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São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2003

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ANÁLISE

Ritmo e direção de mudanças de Lula ainda são incertos

RICHARD LAPPER
RAYMOND COLITT
DO FINANCIAL TIMES

Luiz Inácio Lula da Silva conhece o valor de uma metáfora simples e direta. Fala sobre a tolice de colher "frutas verdes", ou diz que, quando sua mulher, Marisa, engravidou pela primeira vez, ele estava "louco" para ver o bebê, mas teve de esperar o parto e mais 11 meses para que seu filho desse os primeiros passos.
Em outra ocasião, discursando diante de uma fábrica da Mercedes-Benz em São Paulo, ele extraiu inspiração de uma recente vitória do Corinthians, o time para o qual tanto ele quanto a maioria dos 6.000 operários que o ouviam torcem, em uma partida diante do rival Palmeiras. O Corinthians deixou o adversário marcar dois gols, depois de um início de partida ansioso, "mas quando o time começou a pensar um pouco, nós começamos a nos recuperar, tomamos o controle do jogo e viramos".
Qualquer que seja a história, a mensagem é a mesma: a necessidade de paciência. O presidente brasileiro, oriundo da classe trabalhadora, sabe que os pobres do país têm imensas expectativas quanto a ele. Mas, lembra-os sempre, o progresso será lento e meticuloso. A vitória eleitoral de Lula foi obtida em meio a uma crise econômica e ao medo de uma moratória. Hoje, com o presidente completando cem dias no cargo, esse pesadelo recuou. Ele conseguiu até preparar controvertidas reformas no setor público que poderiam, em prazo mais longo, dar nova forma à economia.
Os esforços de Lula conquistaram aplausos no exterior. James Wolfenson, presidente do Banco Mundial, está "inequivocamente impressionado". Horst Köhler, diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional, elogia o "curso corajoso" adotado. Os preços dos bônus brasileiros estão em alta, reduzindo o rendimento ao seu ponto mais baixo em quase um ano. As exportações começam a decolar. Alguns banqueiros acreditam que o país possa em breve voltar a tomar empréstimos nos mercados internacionais.
Como Lula conseguiu esse feito? Em parte se deve ao inesperado conservadorismo exibido por ele. Longe de romper com os programas pró-mercado do antecessor Fernando Henrique Cardoso, seu governo manteve o mesmo curso cauteloso. As promessas de criar empregos, aliviar a pobreza crônica e tornar a vida mais segura nas caóticas cidades brasileiras não foram esquecidas, no entanto. O programa Fome Zero continua a ser um projeto social de primeira importância.
Ao manter o apoio de diferentes grupos, dessa maneira, Lula conseguiu avançar onde outros líderes fracassaram. Alterar o ineficiente sistema tributário e o dispendioso esquema público de aposentadorias também era parte essencial do plano de FHC para aumentar a eficiência do Estado brasileiro e melhorar a produtividade do setor privado, mas se viu bloqueado pela oposição de governadores estaduais, sindicatos de funcionários públicos e outros interesses ocultos. Cada vez mais, crêem os analistas, há razões para acreditar que Lula se tenha saído bem quanto a esses problemas.
Ele é um político que, nas palavras de Christopher Garman, da Tendências, uma consultoria de São Paulo, "alterou os termos do debate ao ocupar o território de seus adversários".
Com suas origens humildes -migrante vindo do pobre Nordeste brasileiro e operário da indústria automobilística- e seu histórico como líder sindical encarcerado, Lula conseguiu conquistar algumas dessas vozes opositoras. Ao longo dos últimos oito anos, seu Partido dos Trabalhadores (PT) vinha defendendo os interesses dos sindicatos de funcionários públicos, cujos líderes agora admitem que sua oposição às reformas era um erro.
Tão importante quanto seus antecedentes são as qualidades pessoais que ele empresta ao posto. A elite política brasileira aprecia os rituais e a formalidade; Lula traz um toque de simplicidade e um bom humor franco à Presidência.
Para os críticos, fala-se muito e não há foco suficiente em políticas duras e práticas. Isso fica evidente no programa Fome Zero, encarado por alguns como burocrático e desorientado. O programa ao menos parece estar ajudando a reduzir a indiferença da classe média aos 46 milhões de brasileiros que vivem na pobreza. Celebridades como a modelo Gisele Bündchen fizeram doações.
Enquanto FHC delegava a negociação dessas questões a colegas de gabinete, Lula lidera em pessoa a conversa com governadores de Estados, prefeitos, associações empresariais, empresas privadas e sindicatos. Ciente de que esses líderes locais poderiam mobilizar parlamentares para derrotar os planos de seu governo, Lula apelou pessoalmente aos governadores e, após lhes servir um churrasco num encontro de final de semana, obteve o apoio deles, pelo menos em princípio.
Mesmo assim, resta muita pressão a fazer. Tanto o ritmo quanto a direção das mudanças continuam incertos. A pressão sobre as finanças públicas deve continuar intensa. Lula terá de trabalhar com os recursos disponíveis, e concentrar seus esforços na melhora da qualidade e da eficiência dos serviços. Nos níveis estadual e municipal, o PT tem um bom histórico quanto a isso, mas sua experiência em nível federal ainda não impressiona tanto.
O investimento estrangeiro direto que protegeu o Brasil do declínio de longo prazo nos influxos de capital aos mercados emergentes talvez esteja em risco. Por enquanto, com a alta do superávit comercial e a mudança extraordinária no sentimento de Wall Street quanto ao Brasil, o perigo parece remoto. Mas Lula não seria o primeiro líder latino-americano a descobrir tarde demais que as modas mudam rápido e sem aviso nos mercados financeiros.
Como outros líderes populares esquerdistas, seu verdadeiro teste político será administrar a redução da expectativas. Como ele foi o primeiro a apontar, há limites quanto ao que pode ser realizado rapidamente. A boa notícia para o presidente é que, pelo menos por enquanto, sua conversa sobre colheita prematura, bebês em crescimento e viradas no segundo tempo está fazendo efeito. Uma pesquisa de opinião pública divulgada na semana passada mostra um grande aumento no número de brasileiros que acreditam que o desemprego e a inflação estão se agravando. Mas a popularidade de Lula mal se abalou, com índice de aprovação de 75%. "As expectativas se reduziram drasticamente. Mas a lua-de-mel continua inalterada", diz Garman.


Tradução de Paulo Migliacci


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