São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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QUESTÃO AGRÁRIA
Maioria era de SP
Sem-terra urbanos completam um ano

EDMILSON ZANETTI
da Agência Folha, em Iaras

Com o acampamento itinerante de Nova Canudos, o MST completa amanhã um ano de uma experiência inédita: a realização de um movimento de grandes proporções no qual os sem-terra vêm de centros urbanos, a maioria da Grande São Paulo, sem histórico de trabalho rural.
Carpinteiros, pedreiros, metalúrgicos, motoristas, cozinheiras, favelados, moradores de rua, alcoólatras -todos desempregados. Esse era o perfil básico das 1.200 famílias (cerca de 4.000 pessoas) que, recrutadas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), invadiram a fazenda Engenho d'Água, em Porto Feliz (SP), há um ano.
De lá para cá, o "exército de sem-terra urbanos" perambulou por cidades paulistas até ser fixado provisoriamente pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em uma área da União em Iaras, na região de Bauru (345 km a noroeste de São Paulo), em outubro.
Depois de mais de 500 km de peregrinação, hoje restam cerca de 400 famílias no Nova Canudos.
Nove integrantes do acampamento foram presos nos últimos meses, acusados por quebra-quebra em pedágios. Três foram soltos na semana passada. Seis estão na prisão desde novembro.
Os acampados de Nova Canudos -que participam de discussões semanais de política e economia- apresentam um discurso raramente encontrado num cidadão comum. A direção do MST realiza discussões semanais de política e economia, nas quais a visão do movimento pode ser passada aos seus integrantes.
"Se o MST acabar amanhã, esse pessoal nunca mais será o mesmo. Vai continuar lutando pelos seus direitos", afirmou o dirigente João Paulo Rodrigues Chaves, 20.
"Não acredito mais em políticos. Acredito que a transformação quem vai fazer somos nós, no dia em que cada brasileiro tiver consciência", diz Gilberto Fabiano, 45, que durante 27 anos dirigiu ônibus em Guarulhos. Como os demais, Fabiano "não sabia como pegar numa enxada" quando chegou à fazenda Capivara, atual parada do Nova Canudos.
Para superar a dificuldade, o MST desenvolve no local, em parceria com universidades, uma espécie de "laboratório" para ensinar a lidar com a terra e a ter noções de coletivismo.
A área, de 180 hectares, foi dividida em 21 quadras. Cada quadra, chamada de núcleo, tem 20 famílias. Cada uma mora em um lote de 450 metros quadrados, onde planta o que quiser.
O projeto prevê que, a partir da atividade das famílias em seus lotes, elas serão deslocadas para o centro de capacitação, onde haverá viveiros de mudas, horta comunitária e criações de animais.
Cada núcleo tem ainda uma área de dois hectares para plantar para subsistência. Outra área maior, em volta, será de trabalho para produção coletiva.
Haverá ainda escola, creche, farmácia, espaço cultural e igrejas. Só a escola está em construção.
Quando sair um destino definitivo para essas 400 famílias, a idéia é que o local continue como "laboratório" para outros sem-terra. O Incra não tem prazo nem local definidos para o assentamento. Por enquanto, os sem-terra urbanos ainda sobrevivem de doações e de uma cesta básica do governo, com quatro itens: arroz, feijão, farinha e fubá.


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