São Paulo, sexta-feira, 07 de outubro de 2005

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ARTIGO

Maluf já desperta a piedade dos adversários

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Pena de Paulo Maluf? Será possível? Pessoalmente, não compartilho desse sentimento. Mas é possível perceber tendências nessa direção, mesmo da parte de pessoas que não eram seus eleitores.
Maluf é uma das personagens políticas mais detestadas e simbólicas da política brasileira; sua prisão foi intensamente desejada ao longo de décadas, e para muita gente constituía apenas um remoto, inviável sonho punitivo até há poucos meses.
Mas não foi preciso que ele passasse mal de saúde: bastou a sua chegada à Polícia Federal, depois de um fim-de-semana ainda triunfante em Campos do Jordão, para que a vontade de ver Maluf entre as grades fosse substituída por um certo prurido compassivo, por uma certa hesitação de sensibilidade. Algumas circunstâncias ajudam a explicar a nova atitude.
O fato de pai e filho estarem juntos na prisão, por exemplo, tinge de valores tradicionais -a lealdade do sangue, a comunhão estreita de destinos, a desgraça duplicada e repartida- o registro da operação policial.
Outra cena, muito divulgada, também inscreve o episódio na linha do caseiro, do doméstico -e, portanto, do frágil, do desprotegido, do não-estatal. Foi quando o fiel Salim Curiati apareceu na porta da Polícia Federal querendo entregar uma singela bandeja de quibes para seu mentor político. A vontade quase maternal de cuidar de Maluf, de alimentá-lo com um prato substancioso, alusivo a uma origem familiar comum, parecia torná-lo também um filho ao lado do próprio filho.
Além disso, a idade já avançada do ex-prefeito diminui a sua agressividade; encolhido no banco de trás de um carro policial, é como se Maluf não fosse mais a mesma pessoa que, pescoço esticado para a frente num esgar vitorioso, tantas vezes se impusera à vista dos cidadãos atônitos.
A questão básica não é essa, claro. Já longe do poder, Maluf parece relativamente inofensivo, e a comparação de seu caso com a leva de escândalos e imoralidades mais recentes se impõe.
O que em primeiro lugar talvez desperte piedade, na figura de Maluf, é o seu estado de atual silêncio: contrasta com a tagarelice, a multiplicidade de vozes, de defensores, de fanfarronices complexas e argumentos milionários de que se cerca o atual governo para abafar o que se passa. Em segundo lugar, Maluf chama a atenção pelo aspecto rudimentar de seu caso, de suas negativas, de seus recursos retóricos. A sofisticação dos atuais donos do poder para negar a realidade, por meio de um tentacular aparelhamento da filosofia política e das ciências sociais, misturado a técnicas de "autocrítica" de um cinismo neo-soviético, confere um sabor nostálgico e retrospectivo aos monocórdicos negaceios malufistas.
O ex-prefeito, ademais, está sozinho; não conta com tropa de choque; não tem a seu lado nem sombra dos "300 picaretas" que, em tempos mais austeros, Lula julgou identificar no Congresso Nacional. Para Maluf, não há como politizar a conversa nem como se fazer vítima da luta de classes. Isso não torna injusta a sua prisão; mas seu caso, hoje em dia, ganha a simplicidade comovente, imediata e fungível de um mero prato de quibes; coisa pobrezinha, de fato, se comparada à multipartidária, multicolorida, multiplicada pizza que o governismo trata de elaborar atualmente.


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