São Paulo, sexta-feira, 07 de outubro de 2005

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CAMINHO DAS ÁGUAS

Religioso decide acabar com greve de fome após receber ministro, mas volta a cobrar suspensão da transposição

Governo convence bispo a encerrar protesto

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CABROBÓ (PE)

O bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, 59, anunciou ontem, em Cabrobó (a 600 km de Recife), o fim da sua greve de fome contra a transposição das águas do rio São Francisco, iniciada às 12h do dia 26 de setembro.
O acordo fechado com o governo, entretanto, gerou dúvidas logo após o anúncio. O religioso afirmou que retomará o jejum caso considere que a negociação está sendo descumprida.
Para Cappio, o governo se comprometeu a suspender o início das obras de transposição durante o período em que o projeto voltar a ser discutido no país.
O interlocutor do governo, o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, negou. "Você ouviu alguém falar em suspensão ou adiamento?", disse aos jornalistas, ao ser questionado sobre o assunto.
O bispo, que não ouviu a declaração do ministro, reagiu depois: "Se ele falou isso, ele deu uma declaração mentirosa, porque foi disso que nós tratamos", afirmou. "Não quero tomar nenhuma decisão precipitada, mas não foi isso que nós conversamos durante cinco horas."
Segundo Cappio, o ministro garantiu que o governo não iniciaria as obras e que não haveria um tempo determinado para a conclusão das discussões sobre a transposição e outros projetos de convivência com a seca. "Se o acordo não for cumprido, volto para Cabrobó", declarou.
Wagner deixou o local logo após o anúncio do fim da greve de fome e não ficou sabendo das declarações do bispo. Os dois se encontraram às 12h15, na capela onde o religioso jejuava, e só concluíram as negociações às 17h30.
Na carta enviada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao bispo, entregue por Wagner, o governo federal oferece o "prolongamento do debate" sobre o processo de transposição, a intensificação das obras de revitalização do rio e um convite para Cappio ser recebido no Palácio do Planalto "com o objetivo de dialogar sobre esse tema".
Cerca de 200 pessoas aguardavam o resultado do encontro do lado de fora. Alguns fiéis rezavam e cantavam hinos religiosos. Índios das tribos trucá e tumbalalá, vestidos com trajes típicos, dançavam perto da capela.
A chegada do ministro foi tumultuada. Os índios cercaram Wagner e dançaram ao seu redor. Imóvel no meio da roda, ele não sabia o que fazer. Perguntou aos jornalistas: "Será que eu posso sair?". Sem resposta, preferiu aguardar o fim da cerimônia.
A portas fechadas, ele leu a carta com a proposta do governo de ampliar os debates sobre a transposição. Em seguida, disse que o governo se esforçaria para que o Congresso aprovasse a proposta de emenda constitucional que prevê o investimento, nos próximos 20 anos, de R$ 300 milhões por ano na revitalização e saneamento do rio São Francisco.
A princípio, segundo apurou a Folha, o bispo não gostou do que ouviu. Considerou vagas as propostas apresentadas e decidiu se reunir com seu grupo de conselheiros, formado por amigos, assessores e parentes.
O ministro deixou a capela e aguardou duas horas na casa de um pequeno agricultor. Lula telefonou para saber das negociações. Wagner explicou o impasse e, chamado por Cappio, retornou à capela. Na segunda parte da reunião, o presidente voltou a ligar para o ministro e, por telefone, aparou o que pareciam ser as últimas arestas do acordo.
Após anunciar o fim da greve de fome de dez dias, o bispo pediu a continuidade da mobilização contra a transposição. "Não estamos terminando, estamos começando."
Responsável pelo projeto de transposição das águas do rio São Francisco, o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) evitou comentar o acordo feito entre o governo e o bispo, ontem, na Câmara dos Deputados.
Questionado se o fato de não falar sobre o acordo de Cappio com o governo poderia significar um gesto político, Ciro concordou: "Pode interpretá-lo [ o fato de não falar] como tal", disse o ministro.


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