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REFORMA DO ESTADO
Estudo traça estratégias na área econômica e avalia que intervenção do governo deve ser maior
Governo faz agenda do desenvolvimento
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
A agenda do desenvolvimento
brasileiro deve organizar-se em
torno de quatro pontos: avaliação
estratégica dos grupos econômicos nacionais, análise crítica dos
riscos da dependência financeira
externa, cálculo da força dos grupos sociais organizados e reforço
dos instrumentos estatais de ação
e coordenação. Embora pareça,
este não é o pensamento da oposição ao governo FHC, mas de alguns dos membros mais ilustres
da própria equipe que assessora
diretamente o presidente.
Responder a essas questões é a
missão do Grupo de Análise e Pesquisa da Presidência da República
(GAP), a cargo do sociólogo Luciano Martins (responsável pelo
célebre seminário com intelectuais de peso internacional logo
no início do governo FHC).
Cada um desses tópicos é tema
de uma grande monografia voltada para a definição de uma estratégia de governo. Alguns já estão
prontos, mas embargados. Outros
estão em fase de conclusão. A Folha teve acesso ao relatório preliminar sobre grandes grupos empresariais brasileiros e ouviu alguns dos técnicos envolvidos.
Além do GAP, o desenho da estratégia envolve o BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada). O trabalho sobre os
grupos econômicos foi encomendado diretamente à área de planejamento do banco. Do Ipea, já saíram "O Brasil na Virada do Milênio - Trajetória do Crescimento
de Desafios do Desenvolvimento"
e uma série de estudos sobre regulamentação de infra-estrutura.
O governo FHC não tem um discurso acabado sobre desenvolvimento, a prioridade ainda é reforçar o compromisso com a estabilidade de preços, a política da taxa
de câmbio e a aprovação das reformas constitucionais.
Mas aos poucos, nos bastidores,
o Estado brasileiro parece estar retomando algumas funções desenvolvimentistas.
Depois da crise mexicana, foram
surgindo políticas em defesa de setores que foram expostos demais à
concorrência externa. A criação de
novas linhas de crédito pelo
BNDES, orientadas para setores
considerados estratégicos, é outro
exemplo de intervenção quase
"asiática" na economia.
E houve alguns ajustes tributários, reforçando o caixa do Tesouro e tentando estimular as exportações. Essas ações não entrariam
num receituário liberal típico.
Financiador
O estudo BNDES/GAP coloca o
megabanco na condição de "financiador estratégico" desses grupos. Para um dos técnicos que
participa das discussões dos resultados, é errado falar em desindustrialização na economia brasileira.
Estaria ocorrendo uma saudável
reorganização empresarial, com
profissionalização da gestão e
concentração econômica, ingredientes para enfrentar uma concorrência externa inevitável.
Entre as possibilidades identificadas pelo estudo sobre os principais grupos econômicos nacionais
está o aumento da presença do
próprio BNDES no financiamento
a investimentos.
Os grupos, levados por anos de
taxas de juros elevadíssimas, evitaram o endividamento e o banco
estatal enxerga na superação dessa
reação defensiva o caminho para
uma retomada. Os juros ainda estão altos demais, porém a identificação de estratégicas prepara o
terreno para o momento em que
for possível reduzir os juros.
A montagem de agências com
poder ministerial para coordenar
políticas de competitividade também está na agenda.
O problema em vários casos ainda é a herança de desmonte da máquina estatal, radicalizada no governo Collor (até Roseana Sarney
era funcionária do Ipea, que nos
últimos anos cortou excessos e
voltou a fazer pesquisa econômica
básica).
A lista de desvantagens que o estudo sobre grupos econômicos revela também é eloquente. O exame
das orientações estratégicas dessas
empresas mostra que ainda estão
fortemente voltadas para o mercado interno.
A participação das exportações
dos grupos no total de exportações
brasileiras tem crescido (era de
11,9% em 1989, chegou a 18,9% em
1995), mas há uma grande concentração na produção de commodities (66% das exportações,
em 1995).
O peso do controle familiar é outro fator problemático, embora o
estudo tenha identificado, por
meio de entrevistas com os empresários, que o espaço dos administradores profissionais tem crescido. A concentração das empresas em seus próprios negócios,
evitando diversificar demais suas
linhas de atuação, é outra tendência que o estudo identifica.
Para o técnico do governo que
examina esses dados, a economia
brasileira pode ser vista como um
"capitalismo modesto". Há ceticismo quanto à capacidade dos
grupos nacionais superarem limitações como a concentração em
commodities.
A desnacionalização é evidente,
embora não seja vista necessariamente como um mal.
Aliás, entre as 33 empresas da
amostra, duas (Cofap e Brasmotor) passaram ao controle de investidores estrangeiros (o Grupo
Hering vendeu sua parte agroindustrial para o Grupo Bunge).
Mas os investimentos previstos
para os próximos cinco anos, segundo o estudo, concentram-se
nos setores de papel e celulose, siderurgia, entretenimento e telecomunicações, energia e transporte.
Ou seja, setores onde houve ou
haverá processos de privatização
ou nos quais o governo atua de
forma cada vez mais direta, oferecendo financiamento ou maior
proteção contra os importados.
Os críticos do governo costumam dizer que o país não tem política industrial, que a política econômica não consegue ir além do
compromisso com a estabilização
e que há uma aposta exagerada na
dependência financeira externa.
O debate está apenas começando, mas nos bastidores do governo há sinais de que a política econômica já não se limita à âncora
cambial.
É verdade que ainda existe uma
grande distância entre os estudos
que começam a sair, para análise
dos assessores presidenciais, e as
políticas industriais e setoriais que
afinal se tornam realidade.
Mas a distância pode estar diminuindo e, seja qual for o resultado
das eleições deste ano, a tecnoburocracia estatal brasileira pode estar começando a retomar algumas
das funções planejadoras que afinal sempre exerceu.
A julgar pelos trabalhos do GAP,
do BNDES e do Ipea, as preocupações com o destino da burguesia
nacional e a ação estruturadora do
Estado sobre os mercados estão de
volta à agenda política oficial.
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