São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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Um economista que pensa como filósofo

da Redação

Não é simples classificar o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, 40, que a partir de quinta-feira assume coluna semanal na Ilustrada. Provavelmente um defensor de idéias de esquerda não encontraria dificuldade para tachá-lo de "neoliberal", epíteto que no Brasil passou a acompanhar aqueles que vêem mais virtudes na iniciativa privada e na livre concorrência que na centralização e no intervencionismo estatal.
Giannetti certamente é um desses. Não tem, contudo, maior interesse pela rotulação: "São classificações que mais obscurecem do que iluminam", diz.
O economista já foi, ele mesmo, um convicto militante trotskista e iniciou sua formação como aplicado estudioso de Marx. Decepcionado com o que encontrou no primeiro ano da faculdade de economia, onde Marx era ignorado, passou a cursar paralelamente ciências sociais, também na Universidade de São Paulo. "Fazia economia de manhã, ciências sociais de noite e movimento estudantil 24 horas por dia", afirma.
Se hoje não sonha mais ser "um clássico do marxismo", como chegou a imaginar na juventude, herdou do autor de "O Capital" o modelo "clássico" do economista: aquele cujos interesses transcendem o domínio estrito das leis da economia, para visitar as veredas da história e da filosofia.
Foi ainda exibindo seus conhecimentos sobre Marx que Giannetti obteve admissão para um doutoramento em Cambridge, na Inglaterra. Àquela altura, no início da década de 80, os ares da redemocratização brasileira já o levavam a perceber que o bolchevismo não seria a solução para a equação política do país.
"Vi que não tínhamos nenhuma penetração real no operariado e me dei conta de que não foi à toa que o bolchevismo surgiu no país mais obscurantista de toda Europa, a Rússia czarista. Só num ambiente muito opressor e esmagador aquilo poderia fazer algum sentido."
Nessa época, um outro filósofo alemão passou cada vez mais a fazer sentido para Giannetti: Nietzsche. "Não o Nietzsche que depois passei a admirar na Inglaterra, que eles chamam provocativamente de positivista, mas o da fase final, da obsessão anticristã."
Para quem manteve com o marxismo uma relação "semi-religiosa", a leitura de "O Anticristo" foi crucial: "O livro levou-me ao problema ao qual me dediquei durante boa parte de minha vida intelectual, a relação entre o que nós acreditamos, o que nós somos e o que nós fazemos na vida prática".
Não por acaso, Giannetti lançou recentemente um livro que, no ambiente econômico -embora não apenas nele-, provocou surpresas. "Auto-engano" (Cia. das Letras) é um esforço de pensamento sobre o modo como os indivíduos formulam para si próprios equívocos nos quais acreditam.
Contornando referências a sistemas consagrados de pensamento, o volume, que o autor situa no campo da filosofia analítica, é uma tentativa de pensar diretamente um problema, "sem buscar amparo" -ele explica- "naquilo que Mário de Andrade chamava de exposição sedentária de doutrinas alheias".
"Auto-engano" não deixa, entretanto, de manter relações com a economia e doutrinas já formuladas. Afinal, o livro trata de um tema que ocupou o economista Adam Smith, uma das predileções intelectuais do autor, e empreende, subterraneamente, uma discussão com a fé marxista.
"Auto-engano" talvez fosse menos surpreendente se o leitor brasileiro conhecesse "Beliefs in Action" ("Crenças em Ação"), livro publicado em 91 na Inglaterra, a partir da tese de doutorado defendida pelo autor. O livro, que ganhará novo título em português, trata das transformações pelas quais as idéias passam ao longo de seus processos de transmissão.
Não apenas por suas incursões filosóficas, Giannetti foge ao modelo convencional do economista. Se Mário Henrique Simonsen era um amante da ópera, ele é admirador da música pop.
Fã de rock, ainda hoje gosta de ouvir Led Zeppelin e Deep Purple. Foi no final da década de 70 que a música popular brasileira entrou em sua vida. Descobriu o compositor Caetano Veloso ouvindo o LP "Muito". Hoje, os dois mantêm relações de amizade. Também faz parte de seu círculo o letrista, poeta e autor filosófico Antonio Cícero, com quem chegou a trocar idéias sobre "Auto-engano".
Autor de "Vícios Privados, Benefícios Públicos" (Cia. das Letras, 93), e professor de economia na Universidade de São Paulo, Giannetti também é requisitado por empresas para palestras e análises.
Nos anos de 93 e 94, ele escreveu regularmente artigos para o caderno Dinheiro, da Folha. Os textos foram reunidos no livro "As Partes & o Todo" (Siciliano, 95).
Agora, na Ilustrada, o leque temático de Giannetti amplia-se. "É um desafio. Quero fazer o melhor que posso e estou entusiasmado com idéia", diz o novo colunista.
(MARCOS AUGUSTO GONÇALVES)



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