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ARTIGO
Maluf já desperta a piedade dos adversários
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Pena de Paulo Maluf? Será possível? Pessoalmente, não compartilho desse sentimento. Mas é possível perceber tendências nessa
direção, mesmo da parte de pessoas que não eram seus eleitores.
Maluf é uma das personagens
políticas mais detestadas e simbólicas da política brasileira; sua prisão foi intensamente desejada ao
longo de décadas, e para muita
gente constituía apenas um remoto, inviável sonho punitivo até há
poucos meses.
Mas não foi preciso que ele passasse mal de saúde: bastou a sua
chegada à Polícia Federal, depois
de um fim-de-semana ainda
triunfante em Campos do Jordão,
para que a vontade de ver Maluf
entre as grades fosse substituída
por um certo prurido compassivo, por uma certa hesitação de
sensibilidade. Algumas circunstâncias ajudam a explicar a nova
atitude.
O fato de pai e filho estarem juntos na prisão, por exemplo, tinge
de valores tradicionais -a lealdade do sangue, a comunhão estreita de destinos, a desgraça duplicada e repartida- o registro da
operação policial.
Outra cena, muito divulgada,
também inscreve o episódio na linha do caseiro, do doméstico -e,
portanto, do frágil, do desprotegido, do não-estatal. Foi quando o
fiel Salim Curiati apareceu na porta da Polícia Federal querendo entregar uma singela bandeja de
quibes para seu mentor político.
A vontade quase maternal de cuidar de Maluf, de alimentá-lo com
um prato substancioso, alusivo a
uma origem familiar comum, parecia torná-lo também um filho
ao lado do próprio filho.
Além disso, a idade já avançada
do ex-prefeito diminui a sua
agressividade; encolhido no banco de trás de um carro policial, é
como se Maluf não fosse mais a
mesma pessoa que, pescoço esticado para a frente num esgar vitorioso, tantas vezes se impusera à
vista dos cidadãos atônitos.
A questão básica não é essa, claro. Já longe do poder, Maluf parece relativamente inofensivo, e a
comparação de seu caso com a leva de escândalos e imoralidades
mais recentes se impõe.
O que em primeiro lugar talvez
desperte piedade, na figura de
Maluf, é o seu estado de atual silêncio: contrasta com a tagarelice,
a multiplicidade de vozes, de defensores, de fanfarronices complexas e argumentos milionários
de que se cerca o atual governo
para abafar o que se passa. Em segundo lugar, Maluf chama a atenção pelo aspecto rudimentar de
seu caso, de suas negativas, de
seus recursos retóricos. A sofisticação dos atuais donos do poder
para negar a realidade, por meio
de um tentacular aparelhamento
da filosofia política e das ciências
sociais, misturado a técnicas de
"autocrítica" de um cinismo neo-soviético, confere um sabor nostálgico e retrospectivo aos monocórdicos negaceios malufistas.
O ex-prefeito, ademais, está sozinho; não conta com tropa de
choque; não tem a seu lado nem
sombra dos "300 picaretas" que,
em tempos mais austeros, Lula
julgou identificar no Congresso
Nacional. Para Maluf, não há como politizar a conversa nem como se fazer vítima da luta de classes. Isso não torna injusta a sua
prisão; mas seu caso, hoje em dia,
ganha a simplicidade comovente,
imediata e fungível de um mero
prato de quibes; coisa pobrezinha,
de fato, se comparada à multipartidária, multicolorida, multiplicada pizza que o governismo trata
de elaborar atualmente.
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