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ENTREVISTA DA 2ª/WILLIAM POLLACK
Educação de meninos está em crise no Primeiro Mundo
Psicólogo de Harvard afirma que falta de atenção na escola e na família faz com que os garotos tenham problemas de aprendizado e fiquem mais agressivos
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A principal preocupação da
maioria dos países nas duas últimas décadas, no que se refere
à educação, foi reduzir a desigualdade de gênero, dando às
meninas especial atenção.
Esse movimento teve impactos positivos na melhoria da escolaridade delas, mas, na avaliação do psicólogo norte-americano William Pollack, diretor
do Centro para Homens e Jovens Homens do Hospital
McLean -vinculado à Faculdade de Medicina de Harvard-,
foi cometido um grave erro:
"Partimos do princípio de que
os meninos estavam indo bem,
mas eles não estavam".
Para ele, essa falta de atenção
na escola ou em casa contribuiu
para que, em vários países ocidentais, os meninos estejam
cada vez mais atrasados na educação e agressivos. Autor do livro "Meninos de Verdade
-Conflitos e Desafios na Educação de Filhos Homens", Pollack
diz que se trata de uma crise comum a quase todos os países do
mundo ocidental e que vem
crescendo recentemente.
O quadro descrito pelo psicólogo, com base em suas pesquisas nos EUA, é bem conhecido
dos brasileiros. Aqui, as estatísticas do IBGE mostram que os
jovens do sexo masculino são
seis vezes mais propensos a
morrer de causas violentas do
que as mulheres da mesma faixa etária.
A crise de violência entre jovens no Brasil não se restringe
aos mais pobres. No mês passado, por exemplo, cinco jovens
de classe média espancaram
uma empregada doméstica no
Rio de Janeiro e justificaram o
ato dizendo que a confundiram
com uma prostituta.
Também aqui, dados do
MEC mostram que eles aprendem menos, repetem mais e
abandonam mais os estudos.
Na opinião de Pollack, diferenças biológicas explicam em
parte esse fenômeno, mas é
principalmente a forma como a
sociedade interage com os meninos que aumenta suas chances de fracasso na escola e de se
tornarem mais violentos.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
FOLHA - O aumento da agressividade e do fracasso escolar de meninos é mundial?
WILLIAM POLLACK - Não saberia
dizer se é mundial, mas certamente acontece nos Estados
Unidos e em quase todos os países desenvolvidos do ocidente,
ainda que com variações.
A chance de um menino se
envolver em algum tipo de violência nos EUA, como agressor
ou vítima, é cinco ou seis vezes
maior que a de uma menina.
Aqui também eles estão ficando para trás na educação. Não
sei se ocorre o mesmo nos países asiáticos, mas é certamente
algo que acontece em vários
países, e é muito sério.
Às vezes sou criticado por dizer isso, pois falam que é um
discurso que agrada à mídia,
mas não tenho dúvidas de que
se trata de uma crise.
Meninos sempre foram, em
média, mais violentos, mas as
taxas de suicídio entre jovens
do sexo masculino e feminino
nunca foram tão distantes. Antes, era mais fácil para eles
acharem seu lugar na sociedade, entrarem numa universidade e conseguirem um emprego.
Não digo que a situação começou ontem ou no ano passado,
mas é certamente uma tendência crescente nos últimos 20
anos e que não melhora.
FOLHA - O que explica isso?
POLLACK - Há vários fatores. O
que fizemos pelas meninas foi
positivo e maravilhoso, mas, ao
ajudarmos as garotas, partimos
do princípio de que os meninos
estavam indo bem, quando não
estavam. Não nos preocupamos em entender melhor de
que forma eles estavam aprendendo, que tipo de interesse
têm no currículo acadêmico ou
seu comportamento emocional, especialmente nos níveis
iniciais de ensino.
Temos vários estudos americanos que mostram que meninos costumam ter mais problemas de relacionamento com seus professores por causa de
seu comportamento.
Eles se movimentam mais e
têm mais problemas de comportamento, enquanto meninas tendem a ser mais quietas e
pacientes e se relacionam melhor com os professores, especialmente se forem mulheres.
Sabemos também por esses estudos que crianças que tiveram
relações negativas com os professores na educação infantil
tendem a ter médias menores
na escola no futuro.
FOLHA - Essas diferenças são explicadas pela biologia ou são resultado
da educação?
POLLACK - A biologia certamente tem seu papel na explicação,
especialmente no que diz respeito às diferenças do funcionamento do cérebro, mas isso
não pode ser analisado isoladamente, sem levar em conta a
maneira como nos relacionamos com meninos e meninas.
Nossos melhores estudos sobre o cérebro mostram que,
apesar de haver diferenças biológicas, o que mais afeta essas
crianças são os seres humanos
e a forma como nos relacionamos com elas.
A testosterona não explica,
sozinha, por que chegamos a
um grau de violência tão alto
entre meninos. Isso tem a ver
com a natureza da conexão
com os outros. Sempre digo que
as três palavras mais importantes na hora dessa discução são
conexão, conexão e conexão.
