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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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Rossetto prega alteração de "estruturas mentais" do funcionalismo

Plano quer mudar "práticas de trabalho" do governo FHC

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) não deseja apenas mudar as "práticas de trabalho" do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Quer alterar "as estruturas mentais" do funcionalismo público. Os objetivos constam de documentos oficiais.
Depois de nomear as chefias do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Rossetto dita-lhes o rumo. Devem seguir duas regras. Ambas de fácil apreensão: primeiro, observar o que fazia o governo anterior. Depois, fazer o oposto (veja quadro nesta página).
Os papéis manuseados pela Folha consolidam Rossetto como contraponto ao colega de Esplanada Antonio Palocci Filho (Fazenda). Na economia, optou-se pelo conservadorismo à Pedro Malan. No setor agrário, pela diferenciação à José Sarney, remoçada por um discurso de timbre esquerdista.

Diagnóstico
Encomendaram-se ao Incra diagnósticos estaduais dos assentamentos de FHC. Ainda não ficaram prontos. Mas os textos obtidos pela reportagem fazem menções tópicas à ação do governo tucano. O tom é azedo.
Aos olhos da equipe de Rossetto, o governo tucano buscou notabilizar-se pela quantidade, não pela qualidade. Perseguia o "marketing", não a qualificação dos assentamentos. Desprestigiou o recurso à desapropriação de terras improdutivas em benefício da aquisição de terras a preços de mercado.
Curiosamente, o único assentamento rural visitado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva depois da posse foi a Fazenda Itamarati, em Mato Grosso do Sul. Pertenceu ao rei da soja Olacyr de Moraes, já deposto.
A fazenda não foi desapropriada, como prefere Rossetto. O governo FHC comprou-a do Banco Itaú. A Itamarati era destinada à agricultura em escala empresarial. Mas o projeto fracassou, e o Banco Itaú assumiu a área como garantia hipotecária. No final de 2000, o governo federal comprou cerca de 25 mil hectares por R$ 27,6 milhões.
Isso, porém, não impediu Lula de referir-se à iniciativa como "modelo". Sob protestos de um grupo de assentados, que portava faixas cobrando melhorias na infra-estrutura da propriedade.
Aos ouvidos dos novos gestores do Incra -políticos petistas, sindicalistas e prepostos dos movimentos sociais, cuja presença no órgão tem gerado críticas de entidades de proprietários rurais-, o "novo" receituário de Rossetto soa como música.
Abrigado sob o guarda-chuva da Convergência Socialista, o mesmo grupo partidário da senadora "rebelde" Heloísa Helena (PT-AL), o ministro do Desenvolvimento Agrário caiu nas graças da chamada esquerda do partido.

Ministro rebelde
No Congresso, o Planalto tenta conter com mão forte os arroubos da ala vermelha da bancada. Na Esplanada, por ora, Miguel Rossetto entoa a sua ária sem ser incomodado.
Abespinhado com a pecha continuísta que, a seu juízo, muitos tentam grudar no "novo" governo, Lula até estimula o auxiliar.
O Planalto dispõe de informes preparados pela inteligência militar cujo conteúdo inspira receios. Dão conta de um surto de mau humor que acomete fazendeiros de determinadas regiões.
Acredita-se, porém, que a palavra de Rossetto, empenhada em encontro com ruralistas, resultará em pacificação. O ministro prometeu não bulir com a medida provisória assinada pelo ex-presidente da República que proibiu, por dois anos, a vistoria de terras invadidas.
No documento "Termos de Referência", de 25 de março, a própria equipe de Rossetto elegeu sete regiões onde há "tensão social": sul do Mato Grosso do Sul; sul e nordeste de Goiás; Distrito Federal e adjacências; triângulo e noroeste de Minas; Sergipe; Zona da Mata de Alagoas e Pernambuco; sul e oeste do Pará.
São áreas em que os movimentos de trabalhadores rurais, sobretudo o MST, têm presença mais efetiva e maior capacidade de arregimentação.
Rossetto dará prioridade ao assentamento de famílias que se encontram sob plástico preto à beira das estradas. De preferência nos municípios onde se encontram. Nessas áreas, haverá uma "massificação de vistorias" de terras com vistas à desapropriação.

Áreas prioritárias
Pelo cronograma de Brasília, até o final de abril seriam eleitas as áreas prioritárias. Ao término de maio, estariam prontos os diagnósticos de cada região.
Em junho, os imóveis candidatos à faca seriam eleitos. Mais 30 dias e seus proprietários receberiam notificações.
Entre agosto e novembro, ocorreriam vistorias preliminares, pesquisas de mercado e avaliação dos imóveis. Na virada do ano, havendo dinheiro, as famílias pisariam a terra prometida.
(JOSIAS DE SOUZA)


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