São Paulo, domingo, 6 de dezembro de 1998

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23 ministros deram referendo ao AI-5

da Reportagem Local

Havia constrangidos e despudorados na reunião de 23 ministros e oficiais que referendou o AI-5 no Palácio das Laranjeiras, no Rio.
José de Magalhães Pinto, ministro das Relações Exteriores, era um dos violentados. Dizia que nem quando ajudou a depor o presidente João Goulart em 1964 sentia-se tão constrangido. Sabia que o AI-5 criava uma ditadura.
Despudorado era o brigadeiro Carlos Huet Sampaio, chefe do Estado Maior da Aeronáutica. Para ele, o movimento de 1964 teve um "início melancólico" ao se preocupar com a Constituição.
Venceram os despudorados. Jarbas Passarinho, numa frase histórica, apontou a saída aos constrangidos: "Sei que a vossa excelência repugna, como a mim, enveredar pelo caminho da ditadura. Mas às favas todos os escrúpulos de consciência", disse na reunião.
Havia uma profunda divisão no governo. Com o crescimento da oposição estudantil, cuja expressão mais famosa foi a "Passeata dos Cem Mil", no Rio, e a guerrilha, a linha-dura ganhou força.
A disputa veio à tona em setembro de 1968. O deputado carioca Marcio Moreira Alves, do MDB, partido de oposição, fez um discurso na Câmara em que chamava as Forças Armadas de "valhacouto (refúgio) de torturadores" e fazia uma gozação: propunha que as mulheres rejeitassem os militares, fizessem uma greve de sexo, como em "Lisístrata", de Aristófanes.
Os militares ficaram enfurecidos e queriam processar Alves no Supremo Tribunal Federal -quebra da imunidade parlamentar.
"O discurso não tinha a menor importância. A principal razão de terem usado o discurso foi o fato de ter sido pronunciado na Câmara. Eles queriam fechar o Congresso desde junho", diz Alves, hoje colunista do jornal "O Globo".
O governo enviou à Câmara um pedido de licença para que o deputado fosse processado e, a 12 de dezembro, foi derrotado. Apesar de ter a maioria dos deputados, o pedido teve 216 votos contra e 141 a favor. Até deputados governistas, da Arena, votaram contra.
"Eles vão ter a resposta", teria dito Costa e Silva ao general Jayme Portella, chefe do Gabinete Militar.
Não foram só os deputados que viram a resposta. Naquele mesmo dia 12 de dezembro, o general Portella censurou a imprensa para evitar repercussão da derrota. A linha-dura conspirou a noite toda, como contou à Folha Rondon Pacheco, chefe da Casa Civil do governo.
Pacheco lembra que Emílio Garrastazu Médici, chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) em 1968 e futuro presidente, disse-lhe: "O Costa e Silva só não foi deposto naquela noite porque era ele, porque tinha autoridade". O general Muniz Aragão era um desses conspiradores. Criticava a tolerância de Costa e Silva à corrupção.
Aí as interpretações sobre as intenções de Costa e Silva divergem. Delfim, Passarinho, Pacheco e Arzua dizem que o presidente manteria o regime de exceção até setembro de 1969, quando outorgaria outra Constituição, reabriria o Congresso e acabaria com o AI-5.
"Aquilo (AI-5) não era para implantar uma ditadura, era uma coisa de curtíssimo prazo", afirma Delfim. "Se o Costa e Silva não tivesse tido o derrame, em 7 de setembro de 1969, ele teria promulgado a Constituição."
O presidente Ernesto Geisel tinha visão oposta. Em conversa com Jô Soares, Geisel contou que havia sugerido a Castelo Branco, o primeiro presidente do regime militar, afastar Costa e Silva do poder. "O senhor não se iluda. Na primeira dificuldade que tiver, ele vira ditador", avisou. A história daria razão a Geisel. (MCC)



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