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ARTIGO
A eleição brasileira pode modificar o mapa político da região
ANDRES OPPENHEIMER
Se você acha que a administração Bush tem problemas na América Latina com as crises mais recentes na Argentina, Colômbia e
Venezuela, pense no que ela pode
enfrentar se o candidato brasileiro de esquerda Luiz Inácio Lula da
Silva ganhar a eleição presidencial
deste ano no maior país da região.
Para começo de conversa, uma
guinada à esquerda no Brasil abriria o caminho para a criação de
um bloco nacional-populista sul-americano -que também incluiria a Venezuela e a Argentina-
que faria oposição forte ao plano
respaldado pelos EUA de criar a
Área de Livre Comércio das Américas, ou Alca, até 2005. É concebível que o novo bloco "globofóbico" pudesse fortalecer seus laços
com Cuba e com a guerrilha marxista colombiana.
Embora a visão consensual nos
círculos diplomáticos americanos
venha sendo que Lula não derrotará um candidato mais conservador se houver um segundo turno,
as pesquisas de intenção de voto
mais recentes no Brasil causaram
algum espanto. A resposta padrão
dos especialistas americanos passou de "é pouco provável que Lula
ganhe" para "não se pode excluir
a possibilidade de Lula ganhar".
"Está ficando cada vez mais claro que tudo pode acontecer nesta
eleição", diz William Perry, ex-integrante do grupo de assessoria
latino-americana da equipe de
transição do presidente Bush.
Perry está escrevendo um relatório sobre as eleições no Brasil para
o Centro de Estudos Estratégicos
e Internacionais, de tendência
conservadora, em Washington.
"Pessoalmente, acho que Lula
tem tantas ou até mais chances de
ganhar do que qualquer outro dos
três candidatos principais."
Divulgada esta semana pelo instituto de pesquisa brasileiro Vox
Populi, o levantamento mais recente mostra Lula com 30% das
intenções de voto, sendo que em
21 de março tinha 26%. O candidato do PT é seguido pelo ex-ministro da Saúde José Serra, o candidato do governo, com 19%, a
governadora do Maranhão, Roseana Sarney, com 14%, e o ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, também com
14% das intenções de voto.
É verdade que já assistimos a esse filme várias vezes. Lula esteve
na dianteira nas pesquisas de intenção de voto em três eleições
presidenciais anteriores -e perdeu todas. Como o eterno candidato da esquerda mexicana
Cuauhtémoc Cárdenas, Lula não
conseguiu até hoje conquistar o
voto dos eleitores moderados,
ampliando sua base de apoio.
Hoje, porém, uma minoria crescente de brasilianistas influentes
em Washington diz que as coisas
podem mudar. Para eles, há diversas razões pelas quais Lula tem
boas chances de vencer a eleição
primária de 6 de outubro e até
uma chance razoável de ele vencer um possível segundo turno
em 27 de outubro.
Em primeiro lugar, os índices de
rejeição de Lula caíram de cerca
de 50%, na eleição passada, para
mais ou menos 40% hoje. No caso
de a disputa chegar ao segundo
turno, em que o candidato que
obtiver mais da metade dos votos
é eleito, a queda do índice de rejeição de Lula para menos de 50%
pode constituir um bom augúrio
para o candidato da esquerda.
Em segundo lugar, no caso de
um segundo turno, Lula provavelmente ficaria com os votos de
esquerda que, nas sondagens
mais recentes, foram dados a Garotinho e ao candidato de centro-esquerda Ciro Gomes.
Em terceiro lugar, o escândalo
de corrupção envolvendo Roseana Sarney, cujo marido teve seu
escritório invadido e revistado pela polícia, numa iniciativa vista
como visando desacreditar a governadora e ajudar seu rival Serra,
que conta com o apoio do governo, provocou um racha expressivo na coalizão de centro-esquerda
que ajudou o presidente Fernando Henrique Cardoso a ganhar as
duas últimas eleições. Há tanta
má vontade entre as duas partes
que a coalizão governamental pode ter passado do ponto em que
ainda poderia ser consertada.
Em quarto lugar, embora Lula
continue a fazer peregrinações a
Cuba e a declarar que o acordo de
livre comércio hemisférico defendido pelos EUA constitui uma
tentativa americana de "anexar" a
América Latina, alguns observadores acham que ele pode estar se
desviando para o centro.
Dois ex-funcionários de alto escalão do Departamento de Estado
me disseram esta semana, em entrevistas distintas, que uma vitória de Lula não necessariamente
levará a transformações radicais
no Brasil ou na América do Sul.
"Acho que ninguém em Washington espera que Lula ganhe,
porque sua vitória representaria
um potencial revés para o processo de integração", diz Bernard
Aronson, ex-diretor do escritório
de assuntos latino-americanos do
Departamento de Estado. "Mas já
houve candidatos que soavam
populistas mas, ao chegarem ao
poder e se defrontarem com a realidade das finanças globais, acabaram buscando opções diferentes." E Peter Romero, que encabeçou o escritório de assuntos latino-americanos do Departamento
de Estado até aposentar-se, em
2001, me disse: "Acho que o Brasil
não poderá se dar ao luxo de não
fazer parte da Alca nem mesmo
com Lula. Haveria preocupação e
um período de incerteza -mas a
realidade do exercício da Presidência faz uma grande diferença."
Pode ser. Mas, devido ao peso
do Brasil na América Latina, uma
vitória de Lula transformaria o
mapa político da América Latina,
multiplicando as dores de cabeça
da administração Bush.
Andres Oppenheimer é correspondente
na América Latina do jornal "Miami Herald". Seu e-mail é:
aoppenheimer@herald.com
Tradução de CLARA ALLAIN
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