São Paulo, terça-feira, 07 de agosto de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PÚBLICO X PRIVADO

Prestação de contas do Viva Rio sobre programa desenvolvido pela Fundação Roberto Marinho teria irregularidades

Auditoria contesta convênio de telecurso

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Auditoria especial da Prefeitura do Rio de Janeiro apontou ""impropriedades" nas prestações de contas da organização não-governamental Viva Rio em convênios firmados com o município para aplicar o programa Telecurso 2000, desenvolvido pela Fundação Roberto Marinho.
De 1997 a 2000, a Secretaria Municipal do Trabalho e o Viva Rio assinaram cinco convênios, estipulando o repasse de R$ 10,8 milhões dos cofres municipais para a ONG. Da previsão, R$ 9,9 milhões foram efetivamente entregues.
O Relatório da Auditoria Geral 094/2001-E constatou:
1) falta de comprovação de algumas despesas (não teriam sido apresentadas notas fiscais);
2) gastos em desacordo com os objetivos do programa -verbas teriam sido consumidas em alimentação, o que não estava previsto no convênio;
3) contradição entre prestação de contas e extrato bancário (há uma conta corrente exclusiva para o projeto, e cada gasto tem de estar registrado no banco);
4) e realização de despesas de março a maio de 1999, depois da vigência de um convênio encerrado em fevereiro daquele ano.
No total, as supostas falhas apontadas pelo levantamento, incluindo outros problemas, chegariam a R$ 157 mil. Sem poder de decisão, a auditoria aberta em janeiro e divulgada na semana passada recomenda a devolução de parte -variável conforme eventuais explicações da ONG- dessa quantia ao Tesouro Municipal.
Foi analisada parcela minoritária dos demonstrativos contábeis. O documento diz que podem não ter sido identificados "todos os problemas e ajustes aplicáveis aos processos de despesa".
Os auditores descobriram que o diretor-executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, contratou para prestar serviços no convênio 002/97 uma empresa privada da qual ele é dono, a Antinomias Empreendimentos Ltda.
O procedimento não foi qualificado de ilegal, mas definido como ""conflito de interesses", porque o dirigente de uma entidade sem fins lucrativos teria aproveitado uma iniciativa da ONG para que sua firma lucrasse. Conforme nota arquivada pela auditoria, a Antinomias recebeu R$ 5.750.
O Viva Rio, uma das mais influentes ONGs cariocas, nega irregularidade no emprego das verbas e na prestação de contas, mas confirma a contratação da empresa de seu líder como consultora.
O primeiro convênio, de 1997, montou 144 telessalas (salas de aula com TV e vídeo onde a lição é apresentada num programa exibido na tela) em favelas do Rio.
O objetivo era formar cerca de 3.900 alunos no ensino fundamental (primeiro grau) com base na metodologia do Telecurso 2000 -espécie de supletivo. Cada turma recebeu 52 vídeos e, cada aluno, 16 livros didáticos.
Sem licitação, todos os vídeos e livros foram comprados da Editora Globo, empresa das Organizações Globo, cujos proprietários, em 1977, criaram a Fundação Roberto Marinho, instituição privada sem fins lucrativos.
A assessoria de imprensa da editora informou que a área de publicações da empresa não sabe de quanto foi o faturamento com os convênios alvo da auditoria, nem mesmo a quantidade de livros e vídeos vendidos. Segundo a Globo, a informação poderia ser dada pela Fundação Roberto Marinho, que negou ter os dados.
Segundo o Viva Rio, o material didático é responsável por 12% das despesas, o segundo item mais dispendioso, atrás da remuneração dos orientadores pedagógicos (42%). Considerando a soma entregue à ONG pela prefeitura, projeta-se a receita da editora em R$ 1,2 milhão, levando em conta os cinco convênios.
O Viva Rio afirma não ter havido licitação porque a compra não foi feita por órgão público e porque a Editora Globo é fornecedora exclusiva de livros e vídeos para o telecurso. A auditoria não analisou os termos do convênio, apenas as prestações de contas.
Os outros quatro programas montaram em média 100 salas do telecurso. O último convênio, que iria de outubro de 2000 a setembro de 2001, foi interrompido em janeiro pelo prefeito Cesar Maia (hoje no PFL). Todos os convênios haviam sido assinados na gestão do seu antecessor e adversário, Luiz Paulo Conde (atualmente sem partido).
O controlador-geral do município, Lino Martins da Silva, diz que ONGs têm feito contratos com órgãos públicos representando, muitas vezes, interesses de empresas privadas. Não disse se o Viva Rio se enquadraria na avaliação. Em janeiro, decreto da prefeitura mudou o critério de seleção de ONGs para convênios. "O objetivo é haver um processo maior de abertura."


Texto Anterior: Outro lado: Dono de editora diz que deputado desvia atenção
Próximo Texto: Outro lado: Viva Rio nega existência de irregularidades
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.