São Paulo, domingo, 06 de março de 2005

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Para antropólogo, governo "negocia" direitos dos índios

DA REDAÇÃO

Para obter apoio político, o governo Lula é capaz de cair em um "desenvolvimentismo tacanho" a ponto de negociar os direitos indígenas. A opinião é do antropólogo Antonio Carlos de Souza Lima, 48, coordenador do Laced (Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e desenvolvimento) do Museu Nacional (RJ).
Para ele, a indefinição da terra indígena Raposa/Serra do Sol (RR), que depende de uma assinatura da Presidência para ser homologada, mostra que o governo é "é minimamente tíbio no caso da questão indígena, senão contra os povos indígenas". (FM)
 

Folha - O que fazer para melhorar a vida dos índios, que ainda morrem de desnutrição?
Antonio Carlos de Souza Lima - Nada é novo. A imprensa de vez em quando resolve ver as coisas e aí o que tenho visto é uma demonização dos hábitos indígenas. Como se os índios fossem responsáveis pelas suas próprias mortes. A questão é essa: não tem política indigenista no governo Lula. Como não teve no governo FHC. Fazer o quê? Primeiro, ter políticas de Estado e concertadas entre si.

Folha - Como avalia o modelo de saúde para os índios?
Lima
- O subsistema de saúde foi uma das poucas novidades, com todos os problemas. Na medida em que os municípios não tinham capacidade operacional, a idéia de subcontratar ONGs foi uma solução possível num cenário muito heterogêneo. O que é importante é não dar a idéia de que existe uma solução única. O que serve para o índio do Nordeste não serve para o do MS. É preciso ter sensibilidade governamental para as heterogeneidades das situações. Há ONGs fictícias, que não tem compromisso, e há ONGs que trabalham há décadas com os índios.

Folha - O maior problema dos índios ainda é a terra?
Lima - Depende de onde no país. No caso do MS e do Nordeste, a questão da terra é gravíssima e não está resolvida. No caso da Amazônia há pendências, mas muita coisa foi feita. Há pendências como a situação de Roraima de Raposa/Serra do Sol [terra indígena no RR]. Enquanto Raposa não for homologada em área contínua, o país vai continuar achando que o governo Lula é minimamente tíbio no caso da questão indígena, senão contra os povos indígenas. Mas tem órgãos com equipes ótimas. Não estou absolutizando nada.

Folha - Como criar fonte de renda sustentável nas aldeias?
Silva - Para isso não se tem uma assistência consistente. Era preciso entender que ao demarcar terras se está no meio de um grande processo de mudança social induzida e que era preciso fazer isso direito, em diálogo com os índios, com pesquisas, com recursos para criar alternativas. Elas existem. Há coisas bem sucedidas como os timbira, no Maranhão.

Folha - É preciso mudar a legislação, para incluir questões como exploração dos recursos da terra?
Lima - Como é que se produz uma legislação com um cenário antiindígena desses no Congresso Nacional? Se for produzir uma legislação agora, será mais antiindígena do que nunca, porque o governo vai negociar apoio, negociando os índios. Isso já aconteceu. A não ser que o governo queira.

Folha - E não lhe parece que queira agora?
Lima - Até agora não. O governo quer resolver os apoios políticos e para isso, se for necessário desconhecer a justiça dos pleitos indígenas, cair no desenvolvimentismo mais tacanho, o governo cai.

Folha - Por que o sr. aposta no acesso ao ensino superior como saída para os índios?
Lima - Nada resolve o problema indígena senão os índios lutando para resolvê-lo. Eles têm projeto de autonomia que precisam de conhecimentos que não são apenas os deles, são também os nossos.Estão querendo isso. A gente não pode mais pensar: "Ah, bem, esse índio aí não é mais índio". Porque ele está lutando pela sua identidade, quer negociar madeira? Ele está querendo viver. Imaginar que o índio vai ser o ecologista que você queria -ele lá morrendo de fome, não tendo como viver e só tendo como alternativa cortar madeira- é uma cretinice. Quer dizer, que imagem se tem do índio hoje ainda? Que modo de vida é esse?


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