São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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REFORMA DO ESTADO
Estudo traça estratégias na área econômica e avalia que intervenção do governo deve ser maior
Governo faz agenda do desenvolvimento

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

A agenda do desenvolvimento brasileiro deve organizar-se em torno de quatro pontos: avaliação estratégica dos grupos econômicos nacionais, análise crítica dos riscos da dependência financeira externa, cálculo da força dos grupos sociais organizados e reforço dos instrumentos estatais de ação e coordenação. Embora pareça, este não é o pensamento da oposição ao governo FHC, mas de alguns dos membros mais ilustres da própria equipe que assessora diretamente o presidente.
Responder a essas questões é a missão do Grupo de Análise e Pesquisa da Presidência da República (GAP), a cargo do sociólogo Luciano Martins (responsável pelo célebre seminário com intelectuais de peso internacional logo no início do governo FHC).
Cada um desses tópicos é tema de uma grande monografia voltada para a definição de uma estratégia de governo. Alguns já estão prontos, mas embargados. Outros estão em fase de conclusão. A Folha teve acesso ao relatório preliminar sobre grandes grupos empresariais brasileiros e ouviu alguns dos técnicos envolvidos.
Além do GAP, o desenho da estratégia envolve o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O trabalho sobre os grupos econômicos foi encomendado diretamente à área de planejamento do banco. Do Ipea, já saíram "O Brasil na Virada do Milênio - Trajetória do Crescimento de Desafios do Desenvolvimento" e uma série de estudos sobre regulamentação de infra-estrutura.
O governo FHC não tem um discurso acabado sobre desenvolvimento, a prioridade ainda é reforçar o compromisso com a estabilidade de preços, a política da taxa de câmbio e a aprovação das reformas constitucionais.
Mas aos poucos, nos bastidores, o Estado brasileiro parece estar retomando algumas funções desenvolvimentistas.
Depois da crise mexicana, foram surgindo políticas em defesa de setores que foram expostos demais à concorrência externa. A criação de novas linhas de crédito pelo BNDES, orientadas para setores considerados estratégicos, é outro exemplo de intervenção quase "asiática" na economia.
E houve alguns ajustes tributários, reforçando o caixa do Tesouro e tentando estimular as exportações. Essas ações não entrariam num receituário liberal típico.
Financiador
O estudo BNDES/GAP coloca o megabanco na condição de "financiador estratégico" desses grupos. Para um dos técnicos que participa das discussões dos resultados, é errado falar em desindustrialização na economia brasileira.
Estaria ocorrendo uma saudável reorganização empresarial, com profissionalização da gestão e concentração econômica, ingredientes para enfrentar uma concorrência externa inevitável.
Entre as possibilidades identificadas pelo estudo sobre os principais grupos econômicos nacionais está o aumento da presença do próprio BNDES no financiamento a investimentos.
Os grupos, levados por anos de taxas de juros elevadíssimas, evitaram o endividamento e o banco estatal enxerga na superação dessa reação defensiva o caminho para uma retomada. Os juros ainda estão altos demais, porém a identificação de estratégicas prepara o terreno para o momento em que for possível reduzir os juros.
A montagem de agências com poder ministerial para coordenar políticas de competitividade também está na agenda.
O problema em vários casos ainda é a herança de desmonte da máquina estatal, radicalizada no governo Collor (até Roseana Sarney era funcionária do Ipea, que nos últimos anos cortou excessos e voltou a fazer pesquisa econômica básica).
A lista de desvantagens que o estudo sobre grupos econômicos revela também é eloquente. O exame das orientações estratégicas dessas empresas mostra que ainda estão fortemente voltadas para o mercado interno.
A participação das exportações dos grupos no total de exportações brasileiras tem crescido (era de 11,9% em 1989, chegou a 18,9% em 1995), mas há uma grande concentração na produção de commodities (66% das exportações, em 1995).
O peso do controle familiar é outro fator problemático, embora o estudo tenha identificado, por meio de entrevistas com os empresários, que o espaço dos administradores profissionais tem crescido. A concentração das empresas em seus próprios negócios, evitando diversificar demais suas linhas de atuação, é outra tendência que o estudo identifica.
Para o técnico do governo que examina esses dados, a economia brasileira pode ser vista como um "capitalismo modesto". Há ceticismo quanto à capacidade dos grupos nacionais superarem limitações como a concentração em commodities.
A desnacionalização é evidente, embora não seja vista necessariamente como um mal.
Aliás, entre as 33 empresas da amostra, duas (Cofap e Brasmotor) passaram ao controle de investidores estrangeiros (o Grupo Hering vendeu sua parte agroindustrial para o Grupo Bunge).
Mas os investimentos previstos para os próximos cinco anos, segundo o estudo, concentram-se nos setores de papel e celulose, siderurgia, entretenimento e telecomunicações, energia e transporte.
Ou seja, setores onde houve ou haverá processos de privatização ou nos quais o governo atua de forma cada vez mais direta, oferecendo financiamento ou maior proteção contra os importados.
Os críticos do governo costumam dizer que o país não tem política industrial, que a política econômica não consegue ir além do compromisso com a estabilização e que há uma aposta exagerada na dependência financeira externa.
O debate está apenas começando, mas nos bastidores do governo há sinais de que a política econômica já não se limita à âncora cambial.
É verdade que ainda existe uma grande distância entre os estudos que começam a sair, para análise dos assessores presidenciais, e as políticas industriais e setoriais que afinal se tornam realidade.
Mas a distância pode estar diminuindo e, seja qual for o resultado das eleições deste ano, a tecnoburocracia estatal brasileira pode estar começando a retomar algumas das funções planejadoras que afinal sempre exerceu.
A julgar pelos trabalhos do GAP, do BNDES e do Ipea, as preocupações com o destino da burguesia nacional e a ação estruturadora do Estado sobre os mercados estão de volta à agenda política oficial.



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