São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice QUARTO MUNDO Duzentos pescadores morreram nos últimos anos devido à falta de cuidado em mergulhos no Nordeste Pesca irregular mata e paralisa no Nordeste
O que leva o pescador a uma atividade tão arriscada? A primeira resposta é a necessidade de ganhar dinheiro. Por R$ 300 em média por mês -com uma produção maior, anos atrás, ganhava-se mais de R$ 1.000- a lagosta é uma opção para uma região totalmente desprovida de empregos. Mas tem seu custo. "São mergulhos alucinados. São suicidas mesmo", diz o médico Sérgio Souza Mendes, especializado em medicina hiperbárica do Hospital Naval de Natal. Por causa da lagosta, o Nordeste é a região do mundo em que mais há os chamados acidentes descompressivos. Sem proteção Na busca da lagosta, o pescador vai ao fundo do mar sem nenhuma proteção. Para poder respirar, mergulha com uma mangueira que fica presa ao compressor, em cima do barco. Os únicos equipamentos usados por ele são pés-de-pato, máscara e luva. Na cintura, amarra um cinturão com chumbo para afundar mais rapidamente. Leva ainda um arpão e uma rede de pescar para cercar os cardumes de lagosta. Uma hora de pesca com compressor corresponde à produção de 23 covos deixados no fundo do mar. A profundidade da pesca com compressor é marcada pelo tamanho da mangueira pela qual o pescador respira. Com até quatro horas em baixas profundidades, o pescador tem problemas de saúde ao voltar à superfície da água sem cumprir etapas de descompressão. Para fazer um mergulho de 50 metros com duas horas de duração, por exemplo, o pescador teria que voltar lentamente à superfície. No caso, seriam oito paradas consecutivas, com um total de 354 minutos (5,9 horas), quase três vezes o tempo que gastou no mergulho. Como pescador nenhum cumpre essa orientação, as consequências em seu organismo são devastadoras. No caso de embolia pulmonar, o pescador volta à tona vomitando, sangrando, com falta de ar e perda de consciência. Pode entrar em coma e morrer. Outro caso igualmente grave é a chamada doença da descompressão. Em seu quadro mais agudo, trata-se de uma lesão neurológica, seguida de paralisia de membros geralmente inferiores, edema cerebral, coma e morte. Quem escapa, geralmente fica paralítico. Na última semana, a Folha visitou seis praias do Rio Grande do Norte. Em apenas quatro delas -Rio do Fogo, Cajueiro, São Miguel do Gostoso e Caiçara -há registros de 32 mortes, além de 65 paralíticos e de pessoas com problemas de locomoção. Embora aponte para o problema social, Silas Baracho, presidente da Colônia de Pescadores de Cajueiro, também responsabiliza a falta de conscientização do pescador. "O pescador não tem consciência que está acabando com a lagosta e com ele próprio", diz. "Se o pescador tivesse estudado, isso não aconteceria." "O culpado de tudo isso é o governo. Isso só muda na hora em que o governo obrigar ao cumprimento das leis do setor pesqueiro", afirma Abraão Ferreira da Cruz, presidente da Federação da Pesca do Rio Grande do Norte -responsável pelo cálculo do número de 200 mortes. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
|