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Um economista que
pensa como
filósofo
da Redação
Não é simples classificar o economista Eduardo Giannetti da
Fonseca, 40, que a partir de quinta-feira assume coluna semanal na
Ilustrada. Provavelmente um defensor de idéias de esquerda não
encontraria dificuldade para tachá-lo de "neoliberal", epíteto
que no Brasil passou a acompanhar aqueles que vêem mais virtudes na iniciativa privada e na livre
concorrência que na centralização
e no intervencionismo estatal.
Giannetti certamente é um desses. Não tem, contudo, maior interesse pela rotulação: "São classificações que mais obscurecem
do que iluminam", diz.
O economista já foi, ele mesmo,
um convicto militante trotskista e
iniciou sua formação como aplicado estudioso de Marx. Decepcionado com o que encontrou no primeiro ano da faculdade de economia, onde Marx era ignorado, passou a cursar paralelamente ciências sociais, também na Universidade de São Paulo. "Fazia economia de manhã, ciências sociais de
noite e movimento estudantil 24
horas por dia", afirma.
Se hoje não sonha mais ser "um
clássico do marxismo", como chegou a imaginar na juventude, herdou do autor de "O Capital" o
modelo "clássico" do economista: aquele cujos interesses transcendem o domínio estrito das leis
da economia, para visitar as veredas da história e da filosofia.
Foi ainda exibindo seus conhecimentos sobre Marx que Giannetti
obteve admissão para um doutoramento em Cambridge, na Inglaterra. Àquela altura, no início da
década de 80, os ares da redemocratização brasileira já o levavam a
perceber que o bolchevismo não
seria a solução para a equação política do país.
"Vi que não tínhamos nenhuma
penetração real no operariado e
me dei conta de que não foi à toa
que o bolchevismo surgiu no país
mais obscurantista de toda Europa, a Rússia czarista. Só num ambiente muito opressor e esmagador aquilo poderia fazer algum
sentido."
Nessa época, um outro filósofo
alemão passou cada vez mais a fazer sentido para Giannetti: Nietzsche. "Não o Nietzsche que depois
passei a admirar na Inglaterra, que
eles chamam provocativamente
de positivista, mas o da fase final,
da obsessão anticristã."
Para quem manteve com o marxismo uma relação "semi-religiosa", a leitura de "O Anticristo" foi
crucial: "O livro levou-me ao problema ao qual me dediquei durante boa parte de minha vida intelectual, a relação entre o que nós
acreditamos, o que nós somos e o
que nós fazemos na vida prática".
Não por acaso, Giannetti lançou
recentemente um livro que, no
ambiente econômico -embora
não apenas nele-, provocou surpresas. "Auto-engano" (Cia. das
Letras) é um esforço de pensamento sobre o modo como os indivíduos formulam para si próprios equívocos nos quais acreditam.
Contornando referências a sistemas consagrados de pensamento,
o volume, que o autor situa no
campo da filosofia analítica, é uma
tentativa de pensar diretamente
um problema, "sem buscar amparo" -ele explica- "naquilo
que Mário de Andrade chamava
de exposição sedentária de doutrinas alheias".
"Auto-engano" não deixa, entretanto, de manter relações com a
economia e doutrinas já formuladas. Afinal, o livro trata de um tema que ocupou o economista
Adam Smith, uma das predileções
intelectuais do autor, e empreende, subterraneamente, uma discussão com a fé marxista.
"Auto-engano" talvez fosse menos surpreendente se o leitor brasileiro conhecesse "Beliefs in Action" ("Crenças em Ação"), livro
publicado em 91 na Inglaterra, a
partir da tese de doutorado defendida pelo autor. O livro, que ganhará novo título em português,
trata das transformações pelas
quais as idéias passam ao longo de
seus processos de transmissão.
Não apenas por suas incursões
filosóficas, Giannetti foge ao modelo convencional do economista.
Se Mário Henrique Simonsen era
um amante da ópera, ele é admirador da música pop.
Fã de rock, ainda hoje gosta de
ouvir Led Zeppelin e Deep Purple.
Foi no final da década de 70 que a
música popular brasileira entrou
em sua vida. Descobriu o compositor Caetano Veloso ouvindo o
LP "Muito". Hoje, os dois mantêm relações de amizade. Também
faz parte de seu círculo o letrista,
poeta e autor filosófico Antonio
Cícero, com quem chegou a trocar
idéias sobre "Auto-engano".
Autor de "Vícios Privados, Benefícios Públicos" (Cia. das Letras,
93), e professor de economia na
Universidade de São Paulo, Giannetti também é requisitado por
empresas para palestras e análises.
Nos anos de 93 e 94, ele escreveu
regularmente artigos para o caderno Dinheiro, da Folha. Os textos
foram reunidos no livro "As Partes & o Todo" (Siciliano, 95).
Agora, na Ilustrada, o leque temático de Giannetti amplia-se. "É
um desafio. Quero fazer o melhor
que posso e estou entusiasmado
com idéia", diz o novo colunista.
(MARCOS AUGUSTO GONÇALVES)
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