São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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Um filósofo preocupado com a economia


da Redação

Roberto Mangabeira Unger, 50, que estréia como colunista da Folha na terça, é o pensador brasileiro mais conhecido no exterior.
Tornou-se professor titular de direito da Universidade de Harvard (EUA) quando tinha apenas 25 anos. Seu prestígio internacional pode ser medido pelo fato de o renomado historiador britânico Perry Anderson ter-lhe dedicado todo um capítulo em seu livro "Zona de Compromisso".
Entre seus livros destacam-se "Passion: An Essay on Personality" (1984) e "Plasticity into Power: Comparative-Historical Studies on the Institutional Conditions of Economic and Military Success" (1987). De suas obras teóricas, porém, apenas duas -"Conhecimento e Política" e "O Direito na Sociedade Moderna"- foram editadas no Brasil.
O ponto de partida da filosofia de Mangabeira Unger é a revalorização da contingência. Ele sustenta que a sociedade é um produto dos indivíduos, e não um objeto da natureza, inerte e inalterável.
Precisamente por ser um artefato é que ela pode ser transformada pelos indivíduos: "A história, de meu ponto de vista, é uma história de reformas revolucionárias. Tudo o que acontece de importante consiste nessas transformações fragmentárias, porém ao mesmo tempo estruturais".
Para ele, a sociedade não constitui uma totalidade indivisível, mas um conjunto de fenômenos singulares, passíveis de modificação. Os indivíduos agem de acordo com as opções com que se defrontam. Por isso todas as pessoas possuem a capacidade de negar uma estrutura existente e substituí-la por outra. "Há sempre mais em nós do que há nas estruturas. Ninguém nunca está aprisionado."
Essa é a base teórica para sua crítica das teorias deterministas do comportamento humano e também para sua proposta política. Entre o conservadorismo que não promove mudanças na estrutura institucional e a revolução existe o "reformismo revolucionário, a substituição de qualquer dos componentes dessa estrutura institucional e imaginativa formadora".
Esse reformismo revolucionário constitui a forma normal de mudança social. Os indivíduos tomam suas decisões avaliando as alternativas existentes. Daí a importância de oferecer escolhas aos indivíduos, para que elas possam transformar as estruturas. Essa é a base do seu engajamento político.

Carreira
Mangabeira nasceu no Rio em 1947, ano em que seu avô Otávio Mangabeira foi eleito governador da Bahia pela UDN e seu tio-avô João Mangabeira fundou o PSB.
Ficou, porém, pouco tempo no Brasil. Aos dois anos foi com a família para os Estados Unidos e só voltou ao país em 1959. Formou-se em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1969.
Perseguido pelo regime militar, regressou aos Estados Unidos, começando a lecionar na Universidade de Harvard. Em 1976, tornou-se professor titular de direito e membro da Academia Americana de Artes e Ciências.
Nesse meio tempo, manteve contatos com a oposição. Na década de 70, aproximou-se da ala radical do MDB (o grupo "autêntico") e participou da redação do manifesto do PMDB.
Contrário à união do partido com o PP, ocorrida em 1982, Mangabeira filiou-se ao PDT, tornando-se o principal conselheiro teórico de Leonel Brizola.
Após a derrota de Brizola na eleição presidencial de 1994, aproximou-se de Ciro Gomes, com quem publicou "O Próximo Passo" -no qual eles expõem um programa para o país.
Seu projeto se opõe frontalmente ao que tacha de "neoliberalismo" do governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo Mangabeira, FHC aceita as regras da nova ordem econômica (globalização) como uma fatalidade histórica. Procura evitar conflitos a todo custo e apresenta essa política como realismo político: "É fácil ser realista quando se aceita tudo".
Mangabeira critica o desmantelamento do Estado e a falta de políticas que reduzam as desigualdades. Mas diverge da esquerda sobre como combater essas políticas. Em vez de preservar as estatais, defende sua privatização, para recuperar a capacidade de investimento do Estado, possibilitando a criação de novas empresas públicas.
Em lugar de tributar a renda, propõe taxar o consumo com impostos indiretos, porque observa que o Estado redistribui a riqueza de forma mais eficaz pela maneira como gasta seus recursos do que pelo modo como os arrecada.
Em seu programa, os instrumentos defendidos pelos conservadores são assim mobilizados para implementar metas de esquerda.
Mangabeira acredita que a oposição no Brasil não tem "mensagem". Segundo ele, nem o PT acredita em seu programa: a candidatura Lula não visaria ganhar a eleição, mas manter a hegemonia do partido na esquerda e assegurar sua unidade. Daí sua opção por Ciro Gomes, capaz, conforme crê, de agregar oposição e setores governistas. (MAURICIO PULS)


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