São Paulo, domingo, 7 de junho de 1998

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"Aquilo foi uma bênção de Deus', diz mulher cearense

da enviada especial

Maria Alba Pereira, 34, tem oito filhos e um marido desempregado. Moradora do bairro da Barragem, o mais pobre de Irauçuba (CE), ela estava desde a madrugada do dia 27 na fila para conseguir uma lata de água salobra na bica local. Havia almoçado arroz puro e tinha a perspectiva de não comer "nada" no jantar.
Histórias semelhantes eram contadas por todas as mulheres que tentavam conseguir água. Das outras 9 Marias entrevistadas pela Folha, 4 criam seus filhos sozinhas e 5 têm maridos desempregados.
Os homens da fila reclamam da falta de trabalho. "Eu não tenho emprego nenhum aqui nesse lugar", diz Juvenal Borges Gomes, 49, casado, nove filhos.
A queixa é repetida pelos mais jovens, como Luiz Gonzaga Bruno Alcântara, 18, que trabalhou pela última vez no ano passado. "Não existe emprego aqui."
Das 20 pessoas entrevistadas pela reportagem da Folha no bairro da Barragem, 16 haviam recebido cestas da Universal cerca de três semanas antes. Dessas, só 1 é evangélica: Lituína Lopes dos Santos, 30, que frequenta a Igreja de Cristo. Ela tem quatro filhos e o marido está desempregado.
As outras são católicas, mas conhecem a Universal pelo rádio, outro meio eficiente de que a instituição dispõe para divulgar seu ideário no Nordeste.
Simpatia
Era evidente a simpatia que as cestas da Universal despertaram nos moradores do local. "Aquilo foi uma bênção de Deus. Chegou no dia em que eu não tinha nada em casa", diz Teresa Carneiro Braga, 44, três filhos e marido desempregado.
"Eu gostaria que tivesse uma Universal aqui para a gente ir", afirma Liduína Barroso da Silva, 37, marido desempregado, que diz não frequentar a Igreja Católica por não ter "arrumação" Äroupas e sapatos "de missa".
"Todo o mundo gostou. Agora nós estamos pedindo que eles venham de novo", acrescenta Rita Paz Pereira, 37, três filhos e sem marido.
A atuação direta da Universal também era elogiada. "Eles vieram entregar com as mãos deles, aí a gente recebe", diz Lituína, a evangélica, desconfiada dos critérios de escolha do poder público.
O desempregado Juvenal Borges Gomes concorda: "Não dá para os políticos tomarem conta dos alimentos. Eles vão dar para quem eles querem".
"A cesta deles é boa porque não escolhe ninguém. Todo o mundo recebe", acrescenta Lucilene Barbosa de Souza, 26, quatro filhos e marido desempregado.
Cangote do Urubu
Mas nem sempre a entrega de alimentos é tão generosa. Moradora do Cangote do Urubu, bairro pobre de Sousa (PB), Francisca Luiz da Silva, 47, perdeu a distribuição de cestas em sua cidade.
Alguns dias depois foi até o templo da Universal pedir alimentos. "Eles falaram que era para eu seguir a lei deles e me deram um envelope para dar dinheiro (dízimo). Eu não tenho dinheiro nem para comer, como é que eu vou dar para a igreja?", afirma.
Maria das Graças Xavier, 41, viúva, nove filhos, ainda tinha um pouco de arroz e farinha da cesta que recebeu da Universal.
Também moradora do Cangote do Urubu, ela diz que a igreja "não obriga ninguém a ser crente" para ganhar os alimentos.
Mas lembra que, no dia em que foi buscar sua cesta, teve de assistir a um culto da Universal na igreja de Sousa.
Os entrevistados pela Folha que já haviam recebido alimentos do programa Comunidade Solidária consideravam a cesta da Universal de melhor qualidade.
A maior queixa às cestas do governo diz respeito à qualidade do feijão. "O feijão fica três dias no fogo e não cozinha", sustenta Rosa do Amadeo, 55, moradora de Lagoa do Mato, em Itatira.
O presidente da Associação Comunitária de Itatira, José Antonio dos Santos Silva, 34, diz que o Comunidade Solidária entrega cestas mensalmente na cidade. Mas reclama dos alimentos. "O feijão é muito ruim e o arroz, também."
Latarias
O peso das cestas da Universal varia de 17 kg a 20 kg, dependendo do Estado. A composição básica é 5 kg de arroz, 2 kg de açúcar, 2 kg de feijão, duas latas de óleo, 1 kg de farinha de trigo, 1 kg de sal, 1 kg de macarrão, meio quilo de leite em pó, meio quilo de fubá e meio quilo de farinha de mandioca. O que varia é a quantidade de latarias, biscoito e café.
A cesta do Comunidade Solidária tem 19 kg: 5 kg de arroz, 5 kg de feijão, 5 kg de flocos de milho, 3 kg de macarrão e 1 kg de farinha de mandioca. CLÁUDIA TREVISAN


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