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ENTREVISTA
Para Sônia Míriam Draibe, da Unicamp, habitação e saneamento estacionaram, enquanto educação registrou avanços
País vive dois ritmos em políticas públicas
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Há coisas no Brasil que melhoram nos últimos anos, como a
educação. Outras pioram ou estão
estagnadas, como a habitação e o
saneamento básico. É o que diz
Sônia Míriam Draibe, 58, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas).
Os programas avaliados pelo
núcleo não pertencem só às esferas da União e dos Estados, que
têm seus governantes escolhidos
hoje. Dizem também respeito aos
municípios, que bem ou mal têm
hoje mais responsabilidades e dividem os elogios por seus acertos
ou as críticas por seus malogros.
Folha - Há metodologias que permitam apontar as melhores e as
piores políticas públicas?
Sônia Draibe - Creio que sim. Se
olharmos para a década de 90, o
país tinha como meta terminar a
universalização do ensino fundamental e começar a mexer nos
nós da educação, que eram os baixíssimos salários dos professores,
a formação deficiente deles e ainda a pequena cobertura do segundo grau, que apesar de tudo ainda
tem hoje matriculados só 32% das
crianças da faixa etária equivalente. Eram 16% em 1991. No caso do
ensino elementar, frequentam a
escola 97% das crianças, em lugar
dos 89% no início da década passada. Isso já é, estatisticamente,
universalização. Na França, o ensino é universalizado, mesmo se
4% das crianças não estejam matriculadas. Como há mais crianças saindo da escola elementar, há
também demanda maior pelo ensino de segundo grau.
Folha - Como estão a repetência e
a evasão escolar?
Draibe - A cada 100 crianças que
se matriculavam na primeira série
no começo da década, menos de
50 terminavam a oitava série. Mas
as coisas estão melhorando bem
aos poucos. A taxa de evasão caiu
de 5,3%, em 1995, para 4,8%, em
2000. Nesse período, a repetência
caiu de 30% para 21,6%.
Folha - E a qualidade desse ensino. Ela piorou, melhorou?
Draibe - Em primeiro lugar, o
sistema é descentralizado, com
parte dos recursos do governo federal e a execução de Estados e
municípios. Estes aliás são os que
põem mais dinheiro. Há mais de
5.000 redes municipais. São elas
que registram a mais baixa qualificação. Como tratar da questão
dos salários? Só no ensino fundamental há mais de 1,2 milhão de
professores. No Estado de São
Paulo são 250 mil. Qualquer mexida na folha salarial dá um aumento de despesas considerável.
Folha - Há um círculo vicioso?
Draibe - Exato. Baixo salário dá
em má qualificação, e não se melhora a qualificação se não se desatar o nó salarial. É nesse ponto
que foi importante o Fundef
(Fundo de Valorização do Ensino
Fundamental). Estados e municípios investem, e a União se obriga
a completar quando não se reunir
pouco mais de R$ 400 anuais por
aluno. Parte desse dinheiro, 60%,
pode ser usada para melhorar salários dos professores da rede.
Folha - Saneamento e habitação
têm dado certo?
Draibe - Não. São exemplos daquilo que não cresce na velocidade que poderia crescer. Saneamento e habitação estão interligados. Na época do BNH (Banco
Nacional de Habitação) havia um
sistema de financiamento. Mesmo assim, uma ressalva: em 24
anos o BNH fez 30 milhões de
unidades habitacionais. Mas só
3% foram habitações populares. E
ao mesmo tempo, após a expansão das redes de saneamento nos
anos 70, as prefeituras não tiveram acesso a esses fundos. Com o
fim do BNH, acabou a política nacional de saneamento, embora a
Caixa Econômica tenha programas na área, ainda que reduzidos.
Folha - Qual o tamanho do déficit
habitacional?
Draibe - Faltam 6 milhões de habitações. É o que se diz mais consensualmente. Um quinto dos domicílios não é servido por redes
de água, e 35% não são alcançados por redes de esgoto, segundo
o IBGE. Não há financiamento
para melhorar isso. As prefeituras
estão meio perdidas.
Folha - Falemos da saúde, que entrou na linha de mira na campanha
eleitoral. Qual grande nó persiste?
Draibe - É problemático desafogar a rede nas regiões metropolitanas. E isso se faz com investimentos em redes secundárias.
Não se pode fazer do hospital a
porta de entrada de tudo. Hospital não é para fazer curativos. É
preciso acelerar o aumento da
produtividade dos postos de saúde, que hoje fazem o que não faziam há alguns anos. Mesmo assim, ainda falta o hospital pequeno, secundário. Esperava-se que
ele surgisse para completar o SUS
(Sistema Único de Saúde).
Folha - Há no Brasil algo de algo
de inédito e que deu certo?
Draibe - Sim. Na década de 90 o
país criou mecanismos de transferência de recursos, em dinheiro,
para os mais pobres [..." Essas
transferências estão em quase
2,5% do PIB, se juntarmos bolsa-escola, bolsa-alimentação, programa de erradicação do trabalho
infantil ou aposentadorias de trabalhadores agrícolas.
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