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PÚBLICO X PRIVADO
Brasil Empreendedor tem 26,6 mil casos de CPFs falsos e repetidos
Bebês e fantasmas "fazem" curso com verba federal
DAVID FRIEDLANDER
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil Empreendedor, programa de incentivo ao pequeno
empresário criado pelo governo
Fernando Henrique Cardoso,
transformou-se num campo fértil
para demagogia, dinheiro fácil e
criação de fantasmas.
Entre as 639 mil pessoas que o
programa atendeu em São Paulo,
há pelo menos 26,6 mil casos de
CPFs falsos e repetidos. Há ainda
299 crianças e 404 bebês registrados como empreendedores.
As irregularidades ocorreram
no ano passado e estão registradas em documentos do Sebrae
(Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) de São Paulo,
aos quais a Folha teve acesso.
O Sebrae é uma entidade privada, sustentada com verba repassada pela Previdência Social. No
Brasil Empreendedor, seu papel é
patrocinar cursos para ensinar o
microempresário a tomar empréstimo nos bancos federais. São
cursos de 16 horas, gratuitos. A intenção inicial era treinar 314 mil
pessoas em São Paulo, mas o Sebrae dobrou a meta.
O Sebrae pagou pelos cursos R$
37,5 milhões, 41% a mais do que
estava planejado. O resultado, no
entanto, foi fraco. Das 639 mil
pessoas que o Sebrae mandou
treinar, apenas 1.995 atingiram
objetivo declarado do curso
-que era apresentar um projeto
e obter financiamento do Banco
do Brasil ou da Caixa Econômica
Federal para abrir um negócio.
"Houve um exagero. Sempre
disse que estávamos errando na
quantidade e que iríamos errar
também na qualidade", diz Horácio Lafer Piva, presidente da Fiesp
(Federação das Indústrias de São
Paulo), que presidiu o conselho
do Sebrae até o fim de 2000. Piva
afirma que não sabia das fraudes.
O superintendente do Sebrae,
Fernando Leça, não quis comentar o assunto.
CPFs frios
Sem estrutura própria para
cumprir sua meta, o Sebrae fez
parcerias com 655 instituições, às
quais deu a tarefa de montar os
cursos. Cada instituição recebia,
do Sebrae, R$ 50 por aluno capacitado. Como os pagamentos
eram feitos pelo número de CPFs
apresentados, abriu-se uma janela para a falsificação.
Estudantes de 14, 15 ou 16 anos
foram admitidos no curso, desde
que tivessem o CPF de algum
adulto para apresentar. Pessoas
foram contratadas para oferecer o
curso de porta em porta, com o
objetivo de incrementar o número de alunos. Usou-se, também, o
nome de pessoas que nunca fizeram o curso (crianças, por exemplo) para justificar pagamentos.
No grupo dos "fantasmas",
1.495 se apresentaram ao Sebrae
com o CPF de número
88888888888. Esse foi o campeão
dos CPFs frios. O vice foi o
11111111111, usado 839 vezes.
Do número 00000000000 ao
99999999999, todos os CPFs mais
frios que existem foram todos
aceitos centenas de vezes pelo Sebrae. Para evitar a repetição desse
problema, o Sebrae conectou seu
sistema ao da Receita Federal.
Outra grande distorção apareceu nas entidades que o Sebrae
chamou para ajudá-lo a executar
o programa. Várias delas subcontratavam pessoas para correr
atrás de alunos e assim justificar a
liberação de mais verbas.
A Folha conversou com três
dessas pessoas. Uma delas, Neuza
Lourenço Queiroz, presidente do
Centro Comunitário e Social da
Vila Operária, concordou em
aparecer na reportagem.
"Quem não quer um dinheirinho extra? Eu recebia R$ 10 por
cada aluno que arrumasse para
fazer o curso", afirma Neuza. Oficialmente, ela nunca existiu para
o Brasil Empreendedor. Neuza foi
contratada por Maria dos Santos,
presidente da Associação dos Moradores do Vale Verde, que era
parceira legítima do Sebrae.
Neuza diz ter matriculado mais
de 500 pessoas no programa. "Eu
tinha uma menina que ia de casa
em casa buscar o pessoal para oferecer o curso. Na favela lá de trás
muita gente fez", conta ela.
Febem
Em muitos lugares do Estado de
São Paulo, o Brasil Empreendedor foi oferecido à comunidade
como curso de capacitação profissional. Isso explica a presença
de mais de 90 mil adolescentes
com idades entre dez e 19 anos,
conforme relatório do Sebrae.
A Associação dos Funcionários
da Febem, parceira regular do Sebrae, costumava encher com menores as aulas do Brasil Empreendedor. Auditoria contratada pelo
próprio Sebrae constatou, por
exemplo, que, em turma organizadas pela associação entre os
dias 11 e 14 de setembro do ano
passado, 52 dos 73 "empreendedores" treinados eram menores.
As irmãs Viviane e Juliana Rebequi, de Perus, participaram do
programa em junho do ano passado para incrementar o currículo. Na época, Viviane tinha 15
anos e Juliana, 16. Elas trabalham
numa sorveteria e estudam à noite. Fizeram o curso porque era de
graça. "Eu fiz o curso para me
atualizar. Achei bom", diz Juliana,
que, por ser menor, não pode pegar empréstimo em banco.
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