|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DOMINGUEIRA
Brasilianistas
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
A nova geração de brasilianistas, como informa o caderno
Mais! de hoje, está dando menos atenção à grande história e
à política para se fixar em áreas
mais específicas, como raça, sexo e religiosidade.
Perigo.
Raça, sexo e religiosidade são
temas que guardam diferenças
importantes quando ambientados no Brasil ou nos Estados
Unidos. As duas sociedades têm
origens diversas e elaboraram,
também diversamente, esses aspectos da vida sócio-cultural
-o que cria o risco de se tentar
interpretar o outro contaminado pela sua própria experiência
ou por suas supostas "soluções".
A julgar unicamente pelas entrevistas publicadas pelo Mais!,
o que certamente é pouco, há
indícios de que esse perigo pode
não ser só uma hipótese. Jeffrey
Lesser, por exemplo, professor
do Connecticut College, parece
convencido de que a ideologia
multiculturalista em voga nos
EUA é um modelo a ser seguido.
Dá a impressão de que o Brasil,
ao não fazê-lo, estaria num estágio "atrasado".
Lesser queixa-se de que as
pessoas quando indagadas sobre questões raciais e étnicas
preferem deixá-las de lado em
favor da identidade "brasileiro". Ele diz que isso é coisa "para inglês ver" e acrescenta que
há, aqui, uma contínua pressão
para "esconder o hífen", ou seja, ao contrário dos EUA, ninguém se qualifica ou qualifica o
outro de nipo-brasileiro, hispano-brasileiro, nativo-brasileiro, afro-brasileiro ou euro-brasileiro -fórmulas comuns por
lá.
Ora, é nos EUA, onde o Estado
do Alabama estava, na semana
passada, discutindo a possibilidade de finalmente eliminar
uma lei que proíbe casamento
entre brancos e negros, que há
uma obsessiva necessidade de
se explicitar o hífen, ressaltando as origens étnicas para agrupá-las em departamentos coletivos e estanques.
É um mecanismo que funciona para dar maior visibilidade
aos diversos grupos, facilitando
a conquista de direitos. Mas é
possivelmente a forma encontrada na sociedade americana
para evitar o risco real de o país
se transformar numa espécie
Iugoslávia, com etnias matando-se entre si, num "Do the
Right Thing" coast to coast.
No Brasil, os defensores da estratégia multicultural costumam dizer que pelo menos lá as
coisas são explícitas e os negros
e outras minorias têm mais direitos.
Bem, mais direitos todo mundo tem nos EUA. Assim como
eles têm mais dinheiro, mais
democracia, mais livros, revistas, jornais, filmes, museus, escritores, poetas, pesquisas, patentes, computadores, edifícios,
lanchonetes e sanduíches. Os
EUA são o país mais rico e bem-sucedido do mundo, um "acidente evolutivo" social extremamente vitorioso.
Daí a imaginar que as fórmulas praticadas lá podem ser
transportadas e adotadas na
sociedade brasileira de modo
igualmente exitoso vai uma
enorme distância.
O Brasil não é, a despeito de
aparentes semelhanças históricas, um EUA que ainda não se
realizou ou que está à espera da
adoção de fórmulas lá testadas
para finalmente emergir em sua
grandiosidade; o Brasil é uma
outra sociedade, com outras
possibilidades e potencialidades.
Para ficar na questão racial, o
cenário de demandas étnicas
aqui é substancialmente diverso
do norte-americano, como é diferente a instituição do racismo.
Isso quer dizer que no Brasil não
há discriminação? Que os negros
estão bem? Não, mas quer dizer
que o processo de formação étnica e de identidades no Brasil é
diferente. E que essa diferença, a
depender de como venha a evoluir, pode ter resultados muito
mais interessantes e felizes do
que os obtidos na sociedade
americana. Mas, como diz Caetano Veloso na letra de "Língua", parece que gostamos de
ter inveja até dos negros que sofrem horrores nos guetos do
Harlem.
Texto Anterior: Sociedade de tele não inclui BNDESPar Próximo Texto: Entidade denuncia violência contra jornalistas brasileiros Índice
|