São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
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RELIGIÃO

Entidade pretende incluir temas sociais nas celebrações e deixar mais clara separação entre missa e espetáculo

CNBB quer reorientar padres cantores

Moacyr Lopes Jr./Folha Imagem
O padre Marcelo Rossi durante "showmissa" que reuniu 600 mil pessoas no Dia de Finados, em SP


ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que congrega as autoridades máximas da Igreja Católica no país, irá convocar os padres cantores para uma reunião em Brasília, ainda sem data definida.
O encontro deverá ocorrer no próximo ano e terá pelo menos duas tarefas:
1) estimular os sacerdotes a adotarem, em seus discursos, mensagens que questionem as injustiças sociais;
2) alertar os padres para que não desrespeitem a liturgia católica durante as chamadas "missas-espetáculos". E para que não deixem o sentido do espetáculo superar o da missa.
A reunião, no entanto, não pretende estabelecer nenhum tipo de veto. "O momento, agora, é de diálogo. Queremos ouvir os sacerdotes e lhes apresentar nossas reflexões, mas sem impor nada", diz dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo-auxiliar de São Paulo e responsável pelo setor de vocações e ministérios da CNBB.
O vice-presidente da entidade, dom Marcelo Pinto Carvalheira, segue o mesmo raciocínio: "Não temos intenção de anular o talento dos padres ou de impedir que usem os meios de comunicação para se expressar. Só desejamos que as canções e os espetáculos não subvertam nem substituam a liturgia tradicional das missas".
"O importante é que consigamos conciliar a linguagem televisiva com as normas litúrgicas", completa dom Raymundo Damasceno Assis, secretário-geral da CNBB.
Para a entidade, as manifestações dos padres cantores não devem incentivar somente os atos assistencialistas, "a caridade assistencial". Precisam, sobretudo, se preocupar com a modificação da sociedade.
Em outras palavras: não basta o sacerdote recomendar que os fiéis ajudem desempregados ou visitem presos. É necessário que ele também ponha em discussão os processos de exclusão econômica e o sistema carcerário.
A posição da CNBB reflete o pensamento da ala mais progressista da Igreja Católica. Tal setor defende que a evangelização (a transmissão dos ensinamentos de Cristo) se dá nas atitudes cotidianas, nas relações entre os membros de uma mesma comunidade, empenhados em denunciar e combater as injustiças. Advém, daí, a "opção preferencial pelos pobres" e o conceito de "pecado social".
A maioria dos padres cantores, por outro lado, espelha o segmento da igreja que acredita menos na ação social e mais no cultivo da espiritualidade. A evangelização, aqui, decorre das orações, das cerimônias que exprimem euforicamente a fé e do assistencialismo.
É assim que o padre Marcelo Rossi, líder da Renovação Carismática em São Paulo, e o padre Zeca, do Rio, vêm arrastando multidões para as celebrações que comandam. Não apenas trazem de volta à religião católicos desgarrados como ocupam espaços antes preenchidos pelos setores progressistas.
A CNBB sabe que não pode mais desconsiderar o fenômeno. Parece, então, querer apostar na tolerância, num meio-termo entre os dois mundos. Mantém-se crítica, mas não totalmente refratária, e acena para "a troca de idéias".
Sinais dessa tendência despontaram já na semana passada, durante a "missa-espetáculo" do Dia de Finados, que levou 600 mil pessoas à zona sul paulistana.
Padre Marcelo esteve à frente do culto e abriu um inusitado espaço para o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Menor, interceder pelos garotos infratores da Febem. Ou melhor: permitiu que um ativo representante da igreja progressista politizasse o evento.
"Foi uma novidade, um acontecimento bonito", avalia dom Angélico. Entusiasta do consenso entre as duas correntes, lança mão de uma metáfora para explicar o que pensa. "Imagine um casamento. A festa de bodas, se for exuberante, agrada e alegra. Mas não define a felicidade do casal. O que vai defini-la é o dia-a-dia, os gestos éticos de um com o outro."


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