São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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ELIO GASPARI
Os sete cavaleiros do PMDB

Quando FFHH mandou servir tutu à mineira no almoço que deu a Itamar Franco, sabia o que estava fazendo. Ele é candidato a presidente da República, mas não vai batalhar votos na convenção do PMDB. Nem a Brasília virá. Ficará em Washington até o final de março. Portanto é mais provável que seja candidato a presidente dos Estados Unidos ou a governador de Minas Gerais. (Segundo sua narrativa, não deixou que o assunto se misturasse com o feijão e cortou uma tentativa de FFHH, lembrando-lhe que os mineiros fazem sua política em Minas.)
Da passagem de Itamar por Brasília resultou uma grande obra. Foi a nota de sete governadores do PMDB defendendo o apoio do partido à reeleição do presidente. É um documento precioso.
Para começar, se o PMDB quer fazer com o Brasil o que os seus governadores fizeram com a língua portuguesa, FFHH deve ser reeleito até o ano 3047. Jogaram as vírgulas como se fossem sal de salada. Para arrematar, disseram que o PMDB deve se integrar à "coligação dos partidos que sustentará a reeleição". Devem pedir à convenção de 8 de março que escolha entre a "coligação de partidos que sustentará a reeleição" ou a "coligação dos partidos que sustentarão a reeleição". O PMDB não pode continuar com a cabeça na pré-escola e a mão no Planalto.
Isso seria pouco. Informaram que os quadros do partido são "co-autores do governo". O que tem co-autor é latrocínio. Orgulharam-se de colaborar com o governo em três ministérios e numa "secretaria de grande porte". Deve ser uma secretaria na qual cabem dromedários. Depois avisaram que estão se preparando para as eleições "na expectativa de conquistarmos o maior número de governadores estaduais". Além de não existirem governadores municipais, os sete cavaleiros do PMDB poderiam explicar como pretendem conquistá-los. Com Chanel nš 5?
A nota estava planejada desde domingo. Começou a ser escrita na manhã de quarta-feira. Inicialmente seria assinada pelos 60 integrantes do Conselho Nacional do partido. Como era muita gente, encolheu. Não tem autor conhecido. Pelo menos um dos governadores aprovou o texto sem lê-lo. Dois deles pediram que se incluísse um parágrafo ensaboando os ex-presidentes José Sarney e Itamar Franco. Nenhum dos signatários participou de sua redação. Sua penúltima versão chegou ao Ministério dos Transportes no fim da tarde, vinda da máquina de fax do Ministério da Justiça.
Sete governadores assinaram um documento no qual arrolam apenas quatro motivos para apoiar a reeleição: três ministérios e uma secretaria de grande porte, a de Políticas Regionais. Referem-se rapidamente à estabilidade econômica, mas não enunciam uma única idéia ou um só motivo de interesse público.
Poucas vezes um documento foi tão revelador naquilo que tem de desconexo e tão informativo naquilo que tem de explícito: os governadores do PMDB apóiam a reeleição porque ela lhes dá o controle de quatro cadeiras da Viúva. É possível que haja outros motivos, mas, nesse caso, ou os escribas da nota assinada pelos governadores preferiram não revelá-los, ou esqueceram.

As "esquerdas"

O deputado Fernando Lyra (PSB-PE) explica o dilema dos partidos de esquerda na sucessão presidencial:
- O Pelópidas Silveira, que foi prefeito do Recife, dizia que nós só vamos ter vez quando a briga tiver "as direitas" contra "a esquerda". Enquanto tivermos "as esquerdas" contra "a direita", pouco haverá a fazer.
Lyra sustenta que até meados do ano passado "as direitas" estavam desunidas, mas FFHH costurou o acordo com Paulo Maluf, restabelecendo a tradição histórica.

Anarquia tributária

Enquanto a ekipekonômica não manda ao Congresso um projeto de reforma tributária, as relações dos municípios com os Estados e a União viram bagunça. A prefeitura de Mogi das Cruzes, em São Paulo, está gastando o equivalente a 6% do seu Orçamento (ou 32% daquilo que seus habitantes pagam de Imposto Predial e Territorial Urbano) com subsídios aos serviços estaduais e federais que deveria receber de graça. Neste ano, desembolsará R$ 37 milhões.
A prefeitura de Mogi não é a única que paga por esse tipo de subsídio, mas talvez seja um dos melhores exemplos da espécie.
Como os funcionários estaduais ganham pouco, as prefeituras entram com uma espécie de abono. Um atendente de hospital ganha R$ 70 sobre um salário de R$ 403. Seu abono é de 17%. Já um médico, com jornada de 24 horas por semana, ganha um reforço de R$ 780, equivalente a 59% do salário estadual, e fecha o mês com R$ 2.100.
Além de dinheiro, a prefeitura empresta aos serviços estaduais 221 funcionários, ao custo de R$ 2,6 milhões. Compra peças para as viaturas do Corpo de Bombeiros e paga a gasolina para as da Polícia Civil.
Até certo ponto, essa anomalia é um solução, pois se destina a melhorar a qualidade dos serviços públicos. A anarquia se instala de forma corrosiva quando a prefeitura paga R$ 44 mil por mês aos soldados e oficiais da PM. Cada soldado recebe R$ 111, e um tenente fica com R$ 238. Como se trata de uma instituição militar, cria-se um absurdo, no qual um tenente que serve numa cidade ganha mais que um capitão que serve em outra, onde não há subsídios.

