UOL

São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Idéia de jerico
Está em curso uma manobra interessada em reorientar a agenda jornalística da TV Record (leia-se domesticar o jornalista Boris Casoy). O primeiro movimento ocorreu na semana passada.
Boris teria ultrapassado algumas fronteiras daquilo que a vigilância petista considera politicamente aceitável.
Uma iniciativa desse tipo pode sugerir coisas horríveis, como uma tentativa do governo de pressionar televisões ou jornais. Vai ver, não é. É incompetência mesmo. Todo governo tem um plantel de jericos pensando coisas desse tipo.


Time de primeira
O senador Tasso Jereissati chegou a Brasília falando sério. Atraiu para sua equipe o veterano José Lucena Dantas, ex-chefe de gabinete de FFHH no Planalto. Trata-se de uma pessoa que conhece Brasília na mesma proporção em que é pouco conhecido por quem pensa conhecê-la.
A ele, Tasso somou a colaboração, como consultora, de Ana Tavares, ex-administradora da alma pública do ex-senador, ex-chanceler, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Livros amados
Dez anos depois da morte do historiador Américo Jacobina Lacombe, sua família está tentando recomprar sua biblioteca, para abri-la ao público.Em vida, ele queria que seus 20 mil livros, muitos dos quais anotados com observações preciosas, fosse para a Casa de Ruy Barbosa. À época, a família de Lacombe viu que a biblioteca de Plínio Doyle, doada à Casa de Ruy, estava encaixotada e incólume. Diante disso, resolveu vender o acervo à Faculdade Santa Úrsula, por US$ 50 mil. Passaram-se quase dez anos e os livros continuam encaixotados, longe do público.
Como os Lacombe gostam mais de livros do que de dinheiro, estão oferecendo US$ 50 mil à Santa Úrsula para que ela lhe devolva os caixotes. Pretendem levá-los à Casa de Ruy, onde a biblioteca de Plinio Doyle está aberta ao público e vai muito bem, obrigado.

Curso Madame Natasha de piano e português
Madame Natasha tem horror a música. Ela concedeu uma de suas bolsas de estudo ao professor Eduardo Fiuza, do departamento de economia da PUC, pela seguinte formulação num artigo sobre preços de automóveis:
"Se os preços não forem instrumentados, os estimadores dos parâmetros de preço na equação de demanda serão viesadas, devido à correlação que existe entre o preço e as características não observadas pelos econometristas (mas percebidas pelos consumidores e fabricantes) -uma espécie de viés de simultaneidade".
Madame entendeu que o professor busca uma forma de cálculo para os preços dos automóveis. Só.

O (des)emprego dos jovens

Emprego para os jovens é um dos graves problemas da sociedade brasileira. Há 3,6 milhões de jovens na faixa dos 15 e 24 anos procurando emprego e batendo com a cara na porta. Equivalem a cerca da metade dos desempregados nacionais. Problema tão grave resultou numa das promessas de campanha de Lula. Mereceu 11 linhas no programa e muita parolagem nos debates.
Para evitar que esse projeto social atole na espuma propagandística do Fome Zero, o governo poderia começar a discutir antes de começar a errar. O Ipea e o Ministério do Trabalho acabam de editar uma coletânea de sete artigos sobre o problema do primeiro emprego para os jovens. Um deles, de Eduardo Rios-Neto, professor titular de demografia da UFMG, e do pesquisador André Golgher, sugere a possibilidade de se estar armando muita confusão para pouco resultado. Eles mostram o perigo, mas apontam um caminho rápido, certo e eficaz para evitar o erro.
O professor Rios-Neto é um crítico da renúncia fiscal como forma de subsídio dos empregos para jovens. Acredita que os resultados são caros e escassos. Ele mostra que os jovens brasileiros devem ser divididos em três grupos. De um lado estão os que não estudam, não têm emprego e, sobretudo, não estão procurando trabalho. Descontando jovens mulheres que cuidam de filhos, talvez sejam 3 milhões. Esse grupo precisa de um programa caro, subsidiado e custeado por algum tipo de renúncia fiscal.
No segundo grupo, que nada tem a ver com o primeiro, estão os jovens que estudam, querem continuar estudando e procuram trabalho. Devem ser cerca de 1,6 milhão e podem ser atendidos pela ampliação da estrutura existente de busca de estágios. Um programa agressivo de estágios e uma reforma na legislação, que proíbe estagiários sem o secundário completo, não só empregaria jovens como derrubaria a taxa de desemprego. Há ainda um grupo intermediário de 2 milhões que procuram emprego, mas não frequentam escola.
Enquanto o primeiro grupo requer um programa caro e inovador, o segundo tem à sua disposição uma roda já inventada. Separados, funcionam. Misturados, arriscam embananar a boa intenção.
A publicação, pelo Ipea e pelo Ministério do Trabalho, de artigos como o do professor Rios-Neto é um bom sinal. O fato de até agora ninguém o ter procurado para discutir o que escreveu ou para ver as contas que fez é um mau sinal. Sinal de que, como no Fome Zero, tem sabichão no pedaço.

