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Para antropólogo, governo "negocia" direitos dos índios
DA REDAÇÃO
Para obter apoio político, o governo Lula é capaz de cair em um
"desenvolvimentismo tacanho" a
ponto de negociar os direitos indígenas. A opinião é do antropólogo Antonio Carlos de Souza Lima, 48, coordenador do Laced
(Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e desenvolvimento) do Museu Nacional (RJ).
Para ele, a indefinição da terra
indígena Raposa/Serra do Sol
(RR), que depende de uma assinatura da Presidência para ser homologada, mostra que o governo
é "é minimamente tíbio no caso
da questão indígena, senão contra
os povos indígenas".
(FM)
Folha - O que fazer para melhorar
a vida dos índios, que ainda morrem de desnutrição?
Antonio Carlos de Souza Lima -
Nada é novo. A imprensa de vez
em quando resolve ver as coisas e
aí o que tenho visto é uma demonização dos hábitos indígenas.
Como se os índios fossem responsáveis pelas suas próprias mortes.
A questão é essa: não tem política
indigenista no governo Lula. Como não teve no governo FHC. Fazer o quê? Primeiro, ter políticas
de Estado e concertadas entre si.
Folha - Como avalia o modelo de
saúde para os índios?
Lima - O subsistema de saúde foi
uma das poucas novidades, com
todos os problemas. Na medida
em que os municípios não tinham
capacidade operacional, a idéia de
subcontratar ONGs foi uma solução possível num cenário muito
heterogêneo. O que é importante
é não dar a idéia de que existe
uma solução única. O que serve
para o índio do Nordeste não serve para o do MS. É preciso ter sensibilidade governamental para as
heterogeneidades das situações.
Há ONGs fictícias, que não tem
compromisso, e há ONGs que trabalham há décadas com os índios.
Folha - O maior problema dos índios ainda é a terra?
Lima - Depende de onde no país.
No caso do MS e do Nordeste, a
questão da terra é gravíssima e
não está resolvida. No caso da
Amazônia há pendências, mas
muita coisa foi feita. Há pendências como a situação de Roraima
de Raposa/Serra do Sol [terra indígena no RR]. Enquanto Raposa
não for homologada em área contínua, o país vai continuar achando que o governo Lula é minimamente tíbio no caso da questão indígena, senão contra os povos indígenas. Mas tem órgãos com
equipes ótimas. Não estou absolutizando nada.
Folha - Como criar fonte de renda
sustentável nas aldeias?
Silva - Para isso não se tem uma
assistência consistente. Era preciso entender que ao demarcar terras se está no meio de um grande
processo de mudança social induzida e que era preciso fazer isso direito, em diálogo com os índios,
com pesquisas, com recursos para criar alternativas. Elas existem.
Há coisas bem sucedidas como os
timbira, no Maranhão.
Folha - É preciso mudar a legislação, para incluir questões como exploração dos recursos da terra?
Lima - Como é que se produz
uma legislação com um cenário
antiindígena desses no Congresso
Nacional? Se for produzir uma legislação agora, será mais antiindígena do que nunca, porque o governo vai negociar apoio, negociando os índios. Isso já aconteceu. A não ser que o governo
queira.
Folha - E não lhe parece que queira agora?
Lima - Até agora não. O governo
quer resolver os apoios políticos e
para isso, se for necessário desconhecer a justiça dos pleitos indígenas, cair no desenvolvimentismo mais tacanho, o governo cai.
Folha - Por que o sr. aposta no
acesso ao ensino superior como
saída para os índios?
Lima - Nada resolve o problema
indígena senão os índios lutando
para resolvê-lo. Eles têm projeto
de autonomia que precisam de
conhecimentos que não são apenas os deles, são também os nossos.Estão querendo isso. A gente
não pode mais pensar: "Ah, bem,
esse índio aí não é mais índio".
Porque ele está lutando pela sua
identidade, quer negociar madeira? Ele está querendo viver. Imaginar que o índio vai ser o ecologista que você queria -ele lá
morrendo de fome, não tendo como viver e só tendo como alternativa cortar madeira- é uma cretinice. Quer dizer, que imagem se
tem do índio hoje ainda? Que modo de vida é esse?
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