São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
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RIO DE JANEIRO

Comerciantes da cidade natal do governador Anthony Garotinho pressionavam fiscalização estadual

Multas de ICMS diminuem em Campos

ISABEL CLEMENTE
enviada especial a Campos (RJ)

Os comerciantes de Campos, onde o governador do Rio, Anthony Garotinho (PDT), foi prefeito por duas vezes, conseguiram, depois de muito pressionar o governo, reduzir a ação fiscalizadora do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) no município em outubro.
Por não aceitar essas pressões, o secretário Carlos Antônio Sasse (Fazenda) pediu demissão. Nos primeiros 30 dias sem sua gestão, o número de multas lavradas em Campos caiu 37% em outubro.
A pressão teve o apoio do prefeito de Campos (a 298 km do Rio), Arnaldo Vianna, vice de Garotinho que assumiu o posto quando o então prefeito saiu em campanha, no ano passado, e intercedeu pelos comerciantes.
Dados obtidos pela Folha mostram que o número de autos de infração no município, que vinha subindo desde julho, recuou. Em julho foram 64, em agosto, 76, em setembro, 122, e em outubro, 77.
A Folha esteve na cidade em duas ocasiões. Os 23 fiscais de renda que lá trabalham são concursados, ainda não têm estabilidade e ganham um salário próximo a R$ 5.500. Alguns deles não quiseram se identificar por medo de perder o emprego. Eles se diziam inseguros e sem respaldo para trabalhar, já que o governador dissera que os afastaria. Os depoimentos foram colhidos antes da chegada do novo inspetor, Cláudio Borba, semana passada.
Em setembro, quando foi registrado o recorde de autos de infração, a arrecadação de ICMS em Campos, que vem subindo na comparação com 98, caiu em relação a agosto. Foi a segunda pior do ano (R$ 1,128 milhão) -a do Estado como um todo atingiu o terceiro recorde consecutivo.
Em resposta a solicitação da Folha, a Secretaria de Fazenda prometeu passar os dados de outubro, mas não o fez alegando não tê-los fechado até sexta-feira.
O coordenador de Comunicação Social, Carlos Henrique Vasconcelos, informou que o governo considera os números de autos de infração em Campos "absolutamente normais", dentro de variações já previstas. "A arrecadação do Estado permanece em curva de crescimento, e a queda em Campos não revela nenhum afrouxamento da fiscalização."
Segundo ele, "não tem sentido os funcionários se sentirem inseguros, porque têm todo o respaldo para punir os sonegadores".
O antigo inspetor de Campos, Anselmo Garcia, foi exonerado do cargo há dez dias, transferido para outro departamento.
Há um mês, quando Sasse pediu demissão, Garcia colocou seu cargo à disposição. Sua equipe estava sendo acusada pelos comerciantes de Campos de praticar extorsão. Nenhuma denúncia foi formalizada. Desde então, Garcia não deu mais entrevistas.
O presidente do sindicato dos fiscais de renda do Rio, Joaquim Monteiro, defende que uma investigação seja feita para apurar se houve "excessos" dos fiscais.
O novo chefe da inspetoria, Cláudio Borba, está orientado "para agir com profissionalismo e bom senso, nem com mais nem com menos rigor", afirmou Luís Carlos Magalhães, chefe de gabinete do novo secretário da Fazenda, Fernando Lopes.
Segundo Magalhães, não houve ordem para diminuir a fiscalização, e seria até natural o ritmo da ação ter caído em Campos, em razão da crise que houve.
A carta de exoneração de Sasse, responsável por uma das principais bandeiras do atual governo -o aumento consecutivo da arrecadação de ICMS-, foi entregue dois dias depois de sua ida a Campos, em setembro, para ouvir, por determinação de Garotinho, os comerciantes locais.
Segundo os comerciantes e o prefeito de Campos, Sasse não atendeu às reivindicações: troca de fiscais e ação fiscal instrutiva (com mais prazos e alertas).
Para o prefeito, havia uma ação mais rígida em Campos do que em outros municípios por ser a terra do governador. Ele acha que com o abrandamento da fiscalização, os comerciantes têm a obrigação de manter a arrecadação.
"Caso contrário, vou cobrar. Eles queriam que a fiscalização fosse suspensa até a equipe de fiscais ser trocada, mas jamais vou pedir vista grossa porque isso está errado", disse Vianna.
O presidente do CDL (Clube dos Dirigentes Lojistas), Marcelo Mérida, disse que a maioria dos autos lavrados "era fruto de erros de burocracia, e não de sonegação". Para ele, o momento econômico não "comporta um empresário ser multado por isso".
Como a demissão de Sasse não era esperada, os comerciantes resolveram aguardar e não denunciar ninguém por extorsão.
Por considerar suspeitos os fatos que cercam a exoneração de Sasse, o deputado estadual Paulo Melo (PSDB), presidente da Comissão de Orçamento da Assembléia Legislativa do Rio, pretende colher fatos para pedir a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). "Vejo indícios contundentes de um protecionismo exacerbado."
O governo informa não ter recebido notícia de problemas semelhantes aos de Campos em outras cidades fluminenses. Segundo a Secretaria da Fazenda, "todas as inspetorias tiveram acréscimo de autos de infração".
O episódio em Campos, de acordo com o chefe do gabinete do novo secretário, "não foi apurado definitivamente".
Procurado várias vezes, Sasse negou os pedidos de entrevista. Apenas confirmou que, há cerca de uma semana, durante conversa telefônica com Garotinho, foi convidado para voltar a trabalhar com o governo, sem detalhes.


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