São Paulo, segunda-feira, 06 de maio de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Tucano só declarou R$ 95 mil ao TRE-SP; restante do dinheiro teria sido para aluguel de avião

Jereissati diz que doou R$ 700 mil a Serra

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O empresário Carlos Jereissati, 55, presidente da La Fonte Participações, disse ontem à Folha que sua contribuição para a campanha ao Senado de José Serra, em 94, foi de "cerca de R$ 700 mil". Desse total, R$ 95 mil foram doados, por intermédio do economista Ricardo Sérgio de Oliveira, em dinheiro e estão declarados à Justiça Eleitoral.
Outros cerca de R$ 600 mil foram pagos diretamente pelo empresário pelo aluguel de um avião King Air, usado por Serra em sua campanha.
Embora Jereissati diga não ter cometido ele próprio uma ilegalidade, Serra deveria ter necessariamente declarado a doação recebida na forma do aluguel do avião -segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Jereissati diz não saber se tem os recibos que comprovam o pagamento do serviço. "Dificilmente terei documentos tão antigos, de 94. Mas não acho que seja necessário. Era uma despesa pessoal minha", declarou.
Trata-se de um detalhe importante: só os R$ 95 mil declarados à Justiça teriam saído do cofre do grupo La Fonte e passado pela mão de Ricardo Sérgio. Os outros cerca de R$ 600 mil teriam sido doados pelo empresário como pessoa física.
Ao dizer que não entregou a Ricardo Sérgio dinheiro em espécie, Jereissati protege o economista que foi caixa de campanha de Serra. Mas esse tipo de proteção não se estende ao tucano.
Carlos Jereissati é irmão do ex-governador do Ceará Tasso Jereissati (PSDB), adversário de Serra dentro do tucanato.
O grupo La Fonte é dono de vários shoppings centers (entre eles o shopping Iguatemi, de São Paulo) e de 11,25% na Telemar (empresa que explora a telefonia fixa em 16 Estados).
A revista "Veja" do fim de semana publicou que Jereissati teria doado o equivalente a R$ 2 milhões a Serra em 94. "Foram quatro ou cinco prestações, não me lembro exatamente", declarou o empresário. Seria a confissão de que houve caixa dois na campanha do tucano, hoje candidato oficial do Palácio do Planalto à Presidência da República.
À Folha, Jereissati não negou a informação dada à "Veja", mas disse ter havido um "mal-entendido". O valor doado teria sido de "cerca de R$ 700 mil". Como um real valia aproximadamente um dólar em 94, "a revista pode ter feito uma atualização aproximada do que foi doado".
Ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo, Serra informou gasto total de R$ 1,894 milhão na campanha. Registrados em nome de empresas do grupo La Fonte haviam três doações: R$ 15 mil (11/ 07/94), R$ 30 mil (9/8/ 94) e R$ 50 mil (27/9/94). Não há registro de doações em nome de Carlos Jereissati.
Entre os gastos informados e que poderiam conter os realizados com aluguel de avião estão despesas de viagem (R$ 138 mil), locação de bens móveis (R$ 23 mil) e despesas com veículos (R$ 17 mil). Somados, esses valores ficam abaixo dos R$ 600 mil informados por Jereissati.
Ele respondeu ao pedido da Folha por uma entrevista ontem de manhã. Telefonou para o celular do repórter. Como o empresário inicialmente queria falar apenas de forma reservada (em "off", como se diz no jargão jornalístico), pois temia ser mal interpretado, a Folha fez uma proposta: transcreveria apenas as frases referentes ao episódio da campanha de 94 e leria as declarações para ele. Um novo telefonema foi então realizado na parte da tarde, e ele aprovou o teor de suas declarações, publicadas abaixo:
 

Folha - O sr. deu R$ 2 milhões para a campanha de José Serra a senador em 1994?
Carlos Jereissati -
Não. Houve um mal-entendido a respeito da minha declaração à "Veja". Eu posso ter dito que doei US$ 700 mil porque, à época, um dólar valia um real. Mas o valor correto são cerca de R$ 700 mil. A revista pode ter feito uma atualização aproximada do que foi doado, o que não está errado, mas fica um pouco impreciso. No fundo, houve apenas, realmente, um mal entendido.

Folha - Ainda assim, mesmo que tenham sido apenas R$ 700 mil, o valor declarado pelo candidato José Serra em 94 foi de apenas R$ 95 mil no que se refere a doações do grupo La Fonte. Há uma discrepância. Como o sr. explica isso?
Jereissati -
De novo, um mal entendido. De fato nós doamos pelo grupo La Fonte um valor de aproximadamente R$ 100 mil, em dinheiro, para a campanha de José Serra. Essa doação foi tratada com Ricardo Sérgio.
Essa parte é que foi dada em umas quatro ou cinco prestações, como afirmei à "Veja". O restante, cerca de R$ 600 mil, foi na forma de pagamento de um serviço. No caso, aluguei um avião que foi usado por Serra na campanha, durante uns cinco meses, em algumas ocasiões.

Folha - Quem alugou o avião? O sr. ou o grupo La Fonte?
Jereissati -
Eu próprio, com recursos pessoais.

Folha - O sr. se recorda de como foi feito o aluguel?
Jereissati -
Claro. Foi por intermédio do Rolim [Amaro", da TAM, que me indicou um avião e um piloto que poderiam fazer o serviço. O serviço não foi pago à TAM, mas foi o Rolim quem me indicou o avião. Recordo-me que foi um King Air.

Folha - O sr. tem como provar, por meio de recibos de pagamento, que foi realmente feito esse aluguel?
Jereissati -
Dificilmente terei documentos tão antigos, de 94. Mas não acho que seja necessário. Era uma despesa pessoal minha.

Folha - O sr. se lembra do nome da empresa dona do avião ou do piloto contratado?
Jereissati -
Não.

Folha - Quem intermediou o negócio do aluguel do avião foi Ricardo Sérgio?
Jereissati -
Não. Ele apenas tratou da doação em dinheiro, que foi declarada pela campanha.

Folha - Ocorre que foi cometida aí uma irregularidade. Ao que se sabe, José Serra não declarou à Justiça Eleitoral que esse avião havia sido pago com o dinheiro de Carlos Jereissati...
Jereissati -
Quanto ao candidato, eu não sei. Eu não tenho de declarar os meus gastos. Aluguei um avião e paguei. Nos últimos dez anos, tem sido muito comum as ajudas financeiras a campanhas políticas serem na forma de pagamento de serviços. Quase ninguém dá dinheiro em espécie. Além disso, não me consta existir na legislação eleitoral anterior a 96 alguma norma restritiva ao uso de recursos de terceiros no pagamento de serviços de uma campanha -tendo em vista o lastro legal na renda da pessoa física que fez o pagamento.

Folha - Sim, mas há controvérsia a respeito. Há quem entenda que o candidato devesse ter declarado. Nesse caso o sr. pode ter participado, ainda que indiretamente, de uma operação irregular...
Jereissati -
Eu não fiz nada de ilegal. Apenas aluguei um avião para uma pessoa usar. Se essa pessoa precisava declarar -o que eu não sei, acho que não precisava-, é um assunto sobre o qual não tenho influência.

Folha - O sr. contribuiu em 94 para a campanha ao Senado de José Serra. Dois anos depois, em 96, ele se candidatou à Prefeitura de São Paulo. O sr. também contribuiu na campanha de 96?
Jereissati -
Prefiro não falar sobre esse assunto.


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