São Paulo, domingo, 07 de abril de 2002

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ARTIGO

A eleição brasileira pode modificar o mapa político da região

ANDRES OPPENHEIMER


Se você acha que a administração Bush tem problemas na América Latina com as crises mais recentes na Argentina, Colômbia e Venezuela, pense no que ela pode enfrentar se o candidato brasileiro de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva ganhar a eleição presidencial deste ano no maior país da região.
Para começo de conversa, uma guinada à esquerda no Brasil abriria o caminho para a criação de um bloco nacional-populista sul-americano -que também incluiria a Venezuela e a Argentina- que faria oposição forte ao plano respaldado pelos EUA de criar a Área de Livre Comércio das Américas, ou Alca, até 2005. É concebível que o novo bloco "globofóbico" pudesse fortalecer seus laços com Cuba e com a guerrilha marxista colombiana.
Embora a visão consensual nos círculos diplomáticos americanos venha sendo que Lula não derrotará um candidato mais conservador se houver um segundo turno, as pesquisas de intenção de voto mais recentes no Brasil causaram algum espanto. A resposta padrão dos especialistas americanos passou de "é pouco provável que Lula ganhe" para "não se pode excluir a possibilidade de Lula ganhar".
"Está ficando cada vez mais claro que tudo pode acontecer nesta eleição", diz William Perry, ex-integrante do grupo de assessoria latino-americana da equipe de transição do presidente Bush. Perry está escrevendo um relatório sobre as eleições no Brasil para o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, de tendência conservadora, em Washington. "Pessoalmente, acho que Lula tem tantas ou até mais chances de ganhar do que qualquer outro dos três candidatos principais."
Divulgada esta semana pelo instituto de pesquisa brasileiro Vox Populi, o levantamento mais recente mostra Lula com 30% das intenções de voto, sendo que em 21 de março tinha 26%. O candidato do PT é seguido pelo ex-ministro da Saúde José Serra, o candidato do governo, com 19%, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, com 14%, e o ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, também com 14% das intenções de voto.
É verdade que já assistimos a esse filme várias vezes. Lula esteve na dianteira nas pesquisas de intenção de voto em três eleições presidenciais anteriores -e perdeu todas. Como o eterno candidato da esquerda mexicana Cuauhtémoc Cárdenas, Lula não conseguiu até hoje conquistar o voto dos eleitores moderados, ampliando sua base de apoio.
Hoje, porém, uma minoria crescente de brasilianistas influentes em Washington diz que as coisas podem mudar. Para eles, há diversas razões pelas quais Lula tem boas chances de vencer a eleição primária de 6 de outubro e até uma chance razoável de ele vencer um possível segundo turno em 27 de outubro.
Em primeiro lugar, os índices de rejeição de Lula caíram de cerca de 50%, na eleição passada, para mais ou menos 40% hoje. No caso de a disputa chegar ao segundo turno, em que o candidato que obtiver mais da metade dos votos é eleito, a queda do índice de rejeição de Lula para menos de 50% pode constituir um bom augúrio para o candidato da esquerda.
Em segundo lugar, no caso de um segundo turno, Lula provavelmente ficaria com os votos de esquerda que, nas sondagens mais recentes, foram dados a Garotinho e ao candidato de centro-esquerda Ciro Gomes.
Em terceiro lugar, o escândalo de corrupção envolvendo Roseana Sarney, cujo marido teve seu escritório invadido e revistado pela polícia, numa iniciativa vista como visando desacreditar a governadora e ajudar seu rival Serra, que conta com o apoio do governo, provocou um racha expressivo na coalizão de centro-esquerda que ajudou o presidente Fernando Henrique Cardoso a ganhar as duas últimas eleições. Há tanta má vontade entre as duas partes que a coalizão governamental pode ter passado do ponto em que ainda poderia ser consertada.
Em quarto lugar, embora Lula continue a fazer peregrinações a Cuba e a declarar que o acordo de livre comércio hemisférico defendido pelos EUA constitui uma tentativa americana de "anexar" a América Latina, alguns observadores acham que ele pode estar se desviando para o centro.
Dois ex-funcionários de alto escalão do Departamento de Estado me disseram esta semana, em entrevistas distintas, que uma vitória de Lula não necessariamente levará a transformações radicais no Brasil ou na América do Sul.
"Acho que ninguém em Washington espera que Lula ganhe, porque sua vitória representaria um potencial revés para o processo de integração", diz Bernard Aronson, ex-diretor do escritório de assuntos latino-americanos do Departamento de Estado. "Mas já houve candidatos que soavam populistas mas, ao chegarem ao poder e se defrontarem com a realidade das finanças globais, acabaram buscando opções diferentes." E Peter Romero, que encabeçou o escritório de assuntos latino-americanos do Departamento de Estado até aposentar-se, em 2001, me disse: "Acho que o Brasil não poderá se dar ao luxo de não fazer parte da Alca nem mesmo com Lula. Haveria preocupação e um período de incerteza -mas a realidade do exercício da Presidência faz uma grande diferença."
Pode ser. Mas, devido ao peso do Brasil na América Latina, uma vitória de Lula transformaria o mapa político da América Latina, multiplicando as dores de cabeça da administração Bush.


Andres Oppenheimer é correspondente na América Latina do jornal "Miami Herald". Seu e-mail é: aoppenheimer@herald.com

Tradução de CLARA ALLAIN


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