Os negócios dos D'Estaing com o Brasil

Esteve em Trancoso, na Bahia, o fidalgo francês Henri Giscard d'Estaing, diretor-executivo do Club Med. Em monumental boca livre, inaugurou o terceiro centro hoteleiro da empresa em Pindorama. Tem 250 apartamentos refrigerados, um pacote anticelulite de seis dias e dá 25% de desconto para recém-casados. Saiu por US$ 23 milhões, e os franceses são donos de metade do negócio. A outra metade é de negociantes brasileiros. O velho e bom BNDES botou dinheiro na expedição. Assim, a poupança brasileira financia empreendimentos de marcas internacionais no litoral onde Cabral viu os primeiros barrancos da costa brasileira. O mundo globalizou-se e, havendo interesse da França nas riquezas do mercado brasílico, o melhor que os nativos fazem é associar-se à expedição dirigida por D'Estaing, filho do ex-presidente francês Valery Giscard d'Estaing.
Alguma feitiçaria dos velhos arquivos fez com que Henri d'Estaing inaugurasse seu Club Med na mesma época em que a professora Maria Fernanda Bicalho publica o seu livro "A Cidade e o Império - O Rio de Janeiro no século XVIII".
Lendo-se a pesquisa da professora, aprende-se que a expedição de Henri em Trancoso não foi a primeira planejada pelos D'Estaing para a Bahia. É a segunda, única saída do papel. A primeira foi urdida pelo conde-almirante Charles d'Estaing. Ele concebeu, em 1762, um ataque contra Salvador e o Rio de Janeiro (ou vice-versa). Depois de terem saqueado o Rio em 1711, os franceses pretendiam rapinar novamente a terra. Pensavam até em ocupá-la. O conde chegou a ser nomeado vice-rei por Luís 15. Viria com uns 5.000 soldados em 20 navios. A frota nunca zarpou, e anos depois a Revolução passou o conde na lâmina.
Hoje a única relação entre o Brasil e o seu quase-vice-rei está no fato de a Viúva ter comprado um palacete na Rue Amiral D'Estaing, em Paris, para que lá vivesse em conforto o embaixador brasileiro. Três dos ocupantes da mansão nunca souberam que o almirante pretendeu saquear o Rio. Não se sabe de caso de embaixador que viva na rua com o nome de um sujeito que planejou saquear seu país. Se no século 18 já houvesse BNDES, é provável que o projeto do conde D'Estaing tivesse outra engenharia financeira e o banco pudesse se orgulhar de ter participado de um saque explicito. No século 18, por falta de sofisticação nos seus planos de negócios, o reino de Luís 15 financiava suas rapinas com recursos próprios.

Poder canino: Julie Palocci e Lassie Berzoini

O líder do governo na Câmara, doutor Aldo Rebelo, deveria começar um movimento para nacionalizar os nomes dos cachorros da hierarquia petista. Rebelo defende a proibição do uso de palavras estrangeiras para designar coisas que têm nome em português (cachorro-quente não é hot dog, nem liquidação é sale).
De uma lista de nove cães de primeiro escalão listados pelo repórter Ancelmo Góis, só Hugo, um pincher que vive na casa do ministro da Defesa, José Viegas, e Pitoco, o bassê do deputado João Paulo Cunha, têm nome de gente que se pode encontrar na fila do Fome Zero.
O governo, com sua hegemonia monoglota, está povoado por uma forma de cosmopolitismo quadrúpede. Mr. Da Silva, como se sabe, tem a Michelle. O doutor Antonio Palocci cria a poodle Julie e o companheiro Ricardo Berzoini, da Previdência, tem Lassie. Há também Dolly e Vicki.
Nada a ver com a miserável Baleia de Graciliano Ramos, sonhando com um mundo de preás. Os cães da hierarquia poderiam ser rebatizados com os nomes dos donos. Foi isso que Machado de Assis fez com Quincas Borba. Brasília ficaria melhor se Lula Michelle ficasse amiga de Julie Palocci ou se namorassem Pitoco Cunha.
Qualquer ministro pode ter cachorro, mas só Quincas Borba teve seu nome lembrado para ser ministro. O cão de Machado tinha cor de chumbo, malhado de preto. Seu dono vivia repetindo "ao vencedor, as batatas", mas morreu doido e duro. Quincas Borba adoeceu, "ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do dono e amanheceu morto na rua, três dias depois".

