São Paulo, quarta-feira, 06 de novembro de 2002

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ELIO GASPARI

Pague o pacto, pato: congele seu salário

Lá vem o pacto. Ainda bem que o presidente da poderosa Federação das Indústrias de São Paulo, Horacio Lafer Piva, mostrou o cabo da peixeira. A saber:
"Eu tenho a impressão de que nós vamos ter de identificar aquelas categorias de empregados que tiveram uma perda de renda muito significativa e, nessas, promover um reajuste salarial, mas também teremos que identificar aquelas que poderão esperar um pouco mais para reajustar salários".
Como diria James Carville, o marqueteiro de Bill Clinton: "Segure os salários, idiota".
A maior eleição da história do Brasil, uma das maiores do mundo, ainda não completou um mês e o empresariado paulista quer empurrar um congelamento light de salários num governo petista. A banca, o tucanato, a Fiesp e os economistas do risco Brasil estão fazendo uma confusão: confundem o mandato da crise (que é deles), com o mandato popular (que é do presidente eleito).
Lula teve 51 milhões de votos. Colocando a coisa de outra maneira: 51 milhões de brasileiros quiseram Lula na Presidência da República.
Eleição difere de pesquisa. Enquanto as pesquisas, como as partidas de futebol, produzem resultados, as eleições produzem mandatos. Essa característica essencial da consulta popular vale tanto para Lula com suas estrelas vermelhas como para os republicanos do presidente George W. Bush na eleição de hoje. Os americanos entendem isso. No Brasil, infelizmente, o andar de cima ainda não entendeu que, uma vez eleito, o presidente da República está de posse de um mandato para fazer o que disse que faria. Nada, senão a malversação de sua própria palavra, manda que ouça do andar de cima o que deve ou não deve fazer.
O pacto da Fiesp nasce velho, manco e cego. Velho porque Piva já propôs coisa semelhante em 1998, numa situação bem mais embaraçosa, sem falar em congelamento de salários. Manco, porque se o empresariado vai para a mesa pensando em tirar impostos das costas e salários das folhas, não encontrará quem esteja disposto a levar a conversa a sério. Cego porque finge que não vê o Congresso Nacional, foro adequado para os debates da da vida pública nacional. Conversas de pacto, mesmo com as melhores das intenções, cheiram a demagogia e malandragem antilegislativa.
No centro da argumentação do doutor Piva está o registro das dificuldades do país. É o mandato da crise. Do governo FFHH, que com sua ekipekonômica arruinou a nação. Da banca, que se fartou. Do empresariado, que não teve o desassombro de Piva ao criticar sistematicamente os juros altos e a república do papelório. Nove em cada dez grandes empresários preferiram reclamar do governo jantando no Alvorada. (FFHH brindava os convidados com um número que aprendeu com Bill Clinton: mostrava-lhes o banheiro, deslumbrando-os, pois o Alvorada tem mictório na sala masculina.)
O presidente da Fiesp argumenta, com lógica: "O melhor é ter um ano ruim para três bons". Como raciocínio nada melhor. Como prática, um horror, Desde 1995 a ekipekonômica repete esse argumento e a cada ano ruim sucedeu-se outro ano ruim. Em 1999, quando o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, projetou os fundamentos teóricos de um crescimento de 6% (coisa que está fazendo de novo), Piva riu-se: "Precisaremos estar vivos até o médio prazo para conseguirmos aproveitar esse crescimento." Na mosca. Na projeção de Armínio, a choldra tinha que esperar, aguentando o desemprego. No pacto da Fiesp a coisa vai pior: fica o andar de baixo desempregado e quem tiver emprego pode ter seu salário congelado.
Disse o doutor Piva no início de outubro que Lula deveria "controlar os ímpetos dos seus correligionários".
Terrível tarefa a de Lula, controlar os ímpetos dos companheiros da Fiesp.


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