São Paulo, segunda, 6 de julho de 1998

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"MOEDAS ELEITORAIS"
Com 66,8% da área rural ainda no escuro, energia elétrica atrai eleitor; outros benefícios vão de casas a sopas
Luz elétrica dá voto no Brasil "medieval'

João Wainer/Folha Imagem
Vista de casa que acaba de ganhar luz elétrica na zona rural de Pernambuco, região onde barganha por votos na eleição inclui também caixões e vestidos


XICO SÁ
enviado especial a Pernambuco


Levar energia elétrica para lugares que ainda vivem na "idade da pedra" é o principal atrativo utilizado pelos políticos nordestinos para conquistar os eleitores na eleição deste ano.
A nova "moeda eleitoral" vem se somar a uma série de outras adotadas em todo o país, como cestas básicas, casas populares, poços artesianos e até sopas (leia texto nesta pág.).
Numa região em que 66,8% das propriedades rurais ainda estão no escuro, o "fiat lux" dos políticos, na avaliação dos marqueteiros, é quase um milagre que o eleitor não esquece na hora do voto.
Em Pernambuco, o governador Miguel Arraes (PSB) tenta sair de uma situação desconfortável nas pesquisas eleitorais e aposta justamente no chamado milagre da luz.
Com 24% das intenções de voto na última pesquisa Datafolha, contra 56% do favorito Jarbas Vasconcelos (PMDB), Arraes tem como um dos principais trunfos da sua campanha a instalação de energia elétrica para 100 mil famílias rurais este ano.
Para o publicitário Duda Mendonça, responsável pela propaganda do governador de Pernambuco, este será um dos motes em evidência no programa do horário gratuito do rádio e TV.
O próprio Arraes, que pretende governar o Estado pela quarta vez, tem largado o seu habitual silêncio e ido a emissoras de rádio e TV de Recife para louvar o seu programa de eletrificação rural que pode melhorar seu desempenho nas pesquisas eleitorais.

"Adeus lampião"
Em ano de Copa do Mundo, a troca do lampião, lamparina ou candeeiro por por um "bico" de luz também é "moeda" eleitoral em alta no Rio Grande do Norte, Bahia, Piauí e Ceará.
"Já pensou o que significa para um matuto da roça ligar uma televisão pela primeira vez e assistir aos jogos da Copa?", pergunta o prefeito do município cearense de Tauá, João da Luz (PDT).
O prefeito, que conquistou o mandato com 11.806 votos, resolveu levar o seu sobrenome ao pé da letra e investe no seu prestígio político na energia elétrica.
Nos últimos meses, Tauá, que tem hoje cerca de 50 mil habitantes, ganhou 876 novas casas iluminadas na roça.
Para João da Luz, cabo eleitoral importante no sertão cearense, a eletricidade é tão atraente, mesmo neste ano de seca, quanto a distribuição de cestas básicas ou a oferta de vagas nas frentes de trabalho -outras duas "moedas" influentes no Nordeste.
Uma das vantagens apontadas pelos políticos na luz elétrica é a permanência do eleitor no seu domicílio, derrubando as estatísticas de migração para as áreas urbanas. "Aqui no meu município, muita gente voltou da cidade para a roça", diz o prefeito de Tauá. "Ninguém gosta de escuro", conclui ele.
Em Vitória de Santo Antão , no Estado de Pernambuco, o barulho do motor-bomba tem sido responsável por segurar na zona rural uma legião de pelo menos 5.000 pessoas que receberam nos últimos anos a luz elétrica.
"Ficava indo e voltando para São Paulo, até que um dia colocaram um poste na frente da minha casa e resolvi ficar quieto", diz Severino de Souza Filho, 38, pequeno agricultor do município.
Com o motor-bomba, o agricultor passou a ter garantida a irrigação para molhar as suas plantações de alface, coentro e cebola.
Toda produção de Severino é vendida para supermercados de Recife.
O Nordeste, segundo dados do sistema Eletrobrás, que controla as empresas de energia elétrica, possui 2,4 milhões de propriedades rurais ainda no escuro.
Só perde para a região Norte, que tem 553,9 mil das 569 mil propriedades rurais sem luz.
No Brasil, segundo as estimativas da Eletrobrás, aproximadamente 20 milhões de pessoas não sabem ainda o que é acender uma lâmpada elétrica.



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