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JANIO DE FREITAS
Humanos e desumanos
O mundo comemora nesta semana, quinta, 10, os 50 anos da
Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Feliz será o dia em que,
no lugar de mundo, seja possível
dizer que a humanidade celebra a
Declaração. É muito grande ainda o número bilionário dos que
nem sequer sabem dessa bandeira
de todos os seres humanos, o que,
por si só, vale como medida de
quão distantes estão dos direitos
que nela lhes são reconhecidos.
Mas o que a Declaração já fez pela
defesa do ser humano, contra a
prepotência, nada deve à obra dos
séculos.
As violações aos direitos humanos continuam pelo mundo afora.
Impedir sua prática não é, no entanto, o avanço proporcionado
pela Declaração. Nenhuma carta
teria esse poder. O avanço está na
difusão da consciência dos direitos criados pela força só do fato de
viver. O texto da Declaração não
precisou ser conhecido para oferecer tal consciência. Os seus princípios disseminam-se como grãos
de pólen, imperceptíveis e procriativos, que os ventos livres e as
correntes de informação levam
mundo afora. E um só artigo que
germine em uma consciência individual faz surgir, em breve,
uma seara.
O reconhecimento efetivo, prático, dos direitos definidos na Declaração é, ainda, uma construção incompleta mesmo na maioria dos países reconhecidos como
civilizados. Nos que se caracterizam pela presença de miséria, pela concentração da renda, distribuição precária da Justiça, insegurança urbana, violência e corrupção das polícias, parlamentos
indeferentes à sociedade e métodos pouco democráticos de governo, nesses países a prática da Declaração nem incompleta é: mal
começou, no pouco que começou.
O que faz penosa essa marcha
são causas tão diferentes quanto
diferem os países. De comum a todos, há a resistência do poder econômico, da classe rica, com sua
voracidade para centralizar a
posse das riquezas, das formas todas de poder e, assim, impor domínio e não equidade. São as sociedades onde os privilégios da
minoria, para existirem, restringem os direitos da maioria. Mas
as maneiras como se dá essa
opressão dos direitos é variada,
complexa e quase sempre inexplícita, sutil.
Ninguém dirá que o governo
brasileiro é contrário aos direitos
prescritos na Declaração cujo aniversário, por certo, saudará como
se tivesse, para isso, a mesma autoridade do governo sueco, dinamarquês, norueguês, canadense.
Embora não lhe caiba aquela
acusação, todas as bases teóricas e
práticas de sua administração
conflitam, frontalmente, com numerosos artigos da Declaração
que tratam das obrigações socioeconômicas do Estado para com
cada pessoa e cada família.
Se os quatro anos de política
econômica e de desastre na assistência à saúde e ao ensino não
fossem suficientes, como exemplos de incompatibilidade com a
Declaração, as medidas do presente "pacote fiscal" são todas,
sem exceção, de natureza eminentemente anti-social. Redução
das aposentadorias, das pensões
por doença temporária e por invalidez permanente, e dos vencimentos mesmos, pelo aumento do
desconto; corte das verbas já insuficientes da Saúde e da Educação,
da ciência e da cultura, do saneamento, da habitação e da segurança pública. Aumentos, também, mas da recessão, do desemprego e, por consequência, do empobrecimento da maioria social e
do próprio país.
O 30º artigo da Declaração consiste em uma advertência protetora, contra interpretações de má-
fé, dos princípios definidos nos
demais artigos. Desses 29, não é
difícil admitir que o Brasil é cumpridor de dez (8, 10, 13, 14, 15, 17,
18, 19, 20 e 21). O que significa reconhecer que o Brasil, em graus
variáveis, descumpre 19 dos artigos. Ou seja, descumpre dois terços da Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
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