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Em 62, EUA pediram apoio a Jango na crise dos mísseis em Cuba
Carta de John Kennedy mostra que americano solicitou
ajuda política e militar ao Brasil contra a ameaça soviética
Em manuscrito de arquivo do CPDOC, João Goulart
se manifesta contra ação militar em Cuba e defende autodeterminação do país
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
No auge da crise dos mísseis
em Cuba, em 22 de outubro de
1962, o presidente dos Estados
Unidos, John F. Kennedy, enviou carta "secreta" ao colega
brasileiro João Goulart, pressionando-o por apoio diplomático, político e até militar contra o "desafio ousado e belicoso" [de instalar mísseis em Cuba] da URSS a "todos os povos
livres". Segundo Kennedy, os
mísseis representavam "grave
(...) ameaça ao hemisfério ocidental", e os dias seguintes determinariam "o futuro da humanidade neste planeta".
Kennedy propõe a Jango
uma ação conjunta, que pode
incluir a "participação (...) em
alguma ação militar", "senão a
União Soviética vai passar a
violações mais e mais flagrantes contra a paz internacional e
a liberdade, até que não tenhamos mais escolha a não ser a
rendição absoluta ou o desencadear de um holocausto nuclear". "Temos de tomar uma
posição agora; o mundo inteiro
está observando."
As quatro páginas da mensagem e mais 563 páginas de documentos, além de 136 fotos,
integram os arquivos pessoais
do presidente deposto João
Goulart (1961-64), desde domingo digitalizados e disponíveis a acesso público no site do
CPDOC/FGV (www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/).
O governo brasileiro não
participou da malfadada intervenção em Cuba. Não se sabe
se esta foi a resposta oficial do
brasileiro, mas os arquivos do
CPDOC contêm manuscrito
em que Jango se manifesta
contra a intervenção militar
em Cuba e defende a autodeterminação do país. "Nunca reconhecemos a guerra como
instrumento de resolver conflitos entre os países", escreveu.
Os papéis digitalizados são
um resumo do pensamento e
das angústias do último presidente civil antes de 21 anos de
regime militar. Trazem documentos pessoais, fotos e material de sua vida pública. Retratam o conturbado período de
sua presidência, iniciada com a
renúncia de Jânio Quadros e
encerrada com sua queda, após
golpe que o levou ao exílio, onde morreu, em 1976.
Há relatos sobre articulações
políticas do então governador
da Guanabara, Carlos Lacerda,
para derrubá-lo, em 1963, e dos
militares contra sua posse após
a renúncia de Jânio, em 61.
Uma carta do amigo Doutel de
Andrade o alerta que ele seria
preso caso voltasse da China ao
país naquele momento. A fonte
era o presidente da República
provisório, Ranieri Mazzili.
Os papéis são divididos por
período histórico e compreendem as várias fases da vida do
gaúcho, herdeiro político de
Getúlio Vargas.
Observando virtualmente os
documentos, é possível compreender a radicalização e a
tensão antes do golpe, as tratativas infrutíferas de reverter o
destino já no Uruguai, e enxergar a tristeza e o amargor dos
anos de exílio. Até sua morte,
ele escrevia manuscritos endereçados "ao povo brasileiro".
Aberto para o mundo
A digitalização dos documentos foi feita com o patrocínio de
R$ 3 milhões do banco Real. Segundo Suely Braga, coordenadora do setor de documentação
do CPDOC, o objetivo é preservar o acervo e abrir possibilidades de consulta para o mundo.
O acervo de Jango foi doado
em 1990 pela família de Raul
Ryff, que foi secretário de imprensa do presidente. Não existe outro arquivo privado conhecido, diz Suely Braga, embora parentes do ex-presidente
tenham se referido a um baú,
que se teria perdido.
Para a pesquisadora sênior
do CPDOC Ângela de Castro
Gomes, autora do livro "Jango
-As Múltiplas Faces", o acervo
"contempla tanto a dimensão
de homem público quanto a
pessoal" de João Goulart. "Lendo o arquivo, conseguimos sentir como aquele personagem vivia como pessoa, seu sofrimento e seu desejo de voltar ao Brasil de qualquer maneira", diz.
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