Meninos estão muito mais
desconectados em relação aos
adultos em casa, na escola e em
toda a sociedade do que as meninas. Quanto mais desconectados, mais falham.
FOLHA - Por que a sociedade está
falhando na hora de estabelecer essas conexões?
POLLACK - Historicamente, meninas são mais fáceis de serem
conectadas aos adultos. Elas
são mais abertas a falar de seus
sentimentos, mais propensas a
usar palavras em vez de brigar.
É verdade que estamos tendo
também mais brigas entre meninas ou gangues formadas por
elas, mas isso acontece principalmente com meninos.
Comunicar-se com elas exige
menos esforço. Isso é devido
em parte à biologia, mas em
parte por causa do que eu chamo de código masculino [boy
code], que diz que não se deve
mostrar seus sentimentos mais
profundos e que é preciso provar sua masculinidade por
meio de agressividade.
Muitos adultos ficam desapontados por causa dessa
agressividade e acham que o garoto é um menino mau por agir
assim, em vez de alguém triste e
solitário. Mas, quando meninos
ficam tristes e solitários, tornam-se agressivos. Quando
meninas ficam tristes e solitárias, choram e falam.
FOLHA - A sociedade, no entanto, é
violenta e usa esse código masculino. Para sobreviverem, meninos
precisam aprender a se defender.
Como ensinar isso sem incitar à violência?
POLLACK - Nós, às vezes, levamos meninos à loucura dando a
eles mensagens distintas. Sem
dúvida, o mundo real é violento
e é preciso aprender a se defender. Um pai ou mãe que ensina
seu filho a se proteger dessas
ameaças está agindo certo.
Nem todo mundo tem que ser
Jesus e oferecer a outra face.
Mas essa reação deve ir apenas
ao nível de proteção, e não de
machucar outra pessoa ou ganhar destaque como agressor.
Quando um adolescente muda para o outro lado e começa a
gostar de ser o agressor, é preciso que um adulto o ajude a perceber isso. É preciso ensiná-los
a fazer essa distinção entre se
defender e agredir e criar zonas
seguras, locais onde os meninos não precisem se proteger
sempre -na escola, em casa ou
em outro lugar. Se fizermos isso, estaremos evitando que se
tornem mais agressivos.
FOLHA - Com a saída das mulheres
para o mercado de trabalho, sobra
menos tempo para dar atenção aos
filhos. Como compensar isso?
POLLACK - De fato, esse novo
modelo familiar [em que a mulher também trabalha fora] tira
mais tempo dos pais para ficarem com seus filhos e tem impactos negativos. Isso afeta
tanto meninas quanto meninos, mas tende a deixar principalmente meninos mais zangados e agressivos por se sentirem desconectados.
Não significa, no entanto,
que tenhamos que voltar ao
modelo familiar tradicional.
Não é culpa dos pais e das mães
que isso esteja acontecendo.
Nos EUA, para que uma família
tenha renda suficiente para
pertencer à classe média, é preciso que tanto o homem quanto
a mulher trabalhem. É preciso
dar mais suporte às famílias.
Precisamos de mais gente para cuidar das crianças. É preciso também que as escolas sejam locais de cuidado e apoio, e não só ambientes pedagógicos.
FOLHA - A resposta de algumas escolas ao aumento da violência foi a
instalação de equipamentos de vigilância ou detectores de armas. Isso
ajuda?
POLLACK - Acho importante
prevenir a violência e, se você
não consegue fazer de outra
forma, que faça coisas como essas. Mas as escolas precisam é
de detectores de humanos.
Descobrimos em pesquisas nos
EUA que, quando o garoto tem
ao menos um adulto em posição de autoridade -professor,
inspetor ou diretor- com
quem se sinta conectado, ele fica menos propenso a se envolver em violência e mais propenso a ir bem na escola.
A resposta, portanto, está nas
relações humanas.
FOLHA - A situação econômica influencia esse comportamento?
POLLACK - A pobreza, com certeza, influencia. Um adolescente de família mais pobre corre
mais risco de se envolver ou ser
vítima de um ato de violência.
Também tem mais probabilidade de abandonar a escola
mais cedo. Mas, mesmo em famílias de classe média ou alta, é
mais provável que um garoto se
envolva em ato violento do que
uma menina.
É preciso ajudar as famílias
mais pobres, mas não é só uma
questão de pobreza. Tem a ver
com a falta de conectividade
com adultos, mesmo que sejam
garotos saudáveis e ricos. Os
pais podem achar que, tendo
saúde e suporte financeiro, eles
não precisam de mais. Mas eles
precisam de afeto, emoção e
cuidado maior dos pais.
FOLHA - Não há o risco de surgirem
pais superprotetores com filhos ultradependentes?
POLLACK - Meninos não devem
ser mais independentes do que
meninas. Vivemos numa sociedade interdependente. Precisamos ser capazes de cuidar de
nós mesmos, mas temos que
nos preocupar também com o
cuidado com os outros. Se temos pais ou mães que permitem que nos desenvolvamos sozinhos, mas que mostram que nos amam e que estão emocionalmente conectados, isso é
saudável, e não doentio.
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