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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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BRASIL PROFUNDO

Segundo a CPT, há 25.000 "escravos" no país; há um único registro de condenação definitiva de um fazendeiro

Impunidade alimenta trabalho escravo

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ciclo do trabalho escravo no Brasil chegou ao século 21 alimentado pela impunidade. Na Justiça Federal existe um único registro de condenação em sentença definitiva de um fazendeiro. Em fevereiro de 1998, Antonio Barbosa de Melo foi condenado a doar, mensalmente, durante um semestre, cinco cestas básicas à CPT (Comissão Pastoral da Terra).
Dono da fazenda Alvorada, em Água Azul do Norte, no Sul do Pará, Melo ocupa o terceiro lugar na lista de denúncias da CPT que registra os supostos reincidentes no crime de manter em suas terras pessoas em condições análogas à da escravidão. Foi denunciado seis vezes nos últimos dez anos.
"Sei que a pena foi leve, mas é um caso único. Até então, só os "gatos" eram processados, e não dava em nada, porque são pagos pelos fazendeiros para sumir", diz a procuradora Neide Cardoso, que levou o fazendeiro à Justiça.
Melo não foi localizado pela Folha. A fiscalização móvel do Ministério do Trabalho esteve na Alvorada no início de março, depois de receber as denúncias da CPT. Os fiscais identificaram um trabalhador sem carteira assinada, gerando uma multa de R$ 8 mil.
"Ainda é muito barato praticar esse crime. O escravismo é um risco que vale a pena correr", diz o ministro Francisco Fausto, presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), que defende uma legislação mais dura.
Diante da denúncia da CPT de que há 25.000 "escravos" no país, Fausto vem trabalhando politicamente para conseguir a aprovação, na Câmara, da Proposta de Emenda Constitucional que, se implantada, permitirá a expropriação de terras nas quais for constatada atividade em condições semelhantes às da servidão.
Em 1997, os fiscais do Ministério do Trabalho flagraram na fazenda Flor da Mata, em São Felix do Xingu (PA),189 trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravos: bebendo água no mesmo córrego em que faziam suas necessidades, morando em alojamento de palha, sem registro legal nem remuneração e vigiados por capangas armados.
O dono da fazenda, Luiz Pereira Martins, segundo registros do ministério, já fizera o mesmo em 1994. A Flor da Mata foi desapropriada e hoje dá lugar a um assentamento com 115 famílias.
Martins, que comprara as terras por R$ 100 mil em 1995, acabou levando R$ 2,5 milhões do governo por causa da desapropriação. E ainda hoje não existe uma decisão da Justiça sobre o caso.
Houve um ziguezague processual, muito comum nos casos que envolvem trabalho escravo. Processado na Justiça Federal, Martins alegou que o foro correto seria a Justiça Estadual.
O prazo para a punição caducar é de 12 anos. Na prática, pelos meandros da lei penal, viram seis, em média, muito por conta do vaivém federal-estadual.
No último ano, esse conflito gerou decisões judiciais que confirmam a competência da Justiça Federal para casos de caráter criminal e abrem um novo caminho para morder o bolso dos infratores: ações civis públicas e de indenização por danos morais ao trabalhador, na Justiça Trabalhista.
"Agora, felizmente, podemos dizer que há tendência de ruptura dos obstáculos que sustentam a impunidade", diz o juiz federal Flávio Dino, integrante da Comissão de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério da Justiça.



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