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FOLCLORE POLÍTICO
Banho de civilização
AUGUSTO MARZAGÃO
Depois de ocupar pela segunda
vez a Prefeitura de São Paulo,
Jânio decidiu voltar a Paris para
"tomar um banho de civilização",
como costumava dizer brincando. Foi rever, então "Les Invalides", onde está o túmulo de Napoleão, a catedral de Notre Dame,
o museu do Louvre, quando demorou cinco horas admirando as
obras primas dos grandes mestres
da pintura e outros santuários da
história e da cultura do país.
Depois tomou o caminho de
uma livraria, em busca de uma
edição especial da obra do dramaturgo Molière, um dos seus autores prediletos na literatura
francesa. Foi atendido por um
mal-humorado gerente que respondeu afirmativamente sobre a
existência ali dos livros pretendidos. Jânio pediu para vê-los, e o livreiro quis saber se o freguês desejava realmente comprá-los. Jânio
retrucou que a compra ficava dependendo de ver os livros e de verificar se o preço estaria dentro de
suas possibilidades.
O sempre mal-humorado vendedor saiu-se com esta para o ex-presidente do Brasil: "Os exemplares se encontram na última
prateleira, e eu não vou ficar como uma aranha tentando pegá-los lá em cima, ainda correndo o
risco de o senhor desistir da compra". Foi o tiro de misericórdia.
Aborrecido, Jânio abandonou a
loja e deixou o livreiro a sós com
sua falta de educação. O banho
de civilização havia sofrido uma
pane na capital do mundo.
No dia seguinte, Jânio sai para
passear na Av. Champs Elysées.
Depara com um ônibus cheio de
turistas brasileiros, de onde saem
quase todos para cercar o compatriota ilustre e sua mulher, Eloá,
pedindo autógrafos e para posarem em fotografias. Logo um casal chegou bem perto de Jânio, e o
marido fez a clássica e detestável
pergunta: "Dr. Jânio, o senhor sabe quem eu sou? Por favor, pense
bem antes de responder". Aí o estadista em folga e descontraído
perdeu a paciência: "Ora, meu caro, se o senhor mesmo não sabe
quem é, como é que pretende que
eu saiba? A carreira política não
me concedeu poderes sobrenaturais". Dito o quê, prosseguiu na
sua caminhada, mas com a atenção redobrada para a eventualidade de outros ataques turísticos.
Mais uma vez seria atropelado
o sonhado projeto do banho de civilização, desta vez por intrusos
tupiniquins à solta em Paris.
AUGUSTO MARZAGÃO, jornalista, autor do livro "Memorial do Presente", secretário particular dos presidentes Jânio
Quadros e José Sarney e secretário de
Comunicação Institucional do presidente Itamar Franco, escreve às sextas-feiras
nesta seção
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