UOL

São Paulo, quinta-feira, 06 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPERAÇÃO SOCIAL

Lena Lavinas, porém, crítica restrição à compra de alimentos

Economista da OIT elogia concepção do Fome Zero

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O programa Fome Zero é o primeiro passo do país para, pela primeira vez, ter de fato uma política social de segurança alimentar. Além desse projeto, será necessário adotar outros programas de distribuição de renda, a exemplo dos que existem em outros países como os Estados Unidos.
A afirmação é da economista Lena Lavinas, 49, que trabalha há três anos no departamento de políticas sociais da OIT (Organização Internacional do Trabalho) em Genebra (Suíça). Ela também é professora adjunta da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e trabalhou sete anos como pesquisadora na diretoria de políticas sociais do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Leia abaixo a entrevista concedida por Lena Lavinas à Folha:
 

Folha - Como a sra. analisa o Fome Zero?
Lena Lavinas -
Pela primeira vez, o governo brasileiro dispõe de uma política de segurança alimentar que trata, de forma integrada e coerente, da questão alimentar e nutricional no país, abordando o lado da oferta, da demanda e aspectos de saúde pública e cidadania. Mais do que a novidade da proposta, o governo mostra-se comprometido com um enfoque distinto na formulação das políticas públicas. O Brasil nunca teve, até hoje, uma política de segurança alimentar, constituída por distintos programas, voltados para aspectos estruturais e imediatos da questão.

Folha - O programa Fome Zero não corre o risco de se tornar mais um programa assistencialista?
Lavinas -
O programa está sendo visto neste momento apenas através do seu aspecto emergencial, quando é muito mais do que isso. Pouca atenção tem sido dada à dimensão regulatória do programa, embora a proposta do governo seja bastante clara quanto aos seus possíveis impactos. E, nesse sentido, mais do que um programa Fome Zero, trata-se de um programa de segurança alimentar, que, no médio e no longo prazos, tende a beneficiar a todos os segmentos da população, contribuindo para uma redução dos preços dos alimentos e para garantia da sua qualidade através de um controle sanitário sistemático, entre outras vantagens.

Folha - Mas ele também é um programa assistencial.
Lavinas -
Sem dúvida. Todo programa compensatório é, por definição, um programa assistencial. Isso, em si, não é um problema. O grau de exclusão social no Brasil é tamanho que, em lugar de desvalorizar as políticas assistenciais, o que cabe fazer é, ao contrário, dispor de políticas compensatórias eficazes, que atenuem a fragilidade e o grau de insegurança dos mais pobres no curto prazo, contribuindo para reduzir a pobreza no médio e longo prazos. Evidentemente, tais programas e políticas devem integrar-se a um sistema de proteção social universal, redistributivo, progressivo e sustentado. Esse sistema encontra-se, ainda, inacabado no país.

Folha - O que a sra. acha da idéia dos cartões magnéticos restritos à alimentação?
Lavinas -
Na verdade, a adoção de cartões magnéticos para transferir benefícios monetários não é nova. O problema reside na vinculação do benefício à compra exclusiva de alimentos, que mostra que o governo seguiu o modelo do programa americano de Food Stamps. O programa americano não funciona sozinho. Ele existe ao mesmo tempo que outros programas de distribuição de renda extremamente importantes. Não há como escapar da política de redistribuição de renda em dinheiro, focalizada naqueles que sofrem de déficits agudos de renda.

Folha - A distribuição de dinheiro, portanto, é a melhor opção?
Lavinas -
Garantir uma renda mínima, desvinculada de qualquer obrigatoriedade e condicionalidade, é absolutamente indispensável. Todos os programas assistenciais dos países membros da União Européia se fazem na forma de transferências de renda monetária, como o auxílio-moradia (renda vinculada ao pagamento do aluguel), o auxílio-desemprego, entre outros. A todos esses benefícios, não propriamente vinculados, porém voltados para atender uma carência específica, agregou-se mais um na década de 90: a renda mínima.

Folha - Não seria ideal unificar todos os programas sociais do Brasil?
Lavinas -
Acredito que a coordenação das políticas sociais faz parte das metas do governo. Isso fica claro, desde já, na maneira pela qual inúmeros ministérios estão atuando coordenadamente por ocasião do lançamento do programa no Piauí. O que deve ficar claro é que uma política de renda mínima é indispensável e insubstituível, mas que sozinha também não resolveria o problema da miséria e da exclusão.

Folha - Qual a sua avaliação dos programas sociais do governo FHC? Por que não deram certo?
Lavinas -
O governo FHC , na verdade, assistiu a um aumento significativo do grau de acessibilidade alimentar entre os mais pobres, com o fim da inflação. Esse é, sem dúvida, o grande ensinamento da década de 90. Entretanto, muitos programas que promoviam maior acessibilidade alimentar perderam eficiência e tornaram-se obsoletos. O governo FHC não se preocupou diretamente com a questão da segurança alimentar. Isso dito, onde havia seca, enchentes, elas atenderam às suas especificações emergenciais.

Folha - Como medir a eficácia do programa Fome Zero?
Lavinas -
Isso vai depender dos seus objetivos. Para cada objetivo, há que se elaborar uma metodologia específica e um sistema de monitoramento.


Texto Anterior: Governo x PT: Líderes querem ensinar "cartilha" à bancada do PT
Próximo Texto: Mimo canino: Socialite doa colar de cadela ao Fome Zero
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.