Entrevista

Kenneth Maxwell
(62 anos, diretor do programa de América Latina do Council on Foreign Relations, em Nova York)

-Antes do primeiro turno da eleição presidencial, o senhor escreveu no "The Wall Street Journal" e no "Financial Times" que o melhor negócio para a banca seria a vitória de Lula no primeiro turno. O pessoal do papelório quis queimá-lo vivo. Como o senhor se sente agora, com o risco Brasil abaixo dos mil pontos, o dólar a menos de R$ 3,40 e os banqueiros encantados com o PT?
-Outro dia eu vi um desses encantamentos coletivos. As pessoas que louvavam o governo de Lula eram as mesmas que circulavam no período pré-eleitoral assombradas com a possibilidade de uma vitória do PT. A idéia de que Lula traria o apocalipse era tola, até utilitária. Fosse qual fosse o vitorioso, a política econômica, no curto prazo, seria parecida com a do governo anterior. Lula não tinha margem de manobra, assim como não há nele uma vocação incendiária. A demonização de Lula vem do tempo da ditadura e, se ele tem uma característica, é a de provar que nada tem de demônio. A imprevidência dos analistas é outra coisa. Lembre-se de que o boom dos países emergentes animou Wall Street ao mesmo tempo do boom da internet. Boa parte do pessoal da internet foi trabalhar em restaurantes, mas o pessoal dos emergentes continua fazendo -e vendendo- previsões.

-O que o senhor acha que vai acontecer com a economia brasileira?
-Pelo menos neste ano, Lula deverá fazer tudo para preservar a estabilidade. É preciso ter paciência, porque a situação brasileira ainda é frágil e a situação global, sombria. Assegurada a estabilidade, o Brasil precisa ter juros razoáveis. Em pleno século 21 deu-se uma regressão ao 17, quando os holandeses tomavam dinheiro a 5% em Amsterdã e aplicavam-no em Pernambuco a 60%. Hoje toma-se em Nova York, onde a taxa de juros está a 1,5% ao ano, e aplica-se no Brasil a 26%. É essencial criar um ambiente em que os investimentos sejam redirecionados para os setores produtivos, para a geração de empregos e para o crescimento. O superávit do governo pode ser aplicado no bem-estar do povo brasileiro, e não para comprar dinheiro caríssimo.

-O senhor não teme que Lula acabe se transformando numa prorrogação do governo de Fernando Henrique Cardoso?
-Não. Foi o status quo insustentável do governo passado que criou a vulnerabilidade externa. Lula continua sendo um homem do Brasil real, do Brasil pobre. Não é um estrangeirado. É uma pessoa que conhece a sociedade brasileira de baixo para cima, e não de cima para baixo, uma pessoa modesta. Não é vaidoso, é uma pessoa, apesar de tudo, ainda muito subestimada. Tudo isso ajuda. A pressão para que ele seja a continuação de Cardoso vem dos adversários da mudança que existem dentro da sociedade brasileira. São forças poderosas. Mudar o Brasil não é fácil. Cem dias não são coisa nenhuma. Eu não arriscaria um juízo sobre a Presidência de Lula antes de ele completar um ano de governo. É o tempo razoável para que o seu governo passe as turbulências globais de fora e se adapte aos obstáculos burocráticos de dentro. As dificuldades com a burocracia serão maiores do que as dificuldades com o Congresso. Não se deve desprezar os problemas resultantes da inexperiência do próprio PT, mas não devemos desprezar sua capacidade de aprender, nem a do próprio Lula.


Texto Anterior: Congratulação: Câmara de SP homenageia Folha
Próximo Texto: Brasil profundo: Impunidade alimenta trabalho escravo
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.