São Paulo, domingo, 7 de junho de 1998

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RELIGIÃO
Igreja arrecada e distribui 2.161 toneladas de alimentos às vítimas da estiagem em dez Estados da região
Seca ajuda Universal a crescer no Nordeste

CLÁUDIA TREVISAN
enviada especial ao Ceará e à Paraíba

A seca está servindo para a Igreja Universal do Reino de Deus ampliar sua influência no Nordeste, região dominada pelo catolicismo e o culto a personagens como Frei Damião e Padre Cícero.
Desde o dia 6 de maio, a Universal promove uma "cruzada evangélica", com a entrega de cestas básicas às vítimas da estiagem.
A distribuição de alimentos ajuda a difundir o nome da Universal e é uma poderosa arma na ferrenha disputa por fiéis que a instituição trava com a Igreja Católica.
A Bahia é o Estado do Nordeste onde a Universal tem maior presença, com cerca de 200 igrejas, enquanto São Paulo tem 600 e o Rio, 700. Em seguida, aparecem Ceará e Pernambuco, com pouco mais de cem templos cada. Nos demais Estados nordestinos a presença da igreja é insignificante.
Igreja Católica
A campanha no Nordeste foi o principal tema do jornal "Folha Universal", publicação oficial da igreja, que circulou no dia 17 de maio. "Enquanto alguns dirigentes da Igreja Católica incentivam o saque aos armazéns da região, a ABC leva comida e procura dar dignidade a essas pessoas", dizia texto na primeira página.
A ABC (Associação Beneficente Cristã) é o braço assistencial da igreja e a responsável pela distribuição dos alimentos nos Estados.
Com o apoio da TV Record, a igreja conseguiu arrecadar, até o dia 20 de maio, 2.161 toneladas de alimentos, que equivalem a 120.822 cestas básicas.
Entre os dias 6 e 20 de maio, a igreja entregou alimentos em 170 cidades de dez Estados nordestinos. Até o dia 20, haviam sido distribuídas 1.211 das 2.161 toneladas arrecadadas. A distribuição continua, mas a igreja não tem números globais atualizados.
Os alimentos são levados em carretas alugadas pela Universal. Por enquanto, foram enviados ao Nordeste 53 caminhões. O transporte de São Paulo ao Piauí, por exemplo, custa cerca de R$ 3.600.
"A Universal já foi muito criticada aqui, mas hoje o Nordeste vê que a Universal está vindo e prestando assistência", diz Maria Aparecida da Silva, 38, presidente da Associação dos Carentes de Marizópolis (PB), onde foram entregues 600 cestas.
Católica e filha de devotos de Frei Damião, Maria Aparecida já pensa em se converter à Universal.
No dia 27, a Folha acompanhou a entrega de alimentos em duas localidades de Itatira, cidade de 15 mil habitantes localizada a 200 quilômetros de Fortaleza (CE).
Quando o caminhão carregado com 1.500 cestas chegou ao distrito de Lagoa da Mata, às 15h, já havia uma fila imensa à espera.
Uma equipe precursora da Universal havia percorrido as casas pela manhã e entregue senhas -pedaços de papel nos quais estão inscritos os nomes da Universal, da TV Record e da ABC.
Antes do início da distribuição, obreiros da igreja abriram três faixas ao lado do caminhão: "Disse Jesus: "Tive fome e não me deste de comer'", "IURD e ABC ajudam os carentes do Nordeste" e "ABC SOS Nordeste". IURD é a abreviação do nome da Universal.
Em Itatira, a distribuição é feita em frente à Igreja Católica. "Não é afronta, não. É porque era o melhor lugar", afirma Ilton Carneiro de Freitas, 47, um ex-católico que está na Universal há 12 anos.
Quando o caminhão estaciona em frente à Igreja Católica, o pastor Heriberto Farias, presidente da ABC-CE, anda pela fila e informa que as cestas foram trazidas pela Universal e pela ABC. Em seguida, ele e outros membros da igreja se dividem e começam a rezar. No fim, são aplaudidos pelos moradores.
Curas
Não faltam cenas típicas dos cultos da Universal, como as tentativas de cura. Algumas pessoas que se dizem doentes são levadas ao pastor, que coloca as mãos sobre suas cabeças, reza e grita "sai, em nome de Jesus".
Entre os que receberam alimentos está Maria Imaculada, 60, que trabalha na Igreja Católica e comandava o ensaio do coral local no momento da distribuição. "Chorei quando recebi a cesta."
O impacto da distribuição de alimentos em um local pobre, onde a presença do Estado é mínima, pode ser medido pelas palavras de Carmelina Barroso Amorim, 54, separada, seis filhos: "A gente tem fé em quem ajuda a gente".



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