São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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JANIO DE FREITAS
Perigos do cansaço

Foi uma sorte que ninguém, nem mesmo uma das moças em fuga descontrolada da pancadaria entre sindicalistas, seguranças e parlamentares, ultrapassasse a área da Câmara para a do Senado, onde a ordem do senador Antonio Carlos Magalhães aos jagunços da casa era a de recepcionar a pancada e a tiro todos os suspeitos de estar "invadindo" a área senatorial.
Sorte dos fugitivos e sorte não menor do próprio senador, que se pôs como mandante de uma tragédia que, não fora evitada pelo acaso favorável, teria os ingredientes para produzir, no país, efeitos à maneira de outros tiros assassinos na história brasileira.
A sorte, porém, não enfraquece a eloquência da ordem de Antonio Carlos como demonstração do desatino, da prepotência, da arrogância, da ausência de ética, da falta de respeito humano, do desprezo por princípios e da incivilidade que predominam no atual Congresso.
As cinco ou seis dezenas de sindicalistas que ocuparam uma comissão da Câmara, berrando refrões com certos dados biográficos do deputado luso-baiano José Lourenço, cometeram em seguida a invasão do plenário, teoricamente exclusivo dos parlamentares. Os sindicalistas talvez não soubessem da exclusividade, sendo então a baderna que ali fizeram, ela sim, caracterizadora de invasão violenta. E o que vale perguntar é se não seria também simbólica.
Quantos não seriam os já cansados de só receber do Congresso mais e mais opressões e restrições aviltantes; e já cansados de ver a outra baderna do Congresso, a do máximo de vadiagem com o máximo de "dar e receber", quantos não seriam os desejosos de fazer o mesmo que os 50 ou 60 sindicalistas? Milhares ou milhões?
O onipotente
Complemento da quinta-feira de truculência na Câmara, nada como mais uma tramóia parlamentar para maior solidez da ilegalidade que entremeia e envolve tudo na "reforma da Previdência".
Presente à comissão especial da "reforma", o deputado Inocêncio Oliveira ajudou com seu voto a aprovação do parecer governista. E teve o voto computado pelo José Lourenço que o próprio Inocêncio Oliveira indicou para a presidência baderneira da comissão. Mas só os integrantes da comissão poderiam votar, e Inocêncio Oliveira não era da Comissão.
Ao saber que a corregedoria da Câmara recebera uma denúncia sobre sua contribuição para a maior ilegalidade, Inocêncio Oliveira foi direto ao corregedor Severino Cavalcanti, com sua explicação: "Eu me autonomeei para a comissão ali mesmo".
O corregedor e o presidente da Câmara, Michel Temer, não faltarão com mais uma prova da sua elástica, da sua infindável tolerância. Quando se trata de algo favorável ao governo, claro.
Queremos bis
Merecem todas as homenagens os atores que se uniram e, com sucessivas idas ao Senado, conseguiram restabelecer os direitos autorais e patrimoniais, que o texto em votação pretendia transferir dos autores e artistas para os contratantes dos seus trabalhos.
Foi uma bela exibição de consciência profissional e de defesa da cidadania.
Ex-quercista, ex-fleurysta, hoje fernandista, o deputado Aloysio Nunes Ferreira não conseguiu emplacar o seu texto, mas não lhe faltarão ocasiões de mostrar utilidade global.



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