São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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CAMPO MINADO

Após reunião com Lula, ministros procuram lideranças dos sem-terra

Governo telefona ao MST e diz que invasões atrapalham

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem a ministros e membros do PT com trânsito no MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que advertissem a cúpula da entidade de que invasões de fazendas produtivas "prejudicam a causa da reforma agrária" e que "o governo não aceitará pressões dessa natureza". Essas foram expressões usadas por um membro da cúpula do governo em conversa com a Folha.
Lula ficou contrariado com informações do próprio governo que dão conta de que partiu da direção nacional do MST a ordem para a invasão na segunda-feira da fazenda da empresa multinacional Veracel Celulose, na Bahia.
Os ministros Luiz Dulci (Secretaria Geral), que faz a interlocução do governo com os movimentos sociais de modo geral, e Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), que negocia diretamente com o MST, dispararam telefonemas ao longo do dia para transmitir a mensagem de Lula.
Um membro do governo disse que Lula viu com "estranheza" e "surpresa" a invasão. Afirmou que ela era contraditória com o discurso do próprio MST, que dissera na semana anterior que seus inimigos não eram o governo ou o agronegócio, mas os latifúndios improdutivos.
Na semana passada, o líder do MST João Pedro Stedile disse que os sem-terra iriam "infernizar" no mês de abril. Dulci e Rossetto entraram em campo, e Stedile recuou no discurso, afirmando durante depoimento à CPI da Terra, no Congresso, que as melhores palavras seriam "pressionar e azucrinar". O governo prometeu também na semana passada liberar R$ 1,7 bilhão para fazer a reforma agrária. No ano passado, porém, o governo assentou pouco mais da metade da meta de 60 mil famílias. E mais, das 36,8 mil famílias que diz ter assentado, 27,5 mil receberam lotes vagos em projetos antigos, que foram instituídos entre 1972 (governo Médici) e 2002 (gestão FHC).
No recado presidencial de ontem, foi dito que o governo jamais desapropriará uma área como a da Veracel, que apoiará a ordem judicial de integração de posse, que Lula avalia que o MST se desgasta com setores da opinião pública simpáticos ao movimento e que atos assim atrapalharam um governo aliado aos sem-terra.
Produtiva e com investimento externo bilionário, a fazenda emprega na sede 2.000 pessoas. O MST a invadiu e derrubou quatro hectares de eucaliptos. A invasão criou constrangimento ao presidente, que recebeu a direção da empresa no ano passado, quando foi anunciado que o investimento seria de US$ 1,25 bilhão.
Lula decidiu reagir à invasão e a outros fatos negativos (greve da PF que já dura quase um mês e reivindicação de militares por reajuste salarial) a fim de não sofrer arranhão na autoridade na seqüência de dois meses de desgaste do caso Waldomiro Diniz, ex-assessor da Presidência flagrado em fita de 2002 pedindo propina e dinheiro para campanha a um empresário de jogos. Decidiu que cortará ponto dos grevistas da PF e negocia no bastidor com os militares.
Em reuniões nos últimos dias, Lula tem demonstrado preocupação com a confluência de tantos fatos negativos e uma conseqüente queda de popularidade do governo, como apontaram as pesquisas mais recentes.
Já há pelo menos 56 invasões de sem-terra no país. O governo, que sabe que abril é tradicionalmente um mês de invasões, alarmou-se com a gravidade. Havia a avaliação de que a intensidade de invasões neste ano não seria diferente da dos anos anteriores.
Em conversas com interlocutores, os ministros Dulci e Rossetto negaram ter subestimado o MST ou traçado cenário "róseo" para o presidente. Afirmaram que um ato como o da fazenda Veracel era difícil de ser previsto.


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