UOL

São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO PLANALTO

Governo Lula ganha o primeiro esqueleto

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Foi ao armário o primeiro esqueleto da era Lula. Ruidosa, a ossada se insurge contra a imagem do vice-presidente José Alencar. Sua empresa, a Coteminas, é acusada de fraudar o erário.
O caso fora ao arquivo ainda sob FHC, em 23 de dezembro de 2002. Depois de "investigação" realizada em ritmo de transição civilizada. Durou seis dias. Deve-se a ressurreição ao deputado Alberto Goldman. Em 11 de março, pediu o aprofundamento da apuração.
O ofício recheou escaninhos da Corregedoria da União por 17 dias. Em 28 de março, o episódio voltou à sombra, rearquivado. Agora sob Lula.
A acusação à firma de Alencar veio de um produtor de algodão de Mato Grosso. A Folha divulgou-a em 15 de dezembro. A reportagem trouxe farta documentação.
Os papéis mostram que a Coteminas comprou em leilões da Conab lotes de algodão que, na prática, já lhe pertenciam. Rememorando:
1) a Coteminas compra algodão na fase de plantio. Paga antecipadamente. E recebe o produto depois da colheita;
2) na safra 99/2000, comprou de empresas de Carlos Newton Bonfim Jr. 16 mil toneladas de algodão. Um dos contratos traz a assinatura de Alencar;
3) posteriormente, a Conab convocou leilões de algodão. Levou ao martelo lotes de PEP (Prêmio de Escoamento de Produto). É um agrado monetário do governo, para estimular compradores a levar a produção até as fábricas;
4) arrematado o prêmio, a Coteminas informou à Conab os nomes dos fornecedores. Entre eles Carlos Newton Bonfim Jr., o mesmo cuja safra já fora comprada e paga. Ou seja, "adquiriu" um produto que já era seu. Só para beliscar a subvenção oficial;
5) foi ao lixo a filosofia do programa PEP, criado para evitar encalhes de safra. Desavisada, a viúva subvencionou quem não precisava, para escoar um produto que já estava vendido.
Ouvido à época, Josué Gomes da Silva, filho do vice e gestor da Coteminas, negou a recompra de algodão. Confrontado com documentos, admitiu-a. "Não houve ilegalidade", disse. "Beneficiaram-se todos."
A Coteminas levou o prêmio. O produtor ficou com o preço mínimo fixado pela Conab - R$ 1,91 por kg de algodão, contra R$ 1,80 recebidos antes. E o governo cumpriu com sua obrigação ao proporcionar "preço justo" ao agricultor.
O argumento se liquefaz nas páginas de uma ação judicial movida pelas empresas de Bonfim Jr. em 2002. Ali, o agricultor sustenta: foi aos leilões por "exigência" da Coteminas; participou de venda "fictícia"; passado o pregão, devolveu integralmente o dinheiro recebido.
Sabe-se que alguém mente. A versão da Coteminas, fornecida por Josué Gomes, foi ao processo como verdade absoluta. A de Bonfim Jr. não chegou a ser ouvida.
Em 2000, foram ao caixa da firma do vice-presidente da República R$ 9,1 milhões em subvenções do governo. Suspeita-se que ao menos parte desse dinheiro talvez seja fruto de um simulacro.
Mas não há quem se interesse em ouvir o acusador. Não há quem se disponha a visitar os livros contábeis das empresas. Não há, enfim, quem ouse zelar pelo sagrado interesse público.
Fantasia por fantasia, suponha-se que o governo fosse outro. Que o vice se chamasse Marco Maciel. Que fabricasse panos. Que um fornecedor o acusasse de fraudar leilões públicos. Pobre Maciel. Seria feito em pedaços pelo PT.



Texto Anterior: "Defunto do tráfico" , cacique diz que terror na aldeia lembra o Rio
Próximo Texto: Panorâmica - Caso Copel: Tribunal não reconhece foro privilegiado
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.