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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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TENSÃO NO CAMPO

Iniciativa, cujo principal objetivo é desarmar milícias, se deve a pressões da Pastoral da Terra, do Cimi e do MST

Governo cria grupo para conflitos agrários

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo federal vai criar um comitê para tentar se antecipar a conflitos armados na zona rural entre fazendeiros e trabalhadores rurais sem-terra e grupos indígenas. O objetivo do governo é, principalmente, desarmar milícias no campo.
O comitê, que deverá se reunir pela primeira vez na próxima terça-feira, em Brasília, será formado por representantes da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, da Casa Civil e dos ministérios da Justiça e do Desenvolvimento Agrário.
"Vamos agir sobretudo contra o uso de armas no campo. O governo não vai tolerar, por exemplo, milícias armadas travestidas de empresas de segurança", disse o secretário de Estado de Direitos Humanos, Nilmário Miranda.
A Folha apurou que a formação do comitê se deveu a pressões da CPT (Comissão Pastoral da Terra), do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) -ambos ligados à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)- e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
A primeira intenção do comitê é mapear as áreas com maior risco de violência. Depois disso, ocorrerão nas áreas de conflito reuniões com movimentos sociais e entidades representativas de produtores rurais.
Uma das prioridades do grupo será avaliar casos reportados de criação, por fazendeiros, de milícias no centro-oeste do Paraná e em Montes Claros (MG). O comitê também vai analisar prioritariamente os assassinatos de 11 índios que ocorreram desde janeiro no país.

Homologações
Além da violência contra os índios nos primeiros meses do governo Luiz Inácio Lula da Silva, as entidades indígenas e indigenistas estão preocupadas com o retardamento da homologação de pelo menos oito áreas indígenas.
A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou, na última quarta-feira, um parecer do senador Romero Jucá (PSDB-RR) que recomenda ao presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), votar contra a homologação de cinco áreas indígenas em Roraima quando houver uma votação sobre o tema no Conselho de Defesa Nacional.
Contrariando as organizações não-governamentais, o governo Lula resolveu continuar adotando a sistemática empregada no último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso e submeteu ao conselho pelo menos oito processos de homologação de áreas indígenas no país.
Pela lei, Lula não precisa ouvir o conselho, segundo reconheceu o próprio ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, em entrevista há duas semanas.
Mas foi da própria Casa Civil que os processos partiram para o Gabinete de Segurança Institucional, que tratou de distribuir cópias para os outros integrantes do conselho. O presidente do Senado é um deles.

"Contra as comunidades"
Sarney, alegando que seu voto no conselho é de caráter "institucional", resolveu consultar a CCJ. Em seu parecer, Romero Jucá concorda com a homologação de duas áreas, mas discorda da de outras cinco. Alega que deixar de homologar as áreas será positivo para os próprios índios:
"Entendo que, se for concretizada agora a homologação dessas cinco áreas, estaremos contribuindo para aumentar o clima de conflito e, consequentemente, atuando contra as próprias comunidades indígenas, porque, se houver conflito, os índios sempre ficam em desvantagem". Jucá citou um parecer da assessoria da Casa Civil e pediu novos "estudos" sobre as homologações.
O presidente da República, pela lei, não precisa seguir a decisão do Conselho de Defesa Nacional, que tem caráter apenas consultivo. Além do presidente do Senado, integram o conselho o presidente da Câmara dos Deputados, ministros e autoridades militares.
Reagindo à decisão da CCJ, o Cimi, que conta com cerca de 410 missionários no país, divulgou uma nota na última sexta-feira na qual manifesta sua "repulsa a mais esse expediente criado no governo FHC, baseado em velhos princípios do passado e que agora tem guarida em setores do governo Lula".
De acordo com a nota, a decisão da comissão do Senado "não tem nenhum valor jurídico-legal". "Na fase processual em que os processos das terras indígenas Jacamin, Waiwai, Moskow, Muriru e Boqueirão [objetos do parecer de Jucá] se encontram, não tem cabimento determinar a realização de qualquer estudo. Existindo ocupantes não-indígenas nas áreas já demarcadas, o poder público federal deve assegurar indenização das benfeitorias decorrentes de ocupações consideradas de boa-fé", afirma a nota.



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