|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DIREITOS HUMANOS
Médicos são acusados de conivência com torturas e homicídios ocorridos durante o regime militar
RJ pode cassar 20 legistas até fim do ano
WILSON TOSTA
da Sucursal do Rio
Vinte médicos-legistas acusados
de conivência com torturas e homicídios cometidos pela repressão
durante o regime militar (1964-85)
poderão, até o fim de 98, ter seus
registros profissionais cassados
pelo Cremerj (Conselho Regional
de Medicina do Rio de Janeiro)
por infração à ética médica.
Os processos, abertos a pedido
do grupo Tortura Nunca Mais, do
Rio, estão entrando em fase final
de instrução. Mas o Cremerj, que
cassou Amílcar Lobo e Ricardo
Fayad pelas acusações de dar "assistência" a torturas, não revelará,
até o final dos julgamentos, quais
são os acusados nem detalhes das
acusações.
"É tudo sigiloso", afirmou o
presidente do Cremerj, Mauro
Brandão. O pedido original de investigação foi feito em 1991 e envolvia 44 médicos. O Cremerj
abriu sindicâncias, que se desdobraram em processos. Quase sete
anos depois, alguns acusados
morreram, outros deixaram a
profissão, enquanto alguns outros
foram excluídos das investigações
por falta de indícios.
No centro dos debates estão laudos de necropsia e de exames de
corpo de delito feitos pelos legistas
em presos políticos. Os atestados
supostamente teriam ignorado
claros sinais de homicídio e tortura. Suspeita-se que, em alguns casos, nem tenham ocorrido exames
nos oposicionistas presos.
A Folha apurou que, entre as
provas apresentadas nos processos, estão decisões da Comissão de
Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça.
Esses despachos reconhecem a
responsabilidade do Estado por
mortes de presos que, segundo
versões anteriores, morreram em
confrontos com o governo, mas
na verdade foram mortos depois
de presos e torturados.
Um dos casos de suposta simulação é o da morte de Fernando Augusto Valente da Fonseca, que oficialmente morreu em troca de tiros com policiais, ao lado de outras três pessoas, na estrada Grajaú-Jacarepaguá, em 72, depois de,
supostamente, resistir a um cerco
policial.
O laudo de necropsia de Fonseca
não indicava o que aparecia em fotos da perícia de local: marcas de
hematomas no rosto, mostrando
que ele fora espancado antes de
morrer. Além disso, apesar de o
carro em que os guerrilheiros estavam ter, segundo a versão oficial,
se incendiado, o corpo não estava
queimado.
De acordo com grupos de defesa
dos direitos humanos, Fonseca foi
torturado e morto em Recife, teve
seu cadáver transportado para o
Rio e colocado no veículo depois
que o fogo se apagara.
Outra suposta simulação, também registrada na Comissão de
Mortos e Desaparecidos, envolveu
a morte de Lincoln Bicalho Roque,
em 73, segundo a versão oficial
ocorrida num tiroteio em São
Cristóvão (zona norte do Rio), onde teria resistido à prisão.
Uma testemunha contou, anos
depois, ter delatado Bicalho Roque, cuja prisão testemunhou em
São João de Meriti (Baixada Fluminense). O laudo de necropsia,
porém, não identifica marcas de
espancamento.
Código de Ética
O Código de Ética Médica pune
os profissionais que fornecerem
atestados sem praticar os atos profissionais correspondentes ou em
desacordo com a verdade (artigo
110), expedirem boletins médicos
"falsos ou tendenciosos" (artigo
116) e assinarem laudos periciais
ou de verificação médico-legal
sem tê-los realizado (artigo 119).
Os julgamentos serão feitos pelos 40 conselheiros do Cremerj,
com possibilidade de recurso ao
Conselho Federal de Medicina e à
Justiça.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|