Vende-se: povo

Vai mal de povo e de verbo o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Lélio Lobo. Justificando a sua defesa do cartel de empresas aéreas que operam no Brasil, cobrando tarifas que estão entre as mais altas do mundo, disse o seguinte:
- Temos um povo de poder aquisitivo baixo e desigualdades regionais muito elevadas.
Enganou-se. Não "temos" um povo. Ou somos um povo ou não somos coisa nenhuma. O que a gente tem é escova de dente, sapato e Tamagotchi. O brigadeiro haverá de descobrir isso percorrendo o comércio de Brasília, entrando nas lojas e tentando comprar um povo novo, só para ele.

FFHH, Malan e Kandir, três bolsistas ingratos

A ekipekonômica e o companheiro José Israel Vargas, ministro da Ciência e Tecnologia, estão fazendo com as instituições científicas nacionais coisas que não passaram nem sequer pela cabeça do generalíssimo Solano Lopez.
Primeiro cortaram as verbas que pagavam as bolsas dos pesquisadores brasileiros. Só no Conselho Nacional de Pesquisa sumiram 1.500 bolsas de mestrado, quase todas novas. Na área do doutorado, de cada quatro, cortaram uma. Fazem isso depois de terem derramado um belo abono salarial sobre os burocratas da área científica. Esse abono, que vai de R$ 375 a R$ 1.021, foi concedido às vésperas da emissão do Pacote 51.
Pode-se argumentar que o governo se viu obrigado a cortar na carne para defender o real. Tudo bem, mas não precisava cortar o cérebro. Fizeram um corte linear para o qual basta a inteligência de um aparador de grama.
O governo se esqueceu de que, entre as suas virtudes, esteve a de criar o Programa de Apoio a Núcleos de Excelência, o Pronex. Tinha R$ 92 milhões para gastar entre 1996 e 1999. (Uma boa parte desse dinheiro saiu de tungas orçamentárias impostas ao setor científico, mas deixa pra lá.) Chamou a comunidade científica e pediu-lhe que tirasse os melhores projetos das gavetas. Apareceram 500 e foram selecionados 77. Uma das coisas mais inteligentes do Pronex é a exigência de que seu dinheiro não pode ser torrado em salários.
Agora, a ekipekonômica e o companheiro Vargas avançaram na medula do que eles mesmos criaram. Negam dinheiro para pagar as bolsas dos pesquisadores do próprio Pronex. No Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro há 46 laboratórios. Deles, 36 estão ligados de uma forma ou de outra a pesquisas apoiadas pelo programa. Neste ano, de 27 estudantes selecionados para teses de mestrado, 22 começariam a trabalhar nessa área. A instituição recebeu apenas três bolsas novas.
Num só projeto, dirigido pelo professor Radovan Borojevic, que estuda os problemas imunológicos dos transplantes de medula fora do corpo humano, há 24 doutores, 30 doutorandos, 23 mestrandos e 23 estudantes. Precisava de seis bolsas novas. Não vai tê-las.
Os professores Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan e Antonio Kandir, em quem a Viúva investiu poderosamente com verbas da Universidade de São Paulo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e da Unicamp, podem agora anunciar aos investidores internacionais que o governo brasileiro está fazendo aquilo que chamam de "dever de casa". Estão mutilando a formação de novos cientistas. No caso do projeto do professor Borojevic, economizarão algo como R$ 70 mil. Feito isso, terão o maior prazer em dar uma quantia equivalente ao magano global que investir algo como R$ 250 mil na ciência do papelório.

Everardo Maciel escapou por pouco

Faltou pouco para que se materializasse a seguinte notícia:
Everardo Maciel, secretário da Receita Federal, é capaz de tirar três zeros das compras pessoais que faz no exterior. Comprou US$ 19.700 em medicamentos no Estados Unidos e, para efeitos tributários, transformou-os numa carga de apenas US$ 19,70. Em vez de pagar US$ 10 mil de multa, retirou o pacote sem pagar nada à Viúva.
Maciel trouxe a carga pelo Federal Express, ela foi apreendida na Alfândega, mas foi liberada em 48 horas, com o valor alterado.
Um secretário da Receita que consome US$ 19.700 em remédios seria imediatamente incorporado ao folclore tributário nacional.
Se Everardo Maciel não fosse capaz de tirar a meia sem tirar o sapato, cairia nessa.
Sucedeu-lhe o seguinte: precisava do remédio Liptor, para baixar o seu nível de colesterol. Como o produto não existe no Brasil, pediu a um amigo que mora nos Estados Unidos que comprasse quatro caixinhas numa farmácia e as despachasse. O amigo fez o combinado, desembolsou US$ 19,70 e remeteu a encomenda. Quando ela bateu na Alfândega, a guia que documentava a transação, redigida pela empresa transportadora, informava que o saco de plástico continha mercadoria no valor de US$ 19.700. Como o limite de isenção para medicamentos é de US$ 500, a sacola foi apreendida.
Maciel descobriu o que aconteceu com sua encomenda e percebeu que alguém tinha se equivocado ao redigir a guia. (A fatura da farmácia estava com o valor certo.) Caso fácil de resolver. Bastava lavrar uma retificação, e as quatro caixas de remédio seriam liberadas. Ele tomaria as pílulas, jogaria as caixas fora e não sobraria vestígio da transação.
Anteviu um pesadelo. Conseguiria a liberação da encomenda, mas um dia teria de explicar a transformação dos US$ 19.700 nos US$ 19,70. Resolveu o problema de maneira simples. Pediu ao amigo que lhe mandasse outra remessa do remédio e doou, oficialmente, o conteúdo da carga a um hospital público.
Se foi engano, ninguém perdeu nada e o hospital ganhou quatro caixas de remédio. Se havia esperteza no lance, desta vez não conseguiram colocar Maciel no papel do bobo.

Entrevista

Cláudia Costin

(42 anos, casada, dois filhos, secretária-executiva do Ministério da Administração e Reforma do Estado.)

A senhora é uma das três mulheres com melhor posição num governo sem mulheres no ministério. Nos cargos de melhor remuneração do serviço público, os DAS, há 45% de mulheres no nível mais baixo, mas só 14% no mais alto. Isso é machismo de tucano?
É um problema antigo, com raízes culturais. O número de mulheres no serviço público é ligeiramente superior ao de homens. Recentemente vimos uma ascensão no escalão médio, mas ainda há desconfiança na hora do preenchimento de cargos mais altos. São preconceitos, e isso atrapalha o serviço público. Na iniciativa privada, cresceu assustadoramente o número de mulheres em cargos de direção no setor financeiro e nos serviços de tecnologia. Nessa área, frequentemente os homens do serviço público têm como interlocutoras mulheres da iniciativa privada. É conhecido o caso ocorrido com a Carla Grasso. Ela assumiu a Secretaria de Previdência Complementar, e um cidadão informou que não aceitaria ordens de mulher. Ela o botou para fora. Agora a Carla é diretora corporativa de recursos humanos da Vale do Rio Doce, que foi privatizada. Eu acho que enquanto foi estatal a Vale nunca teve mulher na diretoria.
Uma política de quotas ajudaria?
Pessoalmente -e como mulher- eu tendo a ser contra, mas respeito quem as defende. Eu odiaria ter de pensar que devo a minha posição a uma quota. Foi uma pena o que aconteceu com a passagem da Zélia Cardoso de Mello pelo ministério no governo Collor. Nunca uma mulher chegou tão alto e acabou como acabou. Não me refiro à política que ela fez nem às questões que circundaram sua gestão, mas ao fato de ela ter feito um livro cujo principal atrativo estava na vida pessoal. Se uma artista de cinema faz isso, é mais do que razoável. No caso dela, reforçou os estereótipos.
Dê cinco recomendações para uma jovem que pretende ter uma vida profissional.
1) Ela deve ver a sua profissão como um aprendizado, uma atualização permanente. Isso não é fácil, porque ela tem a dupla jornada. Tem a sua atividade profissional e, em casa, ela trabalha mais que o marido.
2) Não imite os homens. Em geral, as mulheres são menos assertivas e menos agressivas. Às vezes essas características permitem que a mulher tenha um desempenho melhor. Não se deve imitar o homem nem na roupa. Eu não gosto desses paletós que estão na moda. Gosto de estar bonita, não tenho problema com meus atributos femininos.
3) O serviço público é uma boa alternativa. As mulheres tendem a obter melhores resultados nos concursos.
4) A mulher não deve se subestimar nem permitir que a subestimem. É sempre bom exercitar a auto-estima.
5) Na minha geração ainda havia a idéia de que a mulher só conseguia êxito profissional abrindo mão de uma parte de sua vida afetiva. Hoje isso mudou. É mais fácil encontrar parceiros capazes de conviver com uma mulher profissional. Se um homem escolhe como parceira uma louraburra, acaba vivendo com uma loura burra. Se a mulher escolhe um homem das cavernas, vai acabar cuidando da cozinha da caverna. A escolha é de cada um e de cada uma.



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