|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
A coerência da
dívida que sumiu
Os US$ 30,3 bilhões que sumiram do estoque da dívida externa brasileira ajudam a arredondar um ponto intrigante da
crise cambial brasileira. Ao contrário do que aconteceu em outros países que passaram por crise semelhante, aqui a dívida externa tinha caído muito pouco
depois da mudança do regime
cambial.
É uma questão de coerência.
Entre 1991 e 1996, os países emergentes foram inundados por um
fluxo recorde de dólares, resultado de uma enorme liquidez e de
baixos juros internacionais. Nos
países que, nesse período, decidiram controlar o câmbio, o apelo
ao endividamento externo foi irresistível: além de dólares fartos e
baratos, o risco cambial era bancado pelo governo.
Quando crises externas e más
políticas internas levaram a sucessivas crises cambiais, o desfecho foi parecido. O câmbio flutuante foi implementado, e o endividamento externo, especialmente o privado, caiu. Além da
menor oferta de dólares pós-crise, o câmbio flutuante tornou incerto o custo futuro de uma desvalorização.
Tome-se os exemplos do México e dos emergentes asiáticos
(com dados do JP Morgan). Entre 91 e 95, quando veio a crise, a
dívida externa mexicana cresceu
42%. Na Coréia, entre 91 e 96, a
dívida cresceu 172% e na Tailândia, 165%. Nas Filipinas e na Indonésia, entre 91 e 99, as dívidas
cresceram, respectivamente, 79%
e 81%. No Brasil, aconteceu o
mesmo. Entre 91 e 98, a dívida
externa cresceu 95%. Só no período do câmbio controlado, depois de 94, a dívida externa total
cresceu 63%, e a dívida externa
privada, 140%.
Até aí, tudo coerente. Nos dois
anos seguintes à crise mexicana,
sua dívida externa caiu 9% e, no
final do ano passado, continuava 7% abaixo do pico de 95. Na
Coréia e na Tailândia, as dívidas
caíram, entre 96 (o pico) e o ano
passado, 20% e 21%. Nas Filipinas e na Indonésia, a dívida continuou crescendo, mais moderadamente, até 99, mas, no final do
ano passado, havia caído, respectivamente, 3% e 8,5%.
No caso do Brasil, foi diferente.
Em maio deste ano, a dívida total era apenas 1,1% inferior à do
final de 98, e a dívida privada,
apenas 0,5% inferior. Aí entra a
revisão de contas do Banco Central. Foram duas mudanças.
Houve uma reclassificação,
transformando empréstimos intercompanhias em investimentos diretos, o que reduziu a dívida em US$ 14,1 bilhões. E houve a
eliminação de US$ 16,2 bilhões
do estoque da dívida.
A soma das reduções ajuda a
melhorar a foto do Brasil junto
aos investidores, ao reduzir o estoque da dívida em relação ao
PIB e as amortizações necessárias. É a segunda mudança, contudo, que tem a ver com a coerência da crise cambial.
Em 98, depois da crise russa, o
Brasil virou a bola da vez, e o risco de uma crise cambial tornou-se altíssimo. O preço dos títulos
emitidos pelo Brasil despencou
no mercado externo. Qualquer
empresa ou banco que tivesse algum dinheiro em caixa só tinha
uma coisa racional a fazer: recomprar sua dívida, às vezes com
até 80% de desconto, e reduzir
seu risco cambial. Só que as regras do BC não permitiam essa
recompra ou liquidação antecipada. A única forma de fazê-lo
era remetendo dólares pelo câmbio flutuante (CC-5), o que era
legal.
Inúmeras empresas fizeram isso, como a imprensa registrou na
época. Só que não deram baixa
na contabilidade do BC. Em
muitos casos, por uma esperteza:
mantinha-se a possibilidade de
remeter dólares futuros por conta de fluxos de pagamentos de
empréstimos que não mais existiam.
Se retirarmos os US$ 16,2 bilhões do estoque atual e compararmos com o pico da dívida registrada, os números brasileiros
ficam mais coerentes com os dos
outros países. A dívida total, em
maio, seria 7,8% menor do que
no pico, e a dívida privada cairia
10,6%. O número real não é esse,
porque as séries serão impactadas também pela reclassificação
dos empréstimos intercompanhias, mas o exercício dá uma
idéia de direção.
É verdade que, no Brasil, empréstimos externos às vezes são a
única forma (além do BNDES)
de se obter recursos a prazo mais
longo. Também é verdade que a
privatização trouxe muito pacote externo de financiamento junto. Mesmo assim, faz mais sentido imaginar que a incerteza do
câmbio tenha feito o setor privado reduzir sua exposição ao risco
em dólar.
O plano argentino
Desde que foi anunciado que a
Argentina teria US$ 3 bilhões do
FMI para renegociar voluntariamente sua dívida com os credores no ano que vem, o mercado
estranhou uma quantia tão pequena para uma tarefa tão grande (a dívida é de US$ 128 bilhões). Arturo Porzecanski, economista-chefe para países emergentes do ABN Amro em Nova
York, tem uma explicação.
Além dos US$ 3 bilhões, o FMI
vai liberar outros US$ 5 bilhões
neste mês, com o objetivo de conter a perda de reservas e de depósitos. Os argentinos acham que,
mantendo o déficit fiscal próximo de zero, a confiança voltará.
Os depósitos, de fato, começaram
a se recuperar, embora as reservas continuem em baixa.
Se a tendência for mesmo de
melhora, a idéia é que, no início
do próximo ano, o risco Argentina será menor e o país poderá
usar também os US$ 5 bilhões,
além dos US$ 3 bilhões prometidos, numa operação cujo alvo
principal seria reduzir o custo da
parcela da megatroca feita em
maio (de US$ 29,5 bilhões), que
saiu com juros altos demais.
Tudo indica que não foram, de
fato, os argentinos que levantaram a sugestão de renegociar a
dívida. A idéia partiu dos americanos e acabou sendo aprovada
numa queda-de-braço com o
FMI. Tudo o que os argentinos
não querem, aparentemente, é
qualquer formato que implique
algum calote.
Arturo acha que há uma boa
chance de uma renegociação limitada e voluntária dar certo,
mas admite que é o mais otimista em Wall Street.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
Texto Anterior: Congresso: Senado aprova emenda que limita uso de MPs Próximo Texto: Inteligência militar: Militares vão auxiliar buscas no Araguaia Índice
|