano de uma experiência inédita: a realização de
um movimento de grandes proporções no qual os sem-terra vêm
de centros urbanos, a maioria da
Grande São Paulo, sem histórico
de trabalho rural.
Carpinteiros, pedreiros, metalúrgicos, motoristas, cozinheiras,
favelados, moradores de rua, alcoólatras -todos desempregados. Esse era o perfil básico das
1.200 famílias (cerca de 4.000 pessoas) que, recrutadas pelo MST
(Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra), invadiram a
fazenda Engenho d'Água, em
Porto Feliz (SP), há um ano.
De lá para cá, o "exército de
sem-terra urbanos" perambulou
por cidades paulistas até ser fixado provisoriamente pelo Incra
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em uma
área da União em Iaras, na região
de Bauru (345 km a noroeste de
São Paulo), em outubro.
Depois de mais de 500 km de
peregrinação, hoje restam cerca
de 400 famílias no Nova Canudos.
Nove integrantes do acampamento foram presos nos últimos
meses, acusados por quebra-quebra em pedágios. Três foram soltos na semana passada. Seis estão
na prisão desde novembro.
Os acampados de Nova Canudos -que participam de discussões semanais de política e economia- apresentam um discurso
raramente encontrado num cidadão comum. A direção do MST
realiza discussões semanais de
política e economia, nas quais a
visão do movimento pode ser
passada aos seus integrantes.
"Se o MST acabar amanhã, esse
pessoal nunca mais será o mesmo. Vai continuar lutando pelos
seus direitos", afirmou o dirigente
João Paulo Rodrigues Chaves, 20.
"Não acredito mais em políticos. Acredito que a transformação quem vai fazer somos nós, no
dia em que cada brasileiro tiver
consciência", diz Gilberto Fabiano, 45, que durante 27 anos dirigiu ônibus em Guarulhos. Como
os demais, Fabiano "não sabia como pegar numa enxada" quando
chegou à fazenda Capivara, atual
parada do Nova Canudos.
Para superar a dificuldade, o
MST desenvolve no local, em parceria com universidades, uma espécie de "laboratório" para ensinar a lidar com a terra e a ter noções de coletivismo.
A área, de 180 hectares, foi dividida em 21 quadras. Cada quadra,
chamada de núcleo, tem 20 famílias. Cada uma mora em um lote
de 450 metros quadrados, onde
planta o que quiser.
O projeto prevê que, a partir da
atividade das famílias em seus lotes, elas serão deslocadas para o
centro de capacitação, onde haverá viveiros de mudas, horta comunitária e criações de animais.
Cada núcleo tem ainda uma
área de dois hectares para plantar
para subsistência. Outra área
maior, em volta, será de trabalho
para produção coletiva.
Haverá ainda escola, creche, farmácia, espaço cultural e igrejas.
Só a escola está em construção.
Quando sair um destino definitivo para essas 400 famílias, a
idéia é que o local continue como
"laboratório" para outros sem-terra. O Incra não tem prazo nem
local definidos para o assentamento. Por enquanto, os sem-terra urbanos ainda sobrevivem de
doações e de uma cesta básica do
governo, com quatro itens: arroz,
feijão, farinha e fubá.
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