|
Texto Anterior | Índice
OPINIÃO
Covas, o teimoso
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Engenheiro, obcecado por números, quando metia uma idéia
na cabeça era mais fácil retirá-la a
golpes de machado do que pela
conversa. Mas cedia a uma argumentação pétrea.
Como foi possível a esse engenheiro fazer brilhante carreira política, quando no mundo contemporâneo tudo caminha para o espetáculo, a própria política vindo
a ser muito mais o fascínio do
show do que processo de negociação racional?
Porque ele possuía extraordinário senso de oportunidade para a
coisa pública, a capacidade de distinguir na multidão de problemas
que assalta um político o caminho, levando à consecução de
seus objetivos.
Isso foi demonstrado sobejamente na sua administração como governador. Eleito na onda
provocada pela sustentação do
Real, início de uma nova ordem
econômica no país, compreendeu
claramente que, nas condições
em que opera o novo capitalismo,
não há como fugir do equilíbrio
nas contas públicas. Por mais doloroso que seja o ajuste fiscal, o
desequilíbrio traz consequências
perversas muito piores do que
buscar a todo custo corresponder
receitas e despesas.
Todo o seu primeiro mandato
orientou-se no sentido de cumprir essa meta. Se políticas sociais
mais amplas poderiam ter sido
implementadas, só a história poderá dizer, quando sua atuação
for avaliada em vista dos recursos
políticos disponíveis no momento. Mas desde já impressiona seu
exemplo, a vontade férrea de selecionar o melhor que, a seu ver, o
povo merecia. Por isso, despertava confiança até mesmo em seus
adversários.
Doía-lhe o seu isolamento, a pequena ressonância de uma política que acreditava nada mais visar
do que o bem público.
Compreendia a revolta do funcionalismo com salários comprimidos que, naturalmente reclamando de seu sacrifício, não via a
razão para arcar com um ônus
evidentemente mal distribuído.
Por isso discutia com ele, agredia
quando era agredido, fazendo
disso prova de consideração.
No entanto, por mais que sua
política fosse impopular, sempre
preferiu manter-se fiel às suas
convicções do que curvar-se às
preferências do momento. Nunca
evitou estragos em sua popularidade, se para isso fosse necessário
fazer concessões. Conseguiu ir
para o segundo turno da última
eleição para governador, vencendo Marta Suplicy por diferença
mínima.
E, agora, quando os frutos de
sua política apertada começavam
a brotar por todos os cantos, a
morte o levou. Talvez para que
não deixasse, na política nacional,
imagem ambígua, porquanto, nas
condições de hoje, em que tudo é
permitido, não convém preservar
a nitidez de seu exemplo.
José Arthur Giannotti é filósofo, professor emérito da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor de "Certa Herança
Marxista" (Companhia das Letras)
Texto Anterior: Enterro terá salva de tiros Índice
|