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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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"Defunto do tráfico" , cacique diz que terror na aldeia lembra o Rio

DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

O cacique truká Ailson dos Santos, 42, diz que o terror que o narcotráfico levou à reserva indígena é tão crítico quanta às cenas de atentados de traficantes no Rio de Janeiro que ele vê pela televisão.
Na última quarta-feira, o cacique conversou por telefone celular com a Agência Folha.
Dizendo-se ameaçado de morte, não quis revelar sua exata localização. "Sou mais que um refém do narcotráfico, sou um defunto do tráfico. Corro o risco de ser abatido a qualquer momento."
Nos anos 70, Santos saiu de sua aldeia para estudar num internato da Igreja Católica em São José dos Campos (interior de SP).
O cacique estudou até o segundo grau e voltou à reserva truká com planos de transformar o lugar num modelo de desenvolvimento sustentável.
O que ele vê agora é só violência. "Nossos costumes e tradições têm sido interrompidos por falta de segurança. Quando o conflito se acirra, nossas crianças não freqüentam a escola, tememos retaliações". Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
 

Agência Folha - Como os narcotraficantes se infiltraram na reserva truká?
Ailson dos Santos -
Um grupo de criminosos comuns da cidade [Cabrobó", que inclui traficantes, assaltantes de carro-forte, homicidas, passou a se esconder da polícia dentro da reserva.
Há três anos, eles passaram a armar um grupo de índios para tomar conta das plantações localizadas nas pequenas ilhas do arquipélago. Uns 20 índios trukás estão hoje fortemente armados. Até com fuzis, que eles roubaram da Polícia Militar.

Agência Folha - Para os trukás, esses índios são traficantes também?
Santos -
Sim. Alguns já são fugitivos da cadeia pública de Cabrobó. O índio Carlos Jardiel foi preso pela Polícia Federal com 86 kg de maconha no ano passado.
Não ficou preso nem três meses. Ele foi resgatado da cadeia numa operação conduzida pelos próprios indígenas liderados por Edgar de Nô, que é também truká.

Agência Folha - Como os trukás enfrentam esse problema?
Santos -
Nós que somos contra denunciamos à Justiça, à Polícia Federal, que vem aqui fazer operações, mas não resolve o problema. Nesse período de três anos, eles mataram a mulher [ele não soube dizer o nome dela" de Ednaldo de Nô, irmão de Edgar.
Ela descobriu que eles eram envolvidos com o narcotráfico e não queria conviver com aquelas ações. Eles [o grupo de índios traficantes" já mataram policiais militares e outros seis indígenas, tudo em represália.

Agência Folha - Por que mataram os irmãos João Batista e Antônio Roberto Gomes Rodrigues?
Santos -
Porque eles eram contra o narcotráfico. Destruíam plantações de maconha, denunciavam. Os traficantes passaram a se incomodar muito e fizeram uma emboscada.
Eu estou ameaçado de morte e vivo escondido. Quando vou à cidade, preciso pedir escolta policial. Sou mais que um refém do narcotráfico, sou um defunto do tráfico. Corro o risco de ser abatido a qualquer momento.

Agência Folha - Quais são as consequências do narcotráfico nas tradições e costumes do povo truká?
Santos -
Nossos costumes e tradições têm sido interrompidos por falta de segurança.
As nossas crianças não frequentam a escola diariamente por medo de retaliações. Alguns menores foram aliciados para vigiar as plantações e também se viciaram.

Agência Folha - Na sua opinião, que tipo de ação de combate ao narcotráfico deveria ser conduzida pela polícia na reserva truká?
Santos -
Só a repressão não resolve. Ela é necessária, mas é importante que o governo federal invista mais no desenvolvimento social do povo truká.
O governo tem esquecido as áreas indígenas implicadas com o narcotráfico. A gente vê a Polícia Federal desequipada, sem armas, aeronaves e embarcações para combater [o tráfico].
Quando chega na reserva é só para juntar os corpos. Nessa guerra, entre indígenas e brancos já morreram mais de cem.



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