São Paulo, segunda, 6 de abril de 1998

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DIREITOS HUMANOS
Médicos são acusados de conivência com torturas e homicídios ocorridos durante o regime militar
RJ pode cassar 20 legistas até fim do ano

WILSON TOSTA
da Sucursal do Rio

Vinte médicos-legistas acusados de conivência com torturas e homicídios cometidos pela repressão durante o regime militar (1964-85) poderão, até o fim de 98, ter seus registros profissionais cassados pelo Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) por infração à ética médica.
Os processos, abertos a pedido do grupo Tortura Nunca Mais, do Rio, estão entrando em fase final de instrução. Mas o Cremerj, que cassou Amílcar Lobo e Ricardo Fayad pelas acusações de dar "assistência" a torturas, não revelará, até o final dos julgamentos, quais são os acusados nem detalhes das acusações.
"É tudo sigiloso", afirmou o presidente do Cremerj, Mauro Brandão. O pedido original de investigação foi feito em 1991 e envolvia 44 médicos. O Cremerj abriu sindicâncias, que se desdobraram em processos. Quase sete anos depois, alguns acusados morreram, outros deixaram a profissão, enquanto alguns outros foram excluídos das investigações por falta de indícios.
No centro dos debates estão laudos de necropsia e de exames de corpo de delito feitos pelos legistas em presos políticos. Os atestados supostamente teriam ignorado claros sinais de homicídio e tortura. Suspeita-se que, em alguns casos, nem tenham ocorrido exames nos oposicionistas presos.
A Folha apurou que, entre as provas apresentadas nos processos, estão decisões da Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça.
Esses despachos reconhecem a responsabilidade do Estado por mortes de presos que, segundo versões anteriores, morreram em confrontos com o governo, mas na verdade foram mortos depois de presos e torturados.
Um dos casos de suposta simulação é o da morte de Fernando Augusto Valente da Fonseca, que oficialmente morreu em troca de tiros com policiais, ao lado de outras três pessoas, na estrada Grajaú-Jacarepaguá, em 72, depois de, supostamente, resistir a um cerco policial.
O laudo de necropsia de Fonseca não indicava o que aparecia em fotos da perícia de local: marcas de hematomas no rosto, mostrando que ele fora espancado antes de morrer. Além disso, apesar de o carro em que os guerrilheiros estavam ter, segundo a versão oficial, se incendiado, o corpo não estava queimado.
De acordo com grupos de defesa dos direitos humanos, Fonseca foi torturado e morto em Recife, teve seu cadáver transportado para o Rio e colocado no veículo depois que o fogo se apagara.
Outra suposta simulação, também registrada na Comissão de Mortos e Desaparecidos, envolveu a morte de Lincoln Bicalho Roque, em 73, segundo a versão oficial ocorrida num tiroteio em São Cristóvão (zona norte do Rio), onde teria resistido à prisão.
Uma testemunha contou, anos depois, ter delatado Bicalho Roque, cuja prisão testemunhou em São João de Meriti (Baixada Fluminense). O laudo de necropsia, porém, não identifica marcas de espancamento.

Código de Ética
O Código de Ética Médica pune os profissionais que fornecerem atestados sem praticar os atos profissionais correspondentes ou em desacordo com a verdade (artigo 110), expedirem boletins médicos "falsos ou tendenciosos" (artigo 116) e assinarem laudos periciais ou de verificação médico-legal sem tê-los realizado (artigo 119).
Os julgamentos serão feitos pelos 40 conselheiros do Cremerj, com possibilidade de recurso ao Conselho Federal de Medicina e à Justiça.



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