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ANÁLISE
Ritmo e direção de mudanças de Lula ainda são incertos
RICHARD LAPPER
RAYMOND COLITT
DO FINANCIAL TIMES
Luiz Inácio Lula da Silva conhece o valor de uma metáfora simples e direta. Fala sobre a tolice de
colher "frutas verdes", ou diz que,
quando sua mulher, Marisa, engravidou pela primeira vez, ele estava "louco" para ver o bebê, mas
teve de esperar o parto e mais 11
meses para que seu filho desse os
primeiros passos.
Em outra ocasião, discursando
diante de uma fábrica da Mercedes-Benz em São Paulo, ele extraiu inspiração de uma recente
vitória do Corinthians, o time para o qual tanto ele quanto a maioria dos 6.000 operários que o ouviam torcem, em uma partida
diante do rival Palmeiras. O Corinthians deixou o adversário
marcar dois gols, depois de um
início de partida ansioso, "mas
quando o time começou a pensar
um pouco, nós começamos a nos
recuperar, tomamos o controle
do jogo e viramos".
Qualquer que seja a história, a
mensagem é a mesma: a necessidade de paciência. O presidente
brasileiro, oriundo da classe trabalhadora, sabe que os pobres do
país têm imensas expectativas
quanto a ele. Mas, lembra-os sempre, o progresso será lento e meticuloso. A vitória eleitoral de Lula
foi obtida em meio a uma crise
econômica e ao medo de uma
moratória. Hoje, com o presidente completando cem dias no cargo, esse pesadelo recuou. Ele conseguiu até preparar controvertidas reformas no setor público que
poderiam, em prazo mais longo,
dar nova forma à economia.
Os esforços de Lula conquistaram aplausos no exterior. James
Wolfenson, presidente do Banco
Mundial, está "inequivocamente
impressionado". Horst Köhler,
diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional, elogia o
"curso corajoso" adotado. Os preços dos bônus brasileiros estão
em alta, reduzindo o rendimento
ao seu ponto mais baixo em quase
um ano. As exportações começam a decolar. Alguns banqueiros
acreditam que o país possa em
breve voltar a tomar empréstimos
nos mercados internacionais.
Como Lula conseguiu esse feito?
Em parte se deve ao inesperado
conservadorismo exibido por ele.
Longe de romper com os programas pró-mercado do antecessor
Fernando Henrique Cardoso, seu
governo manteve o mesmo curso
cauteloso. As promessas de criar
empregos, aliviar a pobreza crônica e tornar a vida mais segura nas
caóticas cidades brasileiras não
foram esquecidas, no entanto. O
programa Fome Zero continua a
ser um projeto social de primeira
importância.
Ao manter o apoio de diferentes
grupos, dessa maneira, Lula conseguiu avançar onde outros líderes fracassaram. Alterar o ineficiente sistema tributário e o dispendioso esquema público de
aposentadorias também era parte
essencial do plano de FHC para
aumentar a eficiência do Estado
brasileiro e melhorar a produtividade do setor privado, mas se viu
bloqueado pela oposição de governadores estaduais, sindicatos
de funcionários públicos e outros
interesses ocultos. Cada vez mais,
crêem os analistas, há razões para
acreditar que Lula se tenha saído
bem quanto a esses problemas.
Ele é um político que, nas palavras de Christopher Garman, da
Tendências, uma consultoria de
São Paulo, "alterou os termos do
debate ao ocupar o território de
seus adversários".
Com suas origens humildes
-migrante vindo do pobre Nordeste brasileiro e operário da indústria automobilística- e seu
histórico como líder sindical encarcerado, Lula conseguiu conquistar algumas dessas vozes
opositoras. Ao longo dos últimos
oito anos, seu Partido dos Trabalhadores (PT) vinha defendendo
os interesses dos sindicatos de
funcionários públicos, cujos líderes agora admitem que sua oposição às reformas era um erro.
Tão importante quanto seus antecedentes são as qualidades pessoais que ele empresta ao posto. A
elite política brasileira aprecia os
rituais e a formalidade; Lula traz
um toque de simplicidade e um
bom humor franco à Presidência.
Para os críticos, fala-se muito e
não há foco suficiente em políticas duras e práticas. Isso fica evidente no programa Fome Zero,
encarado por alguns como burocrático e desorientado. O programa ao menos parece estar ajudando a reduzir a indiferença da classe média aos 46 milhões de brasileiros que vivem na pobreza. Celebridades como a modelo Gisele
Bündchen fizeram doações.
Enquanto FHC delegava a negociação dessas questões a colegas de gabinete, Lula lidera em
pessoa a conversa com governadores de Estados, prefeitos, associações empresariais, empresas
privadas e sindicatos. Ciente de
que esses líderes locais poderiam
mobilizar parlamentares para
derrotar os planos de seu governo, Lula apelou pessoalmente aos
governadores e, após lhes servir
um churrasco num encontro de
final de semana, obteve o apoio
deles, pelo menos em princípio.
Mesmo assim, resta muita pressão a fazer. Tanto o ritmo quanto
a direção das mudanças continuam incertos. A pressão sobre as
finanças públicas deve continuar
intensa. Lula terá de trabalhar
com os recursos disponíveis, e
concentrar seus esforços na melhora da qualidade e da eficiência
dos serviços. Nos níveis estadual e
municipal, o PT tem um bom histórico quanto a isso, mas sua experiência em nível federal ainda
não impressiona tanto.
O investimento estrangeiro direto que protegeu o Brasil do declínio de longo prazo nos influxos
de capital aos mercados emergentes talvez esteja em risco. Por enquanto, com a alta do superávit
comercial e a mudança extraordinária no sentimento de Wall
Street quanto ao Brasil, o perigo
parece remoto. Mas Lula não seria o primeiro líder latino-americano a descobrir tarde demais que
as modas mudam rápido e sem
aviso nos mercados financeiros.
Como outros líderes populares
esquerdistas, seu verdadeiro teste
político será administrar a redução da expectativas. Como ele foi
o primeiro a apontar, há limites
quanto ao que pode ser realizado
rapidamente. A boa notícia para o
presidente é que, pelo menos por
enquanto, sua conversa sobre colheita prematura, bebês em crescimento e viradas no segundo
tempo está fazendo efeito. Uma
pesquisa de opinião pública divulgada na semana passada mostra um grande aumento no número de brasileiros que acreditam
que o desemprego e a inflação estão se agravando. Mas a popularidade de Lula mal se abalou, com
índice de aprovação de 75%. "As
expectativas se reduziram drasticamente. Mas a lua-de-mel continua inalterada", diz Garman.
Tradução de Paulo Migliacci
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