São Paulo, sexta-feira, 06 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Banho de civilização

AUGUSTO MARZAGÃO

Depois de ocupar pela segunda vez a Prefeitura de São Paulo, Jânio decidiu voltar a Paris para "tomar um banho de civilização", como costumava dizer brincando. Foi rever, então "Les Invalides", onde está o túmulo de Napoleão, a catedral de Notre Dame, o museu do Louvre, quando demorou cinco horas admirando as obras primas dos grandes mestres da pintura e outros santuários da história e da cultura do país.
Depois tomou o caminho de uma livraria, em busca de uma edição especial da obra do dramaturgo Molière, um dos seus autores prediletos na literatura francesa. Foi atendido por um mal-humorado gerente que respondeu afirmativamente sobre a existência ali dos livros pretendidos. Jânio pediu para vê-los, e o livreiro quis saber se o freguês desejava realmente comprá-los. Jânio retrucou que a compra ficava dependendo de ver os livros e de verificar se o preço estaria dentro de suas possibilidades.
O sempre mal-humorado vendedor saiu-se com esta para o ex-presidente do Brasil: "Os exemplares se encontram na última prateleira, e eu não vou ficar como uma aranha tentando pegá-los lá em cima, ainda correndo o risco de o senhor desistir da compra". Foi o tiro de misericórdia. Aborrecido, Jânio abandonou a loja e deixou o livreiro a sós com sua falta de educação. O banho de civilização havia sofrido uma pane na capital do mundo.
No dia seguinte, Jânio sai para passear na Av. Champs Elysées. Depara com um ônibus cheio de turistas brasileiros, de onde saem quase todos para cercar o compatriota ilustre e sua mulher, Eloá, pedindo autógrafos e para posarem em fotografias. Logo um casal chegou bem perto de Jânio, e o marido fez a clássica e detestável pergunta: "Dr. Jânio, o senhor sabe quem eu sou? Por favor, pense bem antes de responder". Aí o estadista em folga e descontraído perdeu a paciência: "Ora, meu caro, se o senhor mesmo não sabe quem é, como é que pretende que eu saiba? A carreira política não me concedeu poderes sobrenaturais". Dito o quê, prosseguiu na sua caminhada, mas com a atenção redobrada para a eventualidade de outros ataques turísticos.
Mais uma vez seria atropelado o sonhado projeto do banho de civilização, desta vez por intrusos tupiniquins à solta em Paris.


AUGUSTO MARZAGÃO, jornalista, autor do livro "Memorial do Presente", secretário particular dos presidentes Jânio Quadros e José Sarney e secretário de Comunicação Institucional do presidente Itamar Franco, escreve às sextas-feiras nesta seção